O vendedor, sua magestade
Por Valdeci Gaspar Gomes | 22/02/2012 | SociedadeFosse possível voltar no tempo e se nos encontrássemos no século 17, certamente viveríamos experiências fantásticas e recompensadoras, particularmente ao entrar num boticárium, emporium, pharmacia, ou qualquer outro estabelecimento comercial da época. Vilarejos habitados por pessoas simples, simplicidade rica de educação e repleta de gentilezas, povoados que se erguem pelo trabalho voluntário e desprendido do prazer pelo dinheiro e poder. Poder somente privilégio dos nobres, da realeza, aos simples, apenas o presente do trabalho duro e honesto. Vilarejos com ruas sem asfalto, e vendas sem ar condicionado nem portas automáticas, queimando somente o calor humano e automático somente os risos e sorrisos ruas a fora.
Crianças vestidas apenas de bermudas ou saias pinçadas pedindo aos pais que comprassem uma raspadinha, não essa que hoje se encontra nas lotéricas posto que lotéricas nem existissem.
Certamente já na entrada encontraríamos um suporte para chapéus e bengalas onde ali deixaríamos os nossos se usássemos. Sem contar que em outros também encontraríamos lugar para o nosso sobretudo. Um bom dia em alto e bom tom ouviríamos ou no mínimo um acenar de cabeça um toque na aba do chapéu seriam trocados entre freguês e atendente. E ao passo que o freguês era abordado responderia cortesmente acerca daquilo que estivesse procurando. Muitas das vezes após o fechamento da compra o pagamento ocorria dias depois, mas não no cartão de crédito já que naquela época usava-se apenas uma caderneta. – O crédito tinha relação estreita com o caráter, enquanto hoje é cedido ou concedido por um sistema gélido e informatizado às vezes sem valia.
Mas estamos no século XXI, onde já nada se escreve em latim ou com ph, as Vendas como eram assim conhecido os estabelecimentos comerciais já não existem e não somente por isso, mas o fato é que com os supostos direitos adquiridos, veio juntamente o desrespeito a falta de consideração a despeito de uma sociedade avançada globalizada e moderna. Pois na busca por direitos iguais, nossa época vive a extinção dos valores, somos escravos da falta de comunicação mesmo no âmbito familiar posto que ao estar à família diante de um televisor estão acompanhados, mas sozinhos, o que é muito triste e ao mesmo tempo estranho.
Atualmente respiramos o equivoco de pensarmos que somos melhores do que as sociedades que nos antecederam, e ai me perguntam onde está a cortesia, e a nobreza no trato com nossos semelhantes.
Ninguém mais se surpreende ao ser mal tratado em seu próprio ambiente de trabalho, com o advento dos direitos de defesa do consumidor, proprietários e funcionários de estabelecimentos do comercio varejista vivem dias de descaso e conflito, pois no momento que essa sociedade atual prega que é preciso estender tapete vermelho ao cliente, este usurpando o falso direito de realeza entra nos estabelecimentos com soberba como se não devessem ao menos retornar o cumprimento que recebem.
Curioso como o tempo e épocas mudam o ser humano, aliás, mudam tanto que deixam de serem humanos. Incrível como somos vulneráveis a mudanças e então a estória vira história e chamamos de evolução das eras, nos tornamos escravos das inverdades que de tanto repetirmos tornam-se verdades aceitáveis e respeitáveis. O freguês pela metamorfose dos direitos adquiridos verte soberba e arrogância num estabelecimento que dele nem é, por ter sido consagrado à falsa realeza de “cliente”. O que vemos de um lado é um código de ética e defesa do consumidor “cliente” protegido por uma redoma inquebrável e de outro o vendedor relegado pelo sistema a um mero papel de atendente desqualificado, ou melhor, qualificado como sem valor.
Muito se fala de como devemos atender o cliente desde o momento em que esse ilustre cavalheiro - que de ilustre nem de cavalheiro nada tem- adentra no estabeleci-mento comercial, com sorriso é claro, com empatia evidentemente, e consultor enfim. Enquanto pouco de fala ou se escreve ditando normas de comportamento aos soberbos-clientes. Claro e evidente que é preciso atenção respeito e consideração pelos nossos semelhantes não importando qual seja a situação nem de que lado estão, contanto que haja reciprocidade. Digo reciprocidade porque qualquer relacionamento ambíguo deveria por intermédio desta reciprocidade levar à ganha-ganha por nós esperados. A regra áurea e sábia que sobrevive há mais de mil anos, dita que devemos amar ao próximo como a nós mesmos, e tem sido assim ao menos para alguns que sobreviveram à extinção desta casta tida como antiquada. Estes quase que extintos são como a flor do dente-de-leão que ao ser soprado pelo forte vento não resiste e se perde no campo.
São fortunas de investimento em matérias e livros de treinamento para educar re-educar os vendedores no varejo, e o infortúnio de não se alcançar a façanha de alinhamento no atendimento. Os menos afortunados não tem acesso e quando tem não aproveitam porque não praticam o aprendido. Sabe-se que todas as manhãs em algum lugar do Brasil, há um palestrante tentando motivar os que não querem motivação para atingir objetivos que nem são seus, daí o fracasso. Lembro-me que outro dia um casal aproximou-se da minha mesa e após me cumprimentar perguntou se estávamos precisando de um vendedor, afirmei que sim, e perguntei de quem se tratava ao que me disseram: Para meu filho... – Não hesitei em perguntar: Vocês já perguntaram se o vosso filho que trabalhar? Ficaram estupefatos. Não é diferente quando muitos se aproximam para perguntar se temos vagas, e que serve até de vendedor, como se esta função fosse menos importante ou que qualquer um sem nenhum preparo poderia executá-la com sucesso.
Século vinte hum pede profissionais capazes, eficazes, preparados, pois no mínimo isso é o esperado pelo freguês. O que se vê é verdade, vendedores que não vendem, e clientes que são turistas nas lojas por esse Brasil, com a falsa intenção de darem uma olhadinha – Ah! Olhadinha! Olhadinha que imprimem a muitos profissionais incautos a penúria de dias sem vendas, e a outros de maior escrutínio, mais persistentes, que fazem leitura corporal precisa e contundente o fechamento da venda.