O TREVO DE TRÊS FOLHAS – O CAMINHO DO TREVO

Por Nadia Maria Januario | 07/09/2020 | Adm

O TREVO DE TRÊS FOLHAS – O CAMINHO DO TREVO 

Qualquer tipo de estratégia de transformação organizacional tem mais chances de sucesso se há uma conjunção de fatores que venha favorecer a integração e o desenvolvimento de uma cultura organizacional. Um desses itens, que tem papel fundamental durante as etapas de mudança, é o gerenciamento das comunicações internas. Em uma empresa organizada hierarquicamente, o chefe dá as ordens e aos empregados cabe entender o seu significado e executá-las. Já em uma organização descentralizada, o líder deve passar mais tempo ocupando-se com a comunicação do que com qualquer outra coisa, pois entende que o principal objetivo desse processo é manter vivos os objetivos da empresa e fazer com que todos trabalhem na mesma direção.  Como a comunicação tem como alvo inúmeras pessoas que tomam decisões de modo descentralizado, ao líder cabe mais do que formular uma mensagem: ele precisa certificar-se de que cada membro da equipe entendeu e absorveu corretamente o que foi transmitido. Nessa abordagem, o modo como à organização conduz sua política e seu processo de gestão de pessoas é, em última análise, o principal elemento que pode contribuir para o sucesso da implantação de sua estratégia de mudança. A clareza e a plenitude com que ocorre o diálogo com a própria organização, a transparência com que se estabelecem as regras do jogo interno e externo, a sinceridade com que são colocados os próprios objetivos da mudança e aquilo que se espera das pessoas são outros aspectos sempre bastante valorizados por aqueles que sentem sobre si mesmos a responsabilidade de fazer com que os resultados da mudança aconteçam. Assim como tende ser igualmente importante o nível de coerência que as pessoas percebem entre as políticas e as práticas de RH e o discurso estratégico que a empresa procura promover. Não há sentido em se falar em um trabalho conjunto de integração de esforços, quando se sente que falta valorização daqueles que compõem o principal elemento dessa integração: as pessoas. Para que se sintam integradas, elas precisam encontrar dentro dos objetivos da mudança a valorização de suas competências, o crescimento de suas oportunidades pessoais e profissionais, o apoio da empresa em seu desenvolvimento e o feedback necessário para que elas possam gerenciar o seu próprio desempenho.

Compreenda-se aqui, também, um tratamento homogêneo em termos de atenção, valorização e respeito dedicado pela empresa aos seus colaboradores, independentemente de seu tempo ou tipo de contrato, idade, formação, área, função ou qualquer outro aspecto que possa representar um sentimento discriminatório. Os novos modelos de terceirização vêm não apenas abolindo a hierarquia funcional como também propiciando a convivência cada vez mais próxima de profissionais com diferentes vínculos empregatícios. Os lideres de processo passam a conviver com colaboradores de diferentes empresas, e não mais dispõem de autoridade, autonomia nem de ferramentas homogêneas de gestão. Eles têm de fazer o time funcionar, têm de conviver com diferentes sindicatos e datas-bases sem conhecer os mecanismos de negociação entre as partes; têm de obter o comprometimento do grupo com seu resultado sem poder interferir nas políticas das empresas empregadoras; e têm de remunerar de forma diferenciada, entre outras variáveis. A transição de um sistema hierárquico para esses novos modelos requer uma nova abordagem do papel do gerente e do pessoal de RH, assim como uma maior compreensão de seus novos enfrentamentos e desafios. È necessário que os líderes de processo das empresas contratantes sintam-se corresponsáveis pela gestão de terceiros, já que o desempenho daqueles afeta seus próprios resultados. A remoção de fronteiras, que permitiria o estabelecimento de normas comuns e a definição de responsabilidades mútuas e compartilhadas, ainda é um desafio que requer novos modelos de liderança e o estabelecimento de ferramentas adequadas na gestão de pessoas. O papel do profissional de RH é fundamental no apoio a esses novos líderes para a construção das habilidades críticas necessárias a essa nova realidade. Habilidades que exigem o reconhecimento da necessidade de novo modelo mental, uma vez que o modelo que sustentou os gerentes bem sucedidos não mais dá conta de um cenário em que normas e diretrizes devem ser redesenhadas, que a responsabilidade pelas pessoas transcende os vínculos hierárquicos e que não haverá alguém da hierarquia superior a determinar a melhor forma de fazer as coisas acontecerem. A segunda folha representa os demais funcionários da empresa, incluindo aqui os temporários e de expediente parcial que não são portadores do mesmo nível de conhecimento e que não recebem o mesmo padrão de remuneração e benefícios do grupo anterior.

È importante ressaltar, porém, que não se pode negligenciar a atenção, a preparação e a valorização desse contingente de pessoal já que sem seu comprometimento a empresa não conseguirá operar com a produtividade desejada. A literatura organizacional já apresenta para essa arquitetura organizacional a simbologia da administração em trevo, na qual os líderes devem gerenciar três grupos distintos de pessoas. A primeira folha desse trevo representa o núcleo de profissionais, técnicos, trabalhadores do conhecimento e gerentes essenciais, portadores do conhecimento que distingue a organização das outras. Essas pessoas devem obter salários compatíveis, os benefícios adicionais e os incentivos que a empresa puder oferecer a fim de mantê-las em seu quadro. Em contrapartida espera-se carga horária de trabalho ditada pela necessidade e não pelo contrato coletivo, busca de realização por meio do trabalho, carreira e reconhecimento público. A terceira folha representa os consultores e demais fornecedores de serviços contratados para trabalhar em projetos específicos ou para realizar um trabalho que a empresa não queira ou não possa executar internamente. De modo geral, são prestadores de serviços pagos pelos resultados. Em ambientes dinâmicos e de forte competição, as empresas se veem obrigadas a estar, constantemente, em busca de inovações tecnológicas que possibilitam a obtenção de vantagens competitivas que, em função da velocidade das mudanças, tornam-se cada vez mais temporárias. Nessa busca, algumas organizações optam por comprar no mercado as tecnologias mais convencionais, já que se pode confiar que a concorrência entre vários fornecedores qualificados irá oferecer o que elas necessitam a preço e quantidade competitivos. Quando se trata de tecnologias mais avançadas, porém, a empresa normalmente opta por seu desenvolvimento interno ou, ainda, pela formação de alianças estratégicas. No centro da questão entre fazer ou comprar, está escolha das competências e capacidades a serem mantidas e desenvolvidas dentro da empresa e daquelas que podem ou devem ser terceirizadas. Cada vez que uma empresa toma uma decisão referente á terceirização de alguma parte de seu produto ou serviço, ela está lidando com o potencial dessa capacidade tornar-se uma competência valiosa que não estará totalmente sob seu controle.

A administração vista como um trevo de quatro folhas, chamando o trevo da sorte, considera a importância dos especialistas de terceiros na gestão do conhecimento da organização. Nessa nova configuração, a folha do trevo dedicada aos prestadores de serviço, apresentada na figura anterior é dividida em duas. Uma delas representa os prestadores de serviços especializados, detentores de conhecimento e que podem vir a ser tão importantes para a geração de conhecimento para a organização quanto seus próprios funcionários e que, por isso mesmo, devem ser merecedores de atenção especial. A outra folha vem representar os demais prestadores de serviço que, á semelhança dos funcionários internos menos especializados, não podem nem devem ser menosprezados. Esses novos modelos de organizações sem fronteiras tem provocado uma maior quantidade de conexões entre as empresas ao longo da cadeia produtiva que implicam em outros tipos de relacionamento entre pessoas, grupos de pessoas e entre clientes e fornecedores. Nesses modelos, cabe questionar quais os talentos são internos e quais são externos a uma organização. Em uma arquitetura organizacional na qual profissionais de clientes e de fornecedores de serviço atuam em conjunto e de forma flexível na direção de objetivos comuns, novas responsabilidades devem recair sobre os profissionais de RH que passarão a ter sob seu campo de atuação não apenas os antigos funcionários de “carteira assinada”, mas também diversos outros profissionais ligados por diferentes vínculos contratuais. Criar e manter um clima de confiança e comprometido entre esses diversos atores, respeitando suas diferenças e alavancando suas potencialidades no apoio aos lideres e gestores das empresas, talvez venha a ser um dos grandes desafios do profissional de RH nesse universo organizacional cada vez mais complexo.

 

Nádia Januário

Bacharel Administração com Habilitação em Marketing

Especialista em gestão de pessoas

Autora do livro: Tendências Globais em Gestão Treinamento e Desenvolvimento – ano 2020

 

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