Obesidade, Auto-imagem e Enfrentamento.

Por Lisa Minari Hargreaves | 03/02/2020 | Saúde

RESUMO

Neste artigo pretende-se refletir a respeito da obesidade como problema de saúde pública, considerada uma das mais graves doenças com gênese multifactorial.  Neste contexto, além do sofrimento provocado pela exclusão social constata-se que a obesidade mórbida acarreta uma série de comorbidades que acabam prejudicando a saúde da pessoa tornando-a mais vulnerável. A partir dos estudos bibliográficos sobre o tema, tenta-se portanto propor possíveis dinâmicas de enfrentamento sobre o tema proposto.

A percepção do corpo e, consequentemente a construção de sua imagem e auto-conceito, passa pela identificação com o esquema corporal proposto e valorizado pelos valores intrínsecos que constituem o sujeito e pela proposta de modelos ditados pela sociedade onde a pessoa está inserida (modelo psicossocial). A percepção como fenômeno psíquico se atrela tanto à esfera fisiológica dos mecanismos corporais quanto à esfera afetiva e emocional que integra as experiências subjetivas. A construção da imagem corporal acontece como resultado perceptivo,  subjetivo e contextual do sujeito que elege, a partir de sua experiência, modelos corporais ideais. A cultura ocidental atual cultua uma imagem corporal excludente onde o sujeito por ser aceito socialmente, precisa  seguir um padrão corporal distante dos padrões reais. O sofrimento que decorre da demanda social e da cobrança individual de apresentar medidas ideias, desencadeia frequentemente transtornos entre os quais os alimentares adotados pelo sujeito como medidas extremas para o alcance do corpo ideal. 

No livro “ O intolerável peso da feiura” (2006 )  Joana Novaes discorre a respeito da obesidade e seu contexto apontando para as possíveis causas e desdobramentos. Para a autora existe uma estigmatização da obesidade que torna-se cada vez mais doença preponderante. De fato, assistimos a uma idealização por parte da mídia do corpo ideal tonando o nosso corpo  um  “campo de batalha constante” entre o modelo do eu ideal a ser obsessivamente alcançado e o real  com o qual precisamos lidar cotidianamente. Neste contexto, a influência nefasta da mídia se manifesta principalmente nas imagens glamourizadas das revistas de moda ou de fitness ou nas propagandas ou ainda nos programas de tv todos pautados pelo modelo de corpo magro esbelto, saudável. Neste contexto não só não existe espaço para a pessoa obesa mas tende-se a excluir e isolar socialmente quem não se encaixa no padrão. A pessoa obesa é assim, julgada e classificada como preguiçosa, inoperante sem controle sobre suas ações, acarretando geralmente a diminuição de sua autoestima, o isolamento social e o sofrimento crônico impulsionando o aparecimento de diversas comorbidades físicas e psicológicas.

Em seu livro “ Sobrevivendo ao estigma da gordura” MATTOS (2012) afirma que nessa sociedade lipofóbica a gordura tornou-se um paradigma da feiura, criando processos de exclusão social e causadora de ansiedade e depressão para aqueles que não se enquadram. Parece desta forma,,  que o corpo gordo estigmatizado socialmente desqualifique e isole o indivíduo dificultando sua inserção social e acarretando diversos tipos de sofrimentos.

Segundo COSTA (2012) a obesidade é um problema de saúde pública e considerada uma das mais graves doenças com gênese multifactorial.  Neste contexto, além do sofrimento provocado pela exclusão social é possível constatar que a obesidade mórbida (considerada como fator extremo de acúmulo de gordura no organismo)  acarreta uma série de comorbidades que acabam prejudicando a saúde  da pessoa tornando-a mais vulnerável. É possível perceber isso na pesquisa de REIS na resposta do paciente 4 de 35 anos ao afirmar que além da fobia social e timidez era acometido por resistência à insulina, dores lombares, dores nos joelhos, hipotiroidismo, hérnia diafragmática miopia e deformação estética irreversível. Segundo a autora, a obesidade é portanto uma doença crônica e progressiva que pode causar sofrimento psicológico e que frequentemente, “se associa a outras patologias clínicas aumentando o risco de morbidade e mortalidade”.  LOPES et. al, (2013) apontam também para outros tipos de comorbidades além do isolamento social, a ansiedade e a depressão, quais: diabete tipo I, varizes, hipertensão, hiperlipidimia, apnéia do sono, artrite, doenças coronárias, cololitiase, hipoventilação, tornando desta forma, o paciente com IMC>40 (ou 35 apresentando comorbidades associadas) possível candidato para a cirurgia bariátrica apontada  como importante recurso no processo de enfrentamento da doença.

Segundo Souza (2015) no mundo sobrepeso e obesidade acometem cerca de dois bilhões de pessoas, e são considerados já como pandemias. O Brasil ocupa a quinta posição no raking mundial  com cerca de 60 milhões de pessoas acima do peso e 22 milhões obesas o que corresponde a 17 por cento da população brasileira.

Tendo em vista este fenômeno pandêmico,  as doenças associadas a obesidade estão aumentando consideravelmente, acarretando problemas de saúde quais:

Diabete melito tipo 2, hipertensão sistêmica, dislipidemia, apneia do sono, doenças cardiovasculares e certos tipos de canceres. Neste contexto, a síndrome metabólica se torna um complexo de fatores de risco interrelacioandos para doenças cardiovasculares representados por hiperglicemia, HAS, dislipidemia e obesidade abdominal.

 

Para Costa (2006) a complexidade de alterações metabólicas, humorais e inflamatórias associadas à síndrome metabólica, levou atualmente a ampliação de seu conceito. Assim são incluídas além da obesidade central inúmeros outros transtornos que acabam por levar à doença vascular arterioscleróticas, à disfunção endotelial, ao distúrbio de coagulação -fibrinolise e à hiperuricemia.

Segundo Souza (2015) estima-se que a síndrome metabólica em pacientes obesos acometa 25 por cento da população adulta e essa prevalência vem aumentando devido ao incremento da obesidade e ao estilo de vida sedentário chegando a 42 por cento em indivíduo com mais de 60 anos.

Para SIMON et al. Apud COSTA, (2012) portanto, as pessoas obesas além de apresentar possíveis comorbidades físicas, tem 25% de possibilidades a mais de apresentar também depressão e ansiedade do que a população em geral. Em um estudo desenvolvido por Dixon e O’Brien em 2003 citado por COSTA (2012) mostrou que os obesos mórbidos especialmente as mulheres com imagem corporal frágil tem alto risco de desenvolver depressão e que após o emagrecimento cirúrgico – bariátrico a melhoria do estado ansioso e depressivo torna-se evidente.

Cataneo et al., (2005) aponta para a relação entre maturidade emocional, auto-conceito e locus de controle de ansiedade nos aspectos psicológicos relacionados à obesidade infantil e juvenil. A conclusão do estudo do autor mostra que, embora pesquisas anteriores apontavam para uma discrepância entre estes fatores e o desenvolvimento emocional considerado normal das crianças, para os autores conclui-se que não há indicadores de problemas emocionais em crianças obesas de maior proporção.

No que diz respeito ao tratamento da obesidade torna-se fundamental a especificidade das especialidades e dos profissionais que as exercem e que   apoiam e conscientizam o paciente viabilizando o inteiro processo já que: “pode-se dizer portanto que o diálogo e a interação com a equipe multidisciplinar constituem-se no maior aliado ao tratamento tanto geral quanto voltado para a cirurgia bariátrica.” (LOPES 2013)

Além disso, acolher o paciente e conhecer seu histórico pessoal (anamnese) e familiar (genograma, mapa de família) seria o primeiro passo para trabalhar tanto as demandas físicas quanto as emocionais do próprio paciente. Neste contexto, a busca pelo autoconhecimento com o suporte de uma equipe multidisciplinar e da família tornar-se-ia essencial para promover no paciente, a introdução de hábitos saudáveis quais uma alimentação equilibrada (envolvendo também a família) , a prática regular de exercício físico e o desenvolvimento de uma relação mais saudável com a comida. A prática da mudança de hábitos alimentares, físicos e emocionais  traria benefícios inerentes às diversas comorbidades relacionadas à questão da obesidade possibilitando uma melhor  qualidade de vida para o paciente.

À luz dos fatos apresentados, é importante salientar portanto, que a perda significativa de peso em obesos é essencial e por isso, a prática constante de exercício físico e o controle alimentar e a reeducação alimentar orientados e assistidos por profissionais qualificados são de grande relevância para o tratamento da obesidade.

 Para alcançar práticas e resultados eficazes no combate à obesidade,  os serviços de saúde públicos devem incentivar à prática de hábitos saudáveis com ênfase na educação em saúde voltada para uma melhor qualidade de vida. Neste contexto, o atendimento  e o acompanhamento do paciente obeso precisa ser realizado por uma equipe multidisciplinar treinada, formada a princípio por nutricionista, psicólogo, educador físico, médico (lembrando que os profissionais da área de saúde podem alternar outros cargos na equipe como por exemplo a participação de fisioterapeuta, enfermeiro, psiquiatra).

As ações voltadas para uma melhora de qualidade de vida estruturadas pela equipe multidisciplinar tornam se desta maneira, essenciais para um tratamento bem sucedido tanto físico quanto psicológico para o paciente obeso, propiciando uma melhora nem sua qualidade de vida e consequentemente em sua auto-percepção.

Referências

CATANEO, C.  et al., Obesidade e aspectos psicológicos: Maturidade emocional, Auto-conceito, Locus de Controle e Ansiedade.  Em: Psicologia: reflexões e crítica, 2005 181 pp. 39-46.

COSTA, E., ROCHE, C. Aspectos psicológicos na obesidade mórbida: Avaliação dos níveis de ansiedade, depressão e auto-conceito em obesos que vão ser submetidos a cirurgia bariátrica. Braga: 2012. Em: Análise psicológica 4 (XXX): 451-466.

LOPES, L.; CAIRES, C.; Veiga, A. Relevãncia da equipe multiprofissional à cirurgia bariátrica. Disponível em  http://www.mastereditora.com.br/periodico/20140131_112150.pdf  Acesso21 de julho de 2017

MAHA, K.; SCOTT-STUMP, S. Krause: alimentos, nutrição e dietoterapia. São Paulo: Roca, 2002

MATTOS, R. Sobrevivendo ao estigma da gordura. Vetor: Cuiabá, 2012

PINTO, A. Diabetes e transtornos alimentares: uma associação de alto risco. Revista Brasileira de Psiquitria, 2002.

REIS, M. A influência da equipe multidisciplinar na adesão ao tratamento de pacientes obesos do pré-cirúrgico ao pós cirúrgico. Diponível em:

https://psicologamarianareis.files.wordpress.com/2012/04/artigo-a-influc3aancia-da-equipe-multiprofissional-na-adesc3a3o-e-tratamento-de-pacientes-obesos-do-prc3a9-circ3bargico-ao-pc3b3s-circ3bargico.pdf     Acesso 22de julho de 2017

TRINCA, T. O corpo-imagem na cultura do consumo: uma análise histórico-socialsobre a supremacia das aparências no capitalismo avançado. São Paulo: Unesp, 2008.