O “VIVER NO AUTOMÁTICO” E A INFELICIDADE NA ADVOCACIA
Por Henrique Lima | 30/01/2018 | CrescimentoO “VIVER NO AUTOMÁTICO” E A INFELICIDADE NA ADVOCACIA
Lendo uma matéria chamada “Porque sabotamos a Felicidade no Trabalho”, da revista Harvard Business Review (set/2017), escrito por Annie Mckee, que trata da autossabotagem que muitos cometem em suas próprias carreiras e de assuntos como estresse e felicidade no ambiente de trabalho, percebi que no ambiente da advocacia vivemos dramas parecidos.
No artigo a pesquisadora Annie Mckee aborda a infelicidade que, em algum momento, pode atingir ate mesmo os profissionais de alta performance.
Os fatores externos que causam o estresse geralmente são identificados como decorrentes da política, da velocidade das mudanças e das incertezas do mundo. Muita semelhança com o que vivemos no ambiente jurídico, onde esses três fatores também nos atormentam.
Infelizmente não temos muitas condições de controlar essas circunstâncias externas, pelo que deveríamos tentar nos adaptar e ter esperança num por vir melhor.
Mas o interessante é que a autora indica condutas, sobre as quais temos pleno controle, e que causam não apenas o estresse, mas a infelicidade na carreira profissional: ambição desmedida; a armadilha do dever; e o trabalho em excesso. Tudo isso, no começo pode revelar-se muito proveitoso, mas no longo prazo pode sabotar, ou autossabotar uma promissora carreira.
A “ambição”, explica ela, no começo é fundamental como combustível para que a pessoa “pague o preço” para chegar onde pretende. Sem ambição, sonhos, desejos, tudo fica no marasmo e na mediocridade profissional. Porém, essa mesma ambição pode levar ao isolamento dos colegas e colaboradores, pois esses podem ter desde a simples inveja ou até mesmo o desinteresse em estar próximo de alguém que sempre quer estar em primeiro lugar e ter os outros como meros degraus para seu sucesso.
A “armadilha do dever” é quando o profissional afeta seu estilo, personalidade, vida pessoal e tudo aquilo que o torna quem ele é para “rezar a cartilha” do certo e do errado. Aceita trabalhar numa empresa onde deve usar um tipo de roupa, falar de um determinado modo, ter uma determinada orientação sexual, gostar de determinados hobbies etc., que afrontam sua essência. Essa “oportunidade” pode até parecer vantajosa no começo, mas no médio e no longo prazo cobrará a fatura com a infelicidade de viver algo e de um modo que não se é. Evidente ser impossível uma vida onde se faz tudo e apenas o que se quer, porém é importante uma auto avaliação para saber até que ponto aquelas concessões estão ou poderão afetar sua felicidade.
Outra armadilha apontada pela autora é o “excesso de horas extras”. Aparentemente trabalhar mais horas por dia, além de demonstrar maior dedicação, ainda seduz com a promessa de que a pessoa terá um dia mais tranquilo, porque “todos os e-mails foram lidos”, “todos os prazos foram adiantados”, ou seja, as tarefas estão “em ordem”. Porém pode ser apenas uma ilusão, primeiro porque o trabalho, isto é, os problemas a serem resolvidos nunca acabarão. Se a pessoa é competente, quanto mais trabalho bem concluídos, mais novos desafios surgirão. Entretanto, existe um limite para o corpo. Imperceptivelmente os pensamentos ficarão mais lentos, a disposição física diminui e, quando se percebe, a médio e longo prazo, a produtividade ficará prejudicada.
Enfim, são três modos de pensar, reagir e agir que podem destilar seu veneno de maneira lenta, mas eficiente, e quando se percebe a infelicidade se instalou. E se até os executivos e os altos empregados de grandes corporações podem sofrer com isso, que se dirá de nós, “pobres” advogados, geralmente sem qualquer preparo no que diz respeito a carreira e a escolhas profissionais; muitas vezes sem qualquer acompanhamento de um profissional, e que passamos a vida apenas “tocando” os processos e esperando o próximo final de semana, feriado ou recesso para tentar fazer algo para aliviar a tensão, entretanto, voltando ao trabalho, tudo transcorre no automático, sem nos retirarmos para momentos de reflexão pessoal e profissional.
É imprescindível aos profissionais do direito que, de tempos em tempos, façam retiros (não necessariamente físico), isolando-se em seus pensamentos e reflexões para avaliar onde o seu estilo de vida e suas escolhas o estão levando. “É nesse lugar que realmente quero chegar?”; “Quero realmente ser advogado?”; “Estou buscando desenvolver as habilidades que a profissão exige?”; “Qual o tamanho da minha ambição?”; “As habilidades exigidas pela profissão são naturais para mim ou exigem um sacrifício desproporcional da minha essência?”.
São muitas as reflexões que precisam periodicamente ser feitas. Precisamos estar alertas acerca do perigo de viver no “automático”. Quando se percebe já é sexta, já chegou o fim do mês, do ano, já se passaram cinco, dez anos de “formado” e aqueles sonhos que ainda estão lá nem sequer começaram a se tornar realidade e, sinceramente, da maneira como a vida está, nem se tem perspectiva se um dia se concretizarão.
Falo da advocacia por ser onde vejo constantemente que esse “apenas viver o cotidiano” leva a uma existência de sonhos esquecidos ou, pelo menos, diminuídos para ajustar a realidade (ou a mediocridade de ser só mais um), com o objetivo de minimizar a frustração da não realização, quase sempre por culpa da própria pessoa, mas creio ser uma realidade em muitas outras profissões, pois se trata de um reflexo do estilo de vida que nos é imposto principalmente pelo consumismo e que aceitamos e troca dos pequenos momentos de prazer desfrutados no ato de comprar, onde não temos tempo para nos retirar para pensar (ainda que dentro de nosso próprio quarto), para avaliar como está nossa vida, mas que depois leva muitos a amargar em consultórios, que exigirão um tempo que, se no começo tivesse sido utilizado para pensar, provavelmente agora seria desfrutado com o protagonismo de uma vida diferente.
Por Henrique Lima (www.henriquelima.com.br)