Obras perdidas de Joaquim Manuel de Macedo
Por Laércio Becker | 07/12/2011 | LiteraturaPor: Laércio Becker, de Curitiba-PR
SUMÁRIO
1. Introdução
2. Vingança por vingança
3. Os dois mineiros na corte
4. Sonho de artista
5. O livro
6. A filha do Jorge
7. Manuel Macedo
8. Manuel de Macedo
9. Conclusão
10. Referências bibliográficas
1. Introdução
Joaquim Manuel de Macedo foi um autor bastante prolífico. São 16 romances, 2 livros de contos e novelas, 2 sátiras, 18 peças de teatro publicadas, livros didáticos, biografias, poesias, crônicas, artigos de jornal, relatórios, discursos (no IHGB, na Câmara dos Deputados) – ver nosso artigo “Obra completa de Joaquim Manuel de Macedo”.
Não é de admirar que, com uma bibliografia tão vasta, parte de sua produção ainda esteja inédita (p.ex., papéis guardados nos arquivos do IHGB e do Arquivo Nacional), ou não reunida em livro (p.ex., boa parte dos textos publicados em periódicos), ou lamentavelmente tenha se perdido. Para sempre? Não necessariamente. Há duas saídas possíveis: ou essas obras são recuperadas e publicadas, ou a autoria de Macedo é contestada.
Na primeira situação, encontram-se as publicações póstumas. Há três peças que ficaram inéditas por muito tempo, até 100 anos:
- O macaco da vizinha – depois de uma publicação póstuma em 1885 (Livraria de Cruz Coutinho), foi republicada na Revista de Teatro SBAT, Rio de Janeiro, nº 312, Caderno nº 59, p. 31-40, nov./dez. 1959.
- Uma pupila rica – escrita em 1870, sua primeira edição só saiu com um atraso de 100 anos, na Revista de Teatro SBAT, Rio de Janeiro, nº 380, p. 31-61, mar./abr. 1971. Duas décadas depois foi reeditada pela Fundação Biblioteca Nacional, em 1995.
- Pai Cuco, o feiticeiro – escrita em 1879, foi publicada 110 anos depois, na Revista de Teatro SBAT, Rio de Janeiro, nº 471, p. 15-32, jul./set. 1989.
Fora essas três peças, só há um romance publicado postumamente: Amores de um médico. Enfim, ainda é possível ter esperanças de recuperar uma ou outra obra dada como perdida.
Na segunda situação, está uma publicação de 1904, que inclui as novelas Voragem e Pamphilio. Embora publicadas como sendo de Macedo e apesar de Voragem já ter sido publicada em vida do autor, sob o pseudônimo de Mínimo Severo, Tania Serra (p. 222-3) entende que os textos dessa edição de 1904 fogem completamente ao estilo do autor.
Quanto ao teatro, na publicação do Teatro Completo de Macedo, o plano original (p. 1.000) previa um vol. 4, que infelizmente não saiu, contendo, entre outros, os “textos teatrais a ele atribuídos mas que ainda subsistem dúvidas quanto à autoria”. Provavelmente estavam pensando nas versões de A Moreninha feitas para a cena, bem como em O macaco da vizinha, que ensejaram polêmicas quanto à autoria.
Vejamos a seguir algumas obras que ainda são dadas como perdidas. Em alguns dos casos, vamos tentar apontar algumas possibilidades de solução dos “mistérios”. Nem que seja para negar a autoria de Macedo.
2. Vingança por vingança
Vingança por vingança é uma peça de Macedo considerada perdida. Será realmente uma peça perdida ou um erro de atribuição de autoria? É o que veremos.
Sacramento Blake (v. 4, p. 187) cita, entre as obras de Macedo: “Vingança por vingança: drama em quatro atos. Rio de Janeiro, 1877 in-8º”. Silvio Romero (2002, p. 419; com João Ribeiro, p. 237) também diz que, em 1877, Macedo deu à cena o drama Vingança por vingança, “que passou despercebido”. Provavelmente seguindo as pistas de Blake e Romero, na publicação do Teatro Completo de Macedo, o plano original (p. 1.000) previa a inclusão de Vingança por vingança no vol. 3, mas isso não se concretizou. Por quê? Ninguém a encontrou.
Ocorre que existe outra peça com o mesmo título, porém de autoria de Constantino José Gomes de Souza, escritor que Silvio Romero chama de “o decano dos poetas de Sergipe” (2001, p. 24), nascido em 1827, em Sergipe, e falecido em 02.09.1875, no Rio de Janeiro (cf. Blake, v. 2, p. 138). Galante de Souza (1979, p. 174) abre uma discussão interessante, ao perguntar se seria apenas uma coincidência.
A peça de Constantino é assim descrita no Diccionario de Innocencio: “Vingança por vingança: drama original em quatro atos. Rio de Janeiro, em casa dos editores Dupont & Mendonça, 1869. 8º de XIX – 134 pág., com uma apreciação do Sr. Mello Moraes, filho” (Silva e Soares, 1870, t. 9, p. 86; informação repetida por Galante de Souza, 1960, t. 2, p. 524). Esta referência também é dada por Blake, nos seguintes termos: “Vingança por vingança: drama original em quatro atos. Rio de Janeiro, 1869, 134 pags. in-8º” (v. 2, p. 138).
Lothar Hessel e Georges Raeders (p. 200) vão um pouco além, informando que essa peça “no Rio Grande do Sul mereceu comentários favoráveis da prestigiosa Revista do Partenon Literário (Porto Alegre, nº 3, maio de 1869)”.
Favor notar que, assim como a Vingança de Macedo, a de Constantino também é um drama, e também em quatro atos. Só diferem na data e na autoria. Mas há outras coincidências entre ambos os escritores. Assim como Macedo, Constantino José Gomes de Souza foi médico, romancista e dramaturgo. Ademais, enquanto Macedo tem um drama intitulado O cego, cuja 1ª ed. é de 1849 (Serra, p. 331; Galante de Souza, 1979, p. 169; Lima, p. 238-40), Constantino tem um romance também intitulado O cego (Romero, 2001, p. 24), assim descrito por Sacramento Blake (v. 2, p. 138): “O cego: romance – foi publicado pela Illustração Brazileira depois da morte do autor” – que, como vimos, ocorreu em 1875.
Silvio Romero (2001, p. 24) acrescenta que:
“Não foi só, porém, dado às musas o culto de Constantino; sacrificou também ao drama e ao romance. No primeiro gênero deixou: O espectro da floresta, Os três companheiros de infância, Há dezessete anos ou a filha do salineiro, O enjeitado, Vingança por vingança e Gonzaga, este último inédito.”
Macedo também biografou Constantino, lembrando sua profissão de médico e fazendo grandes elogios: “homem honesto, digno de ser no seio das famílias recebido, prático estimado, coração compassivo, bom, caridoso” (1880, p. 204). Mencionou sua vocação para a literatura, lamentando, porém, que “as letras não lhe deram pão: não o dão a literato algum no Brasil” (loc. cit.) – o próprio Macedo que o diga. Das obras de Constantino, Macedo citou apenas os romances O desengano e Filha sem mãe (loc. cit.). Como Constantino faleceu em 02.09.1875, consultei o Discurso de Macedo proferido em 15.12.1875 no IHGB (cujos necrológios são mais completos que os do Ano biográfico) mas, infelizmente, ele não falou de Constantino nesse ano.
Pausa para algumas conclusões parciais. Considerando que Constantino morou e morreu no Rio, levando em conta as palavras de Macedo (que revelam um conhecimento mais pessoal do biografado) e as afinidades de formação (medicina) e opção literária, pode ser que ambos tenham travado contato pessoal. Pelas datas negritadas, a Vingança de Macedo é posterior à de Constantino (enquanto O cego de Macedo é anterior a O cego de Constantino), aliás, posterior à própria morte do sergipano.
Israel Souza Lima (p. 480-2) traz um dado a mais, muito importante para tentar desvendar o mistério. Diz ele que a Revista Ilustrada (nº 94, Rio de Janeiro, 15 dez 1877, p. 2), a propósito de efeméride de 15.12.1873, publicou o seguinte: “O nosso colega A.A., autor da peça Nhô Quim, para vingar-se do público que não aplaudiu a sua peça, tratou em outra peça, Vingança de Nhô Quim, de vingar seu herói. O público por seu lado, querendo vingar-se do vingativo, pateou [vaiou] a nova peça que o Sr. Luís Inácio mandou retirar de cena. Foi Vingança por Vingança!..., drama em quatro atos do sr. dr. Macedo. Esquisitos dramaturgos!”
Lima (loc. cit.) se pergunta se o “sr. dr. Macedo” seria Joaquim Manuel – o que me parece relativamente claro, já que era assim conhecido – e se “A.A.” seria Artur Azevedo – mas não encontrei, na bibliografia deste (cf. Galante de Souza, 1960, t. 2, p. 77-8), peças com os títulos de Nhô Quim e Vingança de Nhô Quim. As de título mais parecido são posteriores a essa notícia: Nhô Nhô, de 1879, e O anjo da vingança, de 1882. (Obs.: a precursora das histórias em quadrinhos no Brasil, As aventuras de Nhô Quim, foram publicadas a partir de 1869.)
Lima questiona como uma efeméride de 1873 pôde fazer menção a uma peça (de Macedo) que só teria vindo à cena em 1877. Por isso, para Lima (p. 482), Sacramento Blake leu essa notícia e, a partir dela, incluiu essa peça na bibliografia de Macedo, tomando por data a da Revista. Para reforçar a hipótese, Lima supõe que Blake não chegou a ter a peça em mãos porque ele não identifica editor, tipografia e número de páginas, como faz nos casos em que conseguiu ver um exemplar.
Realmente, a hipótese é muito interessante. Pode ser que a Revista quisesse se referir à peça de Constantino mas se equivocou. Possível, porque a peça de Constantino já estava publicada desde 1869, i.e., podia ter sido encenada tanto no ano da efeméride (1873) quanto no da publicação da Revista (1877).
Considerando que, além disso tudo, a Vingança por vingança de Macedo não chegou a ser entregue ao Conservatório Dramático para censura, Lima (p. 483) põe em dúvida a sua existência.
O veredicto final foi dado pela maior especialista em Macedo: Tania Serra (p. 209). A professora é da opinião de que, na realidade, nunca houve uma Vingança por vingança de Macedo, mas apenas a de Constantino Sousa.
3. Os dois mineiros na corte
Algo semelhante aconteceu com outra peça de Macedo dada por perdida: Os dois mineiros na corte.
Em 1898, Sacramento Blake (v. 4, p. 188) afirma o seguinte: “Além das óperas deste gênero, há de sua pena mais duas comédias que só vi anunciadas num catálogo de livros, e são: Os dois mineiros na corte: comédia em um ato. Rio de Janeiro... [e] Romance de uma velha: comédia. Rio de Janeiro...” (obs.: as reticências são do original). Max Fleiuss (p. 446) repete que “foram anunciadas: Os dois mineiros na corte – comédia em um ato [e] Romance de uma velha – comédia em cinco atos, 49 pags. Cruz Coutinho, editor, Rio de Janeiro, s/d”.
Quanto ao Romance de uma velha, atualmente disponível no Teatro Completo (p. 1.559 e ss.), foi representada em 1870 (cf. Galante de Souza, 1979, p. 174). Sua primeira edição, pela Livraria Cruz Coutinho, não indica a data da publicação, mas Israel Souza Lima (p. 494) supõe que tenha sido entre 1870 e 1880. Ou seja, antes do volume de Sacramento Blake que, no entanto, viu apenas o anúncio. Max Fleiuss copiou Blake, inclusive o “anunciadas”, embora parece ter visto um exemplar, já que cita o editor e o número de páginas.
Quanto a Os dois mineiros na corte, Blake e Fleiuss se limitam a dizer que se trata de uma comédia de um ato. Certamente conforme o anúncio que viram. P.ex., eu também encontrei, na contracapa da peça Caminho da porta, de Machado de Assis, uma relação de peças “à venda na Livraria de Cruz Coutinho”, sob o título geral de “Theatro moderno luso-brasileiro – collecção de comedias, dramas e scenas-comicas”, sob o nº 54, a peça Os dois mineiros na corte, comédia em um ato, ao preço de 1$000. Porém, sem indicação do autor.
Sobre essa peça de Macedo, Galante de Souza (1979, p. 176) também tem dúvidas, nos seguintes termos: “Não sabemos até onde vai a exatidão do informe, não só quanto ao título, como também quanto a se tratar de uma publicação ou de simples promessa. Sílvio Romero, que conhecia bem o teatro do autor, não faz referência à peça.”
Bem, o fato de Sílvio Romero não mencionar essa peça pode realmente ser um indício considerável, mas devemos nos lembrar que Romero havia incluído (equivocadamente, ao que tudo indica) entre as peças de Macedo a Vingança por vingança. Ou seja, assim como parece que errou lá por excesso, poderia ter errado aqui por falta. O problema não é a omissão de Romero, mas o fato – que considero ainda mais relevante – que o Diccionario de Innocencio também não a inclui entre as peças de Macedo.
Por isso, de resto, parece que a suspeita de Galante de Souza tem realmente razão de ser. Ainda mais considerando que o mais próximo que ele chegou foi de um anúncio da peça. Tudo indica que ela realmente existe, só que a atribuição a Macedo pode ter sido um equívoco de Sacramento Blake. Expliquemos.
O que há de concreto, atualmente, é a peça Dois mineiros na corte, comédia em um ato (assim como a de Macedo), com sete personagens, de Monteiro de Noronha – notar que o título é ligeiramente diferente, pois falta o artigo definido “os”, que aparece na suposta peça de Macedo. Encontrei apenas dois exemplares da peça, ambos na Biblioteca Jenny K. Segall, em São Paulo, ambos da Livraria Teixeira. Um da 4ª ed., s/d, 23 págs., outro da 6ª ed., publicada em 1933, 24 págs. – é a que aparece na Bibliografia da dramaturgia brasileira (Moreira e Antonio, p. 3). Ambos se identificam como sendo o nº 37 da “Bibliotheca Dramatica Popular”. Infelizmente não localizei outras edições, nem na Biblioteca Nacional, nem na Biblioteca da Funarte, nem na SBAT.
José Guilherme Magnani (p. 64-5) também faz referência a essa publicação. O autor fala sobre as listas da coleção “Bibliotheca Dramatica Popular”, editada pela Livraria Teixeira, listas que constavam nas contracapas das peças teatrais publicadas. Diz que na contracapa do v. 125, O filho natural, de João Marques, aparece uma relação de 220 peças publicadas, entre as quais “Dois mineiros na corte, comédia em um ato de Monteiro de Noronha”.
Aparentemente, foi uma peça de sucesso. Na p. 1 de ambas as edições consultadas, consta que foi “representada com extraordinário agrado em quase todos os teatros do Brasil”. E Miroel Silveira (p. 131), ao tratar da contribuição italiana ao teatro brasileiro, conta que “1912 começa hibridando mais nomes italianos e brasileiros num espetáculo do ‘Circolo Ricreativo Alegre da Luz’ que exprimia as duas tendências que se uniam: a tradicional peninsular, com ‘Leonardo, o Pescador’, e ‘Dois mineiros na corte’ na linha nacional-regionalista já apontada”. Notar que o título citado não tem o artigo definido “os”, ao contrário do título atribuído a Macedo.
Mas afinal, quem é Monteiro de Noronha? Difícil responder. O único que encontrei foi José Monteiro de Noronha, sacerdote falecido em 1794 (Macedo, 1876, v. 3, p. 455-7). Autor de: Sermão pregado em 24 de julho de 1787; Maginação dos Estatutos..., Roteiro dos diversos..., Roteiro da cidade do Pará... e Roteiro da viagem da cidade do Pará até... (Sacramento Blake, v. 5, p. 100-1). Triplamente impossível de se tratar do mesmo autor: seja pela data de falecimento, seja pelas obras que publicou, seja pelo texto da peça, incompatível. Afinal, na peça (p. 2), lê-se que “a cena passa-se no Rio – época, 186...”.
Não encontrei nenhum Monteiro de Noronha na bibliografia de teatro feita por J. Galante de Souza, nem na Bibliografia da dramaturgia brasileira, tampouco nas obras de Lafayette Silva, Lothar Hessel e George Raeders. Deve ter sido um autor realmente obscuro. Como Otto Maria Carpeaux (p. 85) disse que o parnasianismo criou as celebridades de um soneto só, talvez o romantismo tenha criado um dramaturgo de uma peça só...
Poderia ser um equívoco das bibliografias, mas também, em tese, poderia ser a apropriação indevida de obra alheia. Digo: poderia alguém, perante os originais inéditos, ter publicado como se fosse de sua autoria. Ainda mais considerando a inexistência de mais referências a respeito desse “Monteiro de Noronha”. Outra hipótese seria de pseudônimo – mas os de Macedo eram diferentes: “O Velho”, “Mínimo Severo”, não combinam com um nome mais “comum” como “Monteiro de Noronha”.
Um meio para se tentar resolver esse mistério seria uma análise do texto da peça. Ocorre que, nas duas edições consultadas, consta que a peça foi “cuidadosamente revista e consideravelmente ampliada por J. Vieira Pontes”. Isso torna difícil a verificação da autenticidade do texto – se é ou não compatível com o estilo de Macedo ou sua época.
4. Sonho de artista
O único autor a falar dessa obra como quem a teve em mãos é Rui Gonçalves, em seu livro sobre a história da literatura fluminense. Afirma (p. 22-3) que é “mais autobiografia, em que Joaquim Manuel de Macedo confessa o seu pendor para a literatura ‘desde os primeiros anos’, pouco citado na sua bibliografia, inédito que pertence à coleção Eduardo Prado”. As demais referências são a essa observação de Gonçalves. Galante de Souza (1979, p. 179) aparentemente põe em dúvida essa informação, de modo bem sutil, quando, ao noticiar esse título, diz: “a crermos na informação de Rui Gonçalves”...
Questionada a propósito dessa obra, a Biblioteca Nacional respondeu que “não encontramos na Coleção Eduardo Prado o título Sonho de artista” (cf. Serra, 2004, p. 353).
5. O livro
No tomo 4 de seu gigante Diccionario, Innocencio Francisco da Silva (1860, p. 128) diz que Macedo “conserva em seu poder, concluídas, mas ainda não impressas, O amor da pátria, drama em um ato; A torre em concurso, comédia em três atos; O livro, comédia em quatro ditos; O novo Otelo, dita em um só ato, etc”. Como é sabido, as demais peças acabaram sendo publicadas e estão disponíveis no Teatro Completo (p. 1.139 e ss., 1.167 e ss., 1.539 e ss.). No entanto, a peça O livro não é citada novamente no tomo 12 do citado Diccionario, publicado 24 anos depois (Silva e Aranha, 1884, p. 100-5, 386-90).
Segundo Galante de Souza (1979, p. 178), a peça está “provavelmente perdida”.
6. A filha do Jorge
O Frei Pedro Sinzig (p. 490), no livro em que se dedica a lançar juízos morais sobre romances nacionais e estrangeiros, coloca entre as obras de Macedo um romance intitulado A filha do Jorge. Mesmo sem identificar a data da publicação e a editora (ao contrário do que faz com outras), tece o seguinte comentário: “Misérias burguesas como lhe chama o autor, A filha do Jorge anda de amores com o sobrinho de João Lopes. Os pais obrigam-na a casar com Leonardo. Luiz Soveral desonra o novo lar. É um romance canalha.”
Nenhum outro autor atribui a Macedo a autoria de um romance com esse título. Deve ter sido um lapso do clérigo. Por isso, a professora Tania Serra entende que esse título realmente não pode constar em sua bibliografia.
7. Manuel Macedo
Algumas bibliografias (p.ex., Serra, p. 352) relacionam entre as obras de Macedo dois títulos publicados pela Tecnoprint/Ediouro:
- Aprenda a escrever versos (1968) e
- Declarações de amor e cenas de amor dos melhores romances (1969).
Eu consultei exemplares de ambas, com pequenas diferenças de título (que não são incomuns na evolução das edições da Tecnoprint):
- Aprenda a fazer versos contendo um dicionário de rimas (1979) e
- Declarações de amor (s/d).
Em ambas consta como autor “Manoel Macedo”. Muitas vezes, a crítica se refere a JMM como “Manuel de Macedo”, mas nessas obras falta o “de”. Seria o mesmo Macedo?
Antes de responder a essa pergunta, cumpre informar que, com indicação desse mesmo autor, a Tecnoprint (também sob os nomes de Ediouro e Gertum Carneiro) publicou ainda os seguintes livros (entre parênteses as datas de publicação dos exemplares que consultei; a maioria não informa):
- Frases e pensamentos para correspondência amorosa (1986), reedição de Correspondência amorosa (1979);
- Modelos de cartas sentimentais com respostas (s/d), reedição de Cartas sentimentais (s/d);
- Sugestões para suas cartas de amor (s/d);
- Trovas e modinhas populares (s/d).
Conta a favor da atribuição da autoria a Joaquim Manuel de Macedo o fato de que boa parte das obras acima citadas tem por objeto o que poderia ser considerado como parte da matéria-prima das obras da primeira fase de JMM: versos, declarações de amor e cartas sentimentais. E em todos esses livros de “Manuel Macedo” perpassa uma certa ingenuidade, uma inocência que já não existe mais – o que nos remete ao JMM da primeira fase. P.ex., na seguinte quadrinha colhida pelo autor: “Um suspiro de repente/ Um certo mudar de cor.../ São infalíveis sinais/ de quem sofre mal de amor” (Trovas..., p. 90). Além do sentimentalismo, algumas referências que bem poderiam ter sido feitas por JMM, como um baile (Sugestões..., p. 9) ao som da Serenata de Schubert (Cartas sentimentais, p. 19 e ss.), citações de poemas de Gonzaga, Gonçalves Dias e Camões (Aprenda a fazer versos, p. 42 e ss., 67), de trechos de José de Alencar (Declarações de amor, p. 22 e ss., 80 e ss.; Sugestões..., p. 56) e, menção à Sonata ao Luar de Beethoven (Frases e pensamentos..., p. 93). Aliás, há algumas citações de trechos do próprio JMM (Aprenda a fazer versos, p. 32; Declarações de amor, p. 56 e ss.).
Ainda em favor da atribuição a JMM, cumpre lembrar que, segundo Rosário Fusco (p. 43), durante o romantismo, havia uma verdadeira febre de cartas de amor – “é preciso escrever cartas, é preciso responder cartas”. Segundo Fusco, muitas eram publicadas nos jornais – “Manuel Macedo” ensina como responder aos anúncios amorosos (Sugestões..., p. 88 e ss.; Cartas sentimentais, p. 73 e ss.) –, de sorte que “os ‘secretários dos amantes’ sucedem-se em edições que fizeram a fortuna de inumeráveis editores” – ora, “Manuel Macedo” é autor de três títulos sobre o assunto.
Contam contra essa atribuição a JMM, contudo, alguns anacronismos evidentes. Em parte, podem ser creditados à atualizações posteriores. P.ex., o livro Frases e pensamentos... faz menção ao boogie-woogie (p. 93), mas há indicação de que o texto fora atualizado por Adriana Tavares de Sá (p. 3). Entretanto, no livro Cartas sentimentais, a “Apresentação” redigida pelo autor fala em correspondência ao Presidente da República (p. 12-3), cuja proclamação foi posterior ao falecimento de JMM – portanto, só se fosse uma república de estudantes, como a d’A Moreninha... Isso sem contar as citações de trechos do romance A mortalha de Alzira, de Aluísio de Azevedo (Declarações de amor, p. 51 e ss.), publicado doze anos após a morte de JMM, bem como de versos de Ribeiro Couto, Olavo Bilac e Alberto Oliveira (Aprenda a fazer versos, p. 36-7, 50-1, 65), menções ao swing, ao futebol e ao Clube de Regatas Flamengo (Sugestões..., p. 97), fundado treze anos depois da morte de JMM.
8. Manuel de Macedo
Caso especial é o da brochura Arte dramática (Lisboa: David Corazzi Editor, 1885). Afinal, JMM era dramaturgo. O autor é identificado como “Manuel de Macedo – conservador do Museu Nacional de Belas Artes”. O ano de publicação, apenas três anos depois da morte de JMM, e, conseqüentemente, as referências citadas – p.ex., Garrett (p. 22) – poderiam aproximar a obra de JMM. No entanto, não me consta que JMM tenha sido “conservador do Museu Nacional de Belas Artes”. Ademais, a obra tem por foco principal as técnicas de representação e de encenação, não de composição das peças – matéria que estaria mais afinada com JMM. Por fim, tudo indica que o autor é português – p.ex., quando diz que “coube ao nosso pequeno reino de Portugal...” (p. 4) e quando fala do teatro em vários países, terminando com Portugal (p. 21 e ss.), sem mencionar o teatro brasileiro.
Ao ponderar os prós e contras acima sintetizados, devemos concluir que são três autores diferentes. Um, JMM. Outro, “Manuel Macedo”, autor de livros sobre declarações de amor, cartas sentimentais e versos. Outro ainda, “Manuel de Macedo”, autor português de Arte dramática. Ou seja, essas obras não podem ser contabilizadas na bibliografia de JMM.
9. Conclusão
Diante de tudo que foi acima analisado, pode-se concluir, com um certo grau de certeza, que Vingança por vingança, Os dois mineiros na corte, A filha do Jorge, Aprenda a escrever versos e Declarações de amor não são de obras perdidas de Macedo, mas obras de outros autores. Em compensação, Sonho de artista e O livro continuam sendo incógnitas: ou realmente estão perdidas, ou na verdade nunca existiram.
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