O velório de uma felicidade esmorecendo

Por Yéo N'gana | 27/10/2016 | Psicologia

Ter um teto para proteger-se contra a natureza que nem sempre controlamos, e dormir tranquilamente soltando de quando em vez alguns roncos, é tudo o que procuramos. Quanto à alimentação, o Senhor a providenciará. Pode parecer bobo e muito ingênuo dizer isso, mas a comida não deveria ser um problema se morássemos num mundo onde compaixão e compartilhamento tivessem um lar em alguma casa ou algum coração, e fizessem algum sentido, talvez sim. Infelizmente não é o caso. Desde a época medieval até agora, todos os esforços feitos, as pesquisas desenvolvidas – além da agenda comercial, claro – dizem procurar o bem-estar do Ser Humano.

O século das luzes realmente brilhou com as invenções extraordinárias. E o final do século XX com a chegada da internet tem, mais do que nunca, assentado a ideia de globalização; ou melhor dizer, a ilusão do que doravante temos todos os mesmos direitos, as mesmas liberdades...que voar nós trará a felicidade. Mas entre nós, quantas pessoas conseguem até ter duas refeições por dia? Trocar as sandálias no ano? Sem falar das roupas. O que é mesmo ser feliz hoje? A globalização é uma utopia que nos veio roubar as nossas utopias. Antes vivia feliz quem tinha uns 50 reais e um jardim no pátio (digo isso apenas para exagerar um pouco). Não precisava recarregar seu celular, pois não tinha. Pagar para a internet que passou a ser uma obrigação. Até enluarar a casa não exigia dele que se dividisse em dois. Passou esse tempo, e foram com ele os sonhos. Só sobraram cascas cheias de obrigações e de deveres. Vivemos hoje apenas para reembolsar os créditos que contratamos. Vivemos de empréstimos.

A compra da ideia de globalização por uns e sua imposição a outros, nos vêm gerando necessidades que não tínhamos, que não temos na verdade. Em vez que facilitar o viver juntos, fortalecer os laços, ao contrário, delineou com clareza as classes sociais. Nos dividiu em esquerda e direta, e aceitamos. Deixa a classe de trabalhadores cada vez mais miserável, e acatamos. Pois, a corrente é tão forte que não temos mais controle sobre ela. Aliás nunca a vimos chegar. Todos queremos um celular de última geração, queremos é ter um carro elétrico, queremos trocar as roupas cada semana, queremos almoçar e jantar em restaurantes “chiques”. Sentimos a necessidade de ir numa academia não por motivo de doença – o que acontece raramente – mas para poder simplesmente bater uma “selfie” e mostrar que nós também existimos, como se a nossa existência se limitasse a isso, dependesse disso.

Claro queremos parecer estar na moda. Que pena ver uma pessoa só se definir e definir os outros pela aparência. Que triste. Quem tiver o choro fácil, poderia chorar meses a fio. Mas não adianta. Vemos pessoas que seguem a carruagem, o trem dos demais. Seguem a tendência e depois dormem na emergência. Consomem mais do que têm até o vazio do bolso. E chegados em casa, não conseguem dormir com os juros, com as faturas gritando e as crianças chorando. Vale a pena sacrificar nossa liberdade contra a aparência? Para quem afinal vivemos? Para nós ou para os outros? Por quê comprar uma luta que não é sua? Já que julgamos e somos julgados pela marca da roupa, passamos inconscientemente a sermos publicitários daquelas marcas. O que de fato nos obriga a jogarmos fora a nossa liberdade, o nosso tempo de lazer. Temos que dobrar o tempo de trabalho para ganhar ainda mais para manter o ritmo de consumo.

Como conseguem essas pessoas (sobre)viverem nessas cascas falsas, escorregadias e tão nojentas? Felicidade é poder se confidenciar com alguém, poder acreditar, poder (com)partilhar com alguém. Infelizmente esses sorrisos, minha gente, são todos falsos. Cheios de hipocrisia e calúnia até na academia onde deve se cultivar a dialética, a troca de ideias. Criamos fantasmas nas nossas mentes sobre os outros. E acabamos temendo mais as cascas do que os conteúdos. Evitamos os outros para não sermos contaminados pela falta de classe ou pela miséria deles.

Assim andamos deprimidos por nunca acharmos o sujeito ideal que se encaixe no nosso mundo com quem poderiamos esvaziar as nossas penas, as inquietações que guardamos na nossa alma durante anos. Conseqüências disso, cada vez mais tristeza e suicídios, e uma ignorância cada dia mais manifesta. Agora eu te pergunto: o que é ser feliz para ti?