O TRATAMENTO DIFERENCIADO CONFERIDO AO PORTE DE DROGAS PARA O USO PESSOAL: DESCRIMINAZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO?
Por Jéssica Silva Prata | 10/02/2015 | DireitoO TRATAMENTO DIFERENCIADO CONFERIDO AO PORTE DE DROGAS PARA O USO PESSOAL: DESCRIMINAZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO?
Jéssica Silva Prata
Sumário: Introdução; 1. Breves comentários acerca da origem e natureza das drogas;.2. As inovações trazidas pelo surgimento da nova lei antidrogas; 3. O conceito de Infração Penal; 4. A Natureza Jurídica do artigo 28 da lei 11.343/2006 e suas divergências; 4.1 Da descriminalização do art.28 da lei 11.343/2006; 4.2 Da despenalização do art.28 da lei 11.343/2006; 5. As sanções aplicadas à conduta inserta no artigo 28 da lei 11.343/2006 e a impossibilidade da aplicação da pena privativa de liberdade ao porte de drogas; 6. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal; Conclusão; Referências.
RESUMO
A nova lei nº 11.343/2006, ao contrário das disposições anteriores, decidiu por não mais punir o usuário inserido na previsão do art.28 com penas privativas de liberdade, o que fez circundar entorno desta questão grande polêmica. Ao revés da sanção privativa de liberdade típica do Direito Penal, a qual era utilizada pelas disposições anteriores quanto a mesma conduta em comento, tal legislação pautou-se em aplicar outras penas, tais como: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços a comunidade ou outras medidas educativas. Como é previsível, por ocasião de sempre haver posicionamentos contrastantes no Direito Penal – não só neste ramo, mas como mais frequência, foi dada largada a enxurrada de divergência sobre a natureza jurídica da conduta contida no art. 28. A dizer: é infração penal; não é; houve despenalização; na verdade houve descriminalização; necessita-se interpretar analogicamente às disposições anteriores. Estas são algumas das questões levantadas acerca dessa temática.
PALAVRAS-CHAVE
Lei nº 11.343; Nova lei de Drogas; Natureza Jurídica; despenalização; descriminalização.
INTRODUÇÃO:
Nova Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006), promulgada em 23 de agosto de 2006, trouxe algumas inovações em relação às antigas, entre elas a mais relevante pode se dizer ocorreu ao tratar do usuário de drogas a qual decidiu por não mais punir o usuário com penas privativas de liberdade. Isto provocou uma enorme discussão no que diz respeito à natureza jurídica da conduta que trata daquele que adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, drogas para consumo, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Toda esta discussão é decorrente do fato de não haver a punição costumeira do Direito Penal, ou seja, pena privativa de liberdade: reclusão ou detenção. Ocorre que aquele que praticavam a conduta inserta no artigo 28 da Lei 11.343/2006, sob a perspectiva das Leis antecedentes que tratavam do assunto, era apenado com a pena privativa de liberdade. Assim, à conduta daquele que usava drogas para consumo exclusivamente pessoal, tinha a natureza jurídica de Ilícito Penal.
Desta feita, nada mais resta senão a intensa discussão sobre a Natureza Jurídica da conduta inserta no artigo 28 desta nova Lei, tomando por base a não aplicação da pena privativa de liberdade àquele que porta droga para consumo. Neste sentido, sobram os mais diversos entendimentos para os mais diferentes rumos sobre o assunto que reside no ponto principal a ser discutido nesta pesquisa.
A dizer: para muitos doutrinadores nada mudou com o advento da nova lei, o que implica, sob seus pareceres, que continua cometendo crime aquele que possui (porta) droga para consumo; já para outros doutrinadores, ocorreu uma despenalização; e alguns mais, por sua vez, acreditam ter ocorrido a descriminalização, tendo em vista a natureza jurídica da infração penal, tornando-se a conduta uma infração “sui generis”.
Cumpre nesta pesquisa de inicio, tecer breves comentários acerca da origem e natureza das drogas, para melhor compreensão do objeto material da conduta analisada, a seguir para dirigir a temática em questão serão comentadas as inovações trazidas pelo surgimento da nova lei antidroga. Na sequencia será tratado o ponto chave desse debate, qual seja, a natureza jurídica do artigo 28 da lei 11.343/2006 e suas divergências quanto a eventual descriminalização ou despenalização; por fim, as sanções aplicadas a esta conduta e o posicionamento dos tribunais superiores.
- 1. BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA ORIGEM E NATUREZA DAS DROGAS:
A palavra drogas vem do holandês drug significando folha seca, o que se justifica no fato de que antigamente grande parte dos medicamentos era à base de vegetais. Conceito mais contemporâneo afirma ser a droga qualquer substância, natural ou química, que uma vez introduzida no organismo de determinado ser vivo, é capaz de modificar suas funções, ocasionando mudanças fisiológicas ou de comportamento. Esse conceito carrega uma amplitude tamanha, capaz de gerar dificuldade de encontrar um conceito que de fato seja usado para substancia que realmente devam ser controladas. Deste modo, opta o legislador por utilizar termos como: “material venenoso”, “substâncias venenosas” e “entorpecentes” de maneira genérica.
A Lei 11.343/2006, atual legislação sobre o assunto, optou pela utilização do termo drogas, e nela descreve em seu preâmbulo:
Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º, Parágrafo único: Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
O artigo supracitado constitui uma norma penal em branco, assim, para tomar conhecimento de quais são as “drogas”, é necessário, portanto recorrer a analise de um preceito normativo, qual seja, portaria SVS/MS 344/98.
A utilização do termo drogas passou a ser de uso corrente no meio cientifico. Constitui a nomenclatura o oficial da Organização Mundial de Saúde – OMS, que há muito abandonou o uso dos termos ou das expressões “narcóticos”, “substâncias entorpecentes” e “tóxicos”. A verdade é que como a Lei 6.368/76 utilizava a expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, gerava na doutrina e jurisprudência discussão sobre a possibilidade de uma dada substancia ainda que não oficialmente relacionada com entorpecentes, pudesse ou não ocasionar dependência e em conseqüência ser considerada objeto material do crime de tráfico.
Atualmente o entendimento majoritário se coaduna com o principio da legalidade no sentido de defender a solução legal de que a droga esteja taxativamente descrita na Portaria Ministerial para o fim de se estabelecer o juízo positivo de tipicidade da conduta. É pacifico, no entanto, que a utilização de um rol não exaustivo para especificar as substancias proibidas, o que resta claro no fato de que se continuou a remeter a caracterização das substâncias proibidas ao Poder Executivo, mais especificamente o Ministério da Saúde este órgão deve publicar, periodicamente listas atualizadas das drogas defesas em lei, ou seja, aquelas aptas a causar dependência física ou psíquica. É o que determina o artigo 66 da Lei 11343/2006. (GRECO, p.123, 2008).
2. AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO SURGIMENTO DA NOVA LEI ANTIDROGAS:
A Lei de n. 11.343, promulgada em 23 de agosto de 2006 mais conhecida como “Lei anti-drogas”, trouxe inúmeras inovações sobre a questão das drogas, dentre elas, como já fora mencionado a cima o uso da palavra “drogas” que substituiu a utilização do termo “tóxico” como era anteriormente usada pela lei revogada, bem como colocou a conduta de quem cultiva plantas para o preparo de pequena quantidade de droga como usuário, e não mais, descrevendo a esta mesma conduta como tráfico de entorpecentes, entre outras.
Entre diversas mudanças trazidas pela Lei n. 11.343/2006, o art. 28 concentrou a maior parte delas, dentre as mesmas encontra-se o fato de o legislador penal afastar o crime de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal da esfera do crime de trafico, inserindo-o para tanto, no titulo, às atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, trazendo, por conseguinte, o abrandamento da pena.
Para Vicente Greco Filho considera-se um ponto positivo o fato do legislador penal não descriminalizar referida conduta, tendo em vista, que ocasionaria um enfraquecimento a repressão ao porte de drogas. Para ele, “A descriminalização romperia a amplitude da reação social porque teria sido rompida a cadeia criminosa, do grande traficante ao passador”. (2008, p. 45).
Também foi palco de alteração a expressão “para uso próprio”, que foi substituída por “para uso pessoal”. Num primeiro momento, para um leitor menos atento parece irrelevante essa substituição, quando na verdade ampliou a possibilidade do enquadramento em crime mais benéfico de determinadas condutas que antes não eram permitidas. A expressão “para uso próprio” permitia, apenas, o enquadramento no art. 28 da nova lei quando o agente mantinha a droga para uso exclusivamente próprio, caso este a dividisse com um terceiro, estaria ele inserido no art. 12 da antiga lei, que correspondia ao crime de tráfico.
Neste sentido, o sujeito não pode possuir a droga com a intenção de distribuí-la para outrem, mas o fato de consumi-la juntamente com outra pessoa de seu circulo restritíssimo de relacionamento, como por exemplo, um irmão ou namorada, não descaracteriza o crime descrito no art. 28 da nova Lei de Drogas. Portanto, foi feliz o legislador ao alterar a expressão utilizada na Lei anterior, posto que a nova expressão além de ser mais ampla e benéfica ao réu é também mais justa, pois não há sentido em condenar o sujeito que adquire a substância para uso doméstico de mais de uma pessoa, pelo crime de tráfico (GRECO, p.53, 2008).
Outra mudança interessante sobre a qual se circunda a grande polêmica desta pesquisa diz respeito ao porte pessoal de drogas. A nova lei, ao contrário das disposições anteriores decidiu por não mais punir o porte pessoal com penas privativas de liberdade, o que fez gerar em torno desta questão grande debate. Com a redação deste novo artigo surgem vários entendimentos quanto ao porte pessoal de drogas, em ser ou não uma conduta criminalizada.
Há entendimento de que o art. 28 desta Lei não pode ser considerado uma infração penal, pois, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, somente o é crimes e contravenções penais. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Contravenção, por sua vez, consiste na infração que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, até mesmo ambas, alternativa ou cumulativamente.
3. O CONCEITO DE INFRAÇÃO PENAL:
Estabelecendo como parâmetro a teoria finalista da ação, é consolidado o entendimento de que infração penal é a subsunção de um comportamento humano, que ofende a um determinado bem jurídico tutelado, a uma previsão proibida – tipificada, sob a ameaça de uma sanção. Neste sentido, reza o artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal:
Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente”.
Deste modo, percebe que o legislador penal tanto quando se refere a crime, como a contravenção penal, refere-se de maneira genérica à infração penal. Há dois sistemas definidores desse conceito, o bipartido, indicando haver, apenas crimes, sinônimo de delito, e contravenções e o tripartido, indicando haver crimes, delitos e contravenções. No Brasil adotou-se o critério dicotômico ou bipartido.
4. A NATUREZA JURÍDICA DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006 E SUAS DIVERGÊNCIAS
4.1 DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ART.28 DA LEI 11.343/2006:
Com a nova redação, a natureza jurídica da conduta inserida no art. 28 da Lei de Drogas surge a ideia que houve a descriminalização do porte de drogas, tendo em vista que não pode ser considerado uma infração penal, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, já que a penalização aplicada não diz respeito a privação da liberdade.
Em contrapartida, não implica dizer que houve a legalização do porte da droga, isso por que a conduta ainda constitui um ilícito e como tal é penalizada, muito embora não haja previsão de pena privativa de liberdade, fazem-se presentes as penas alternativas (advertência, prestação de serviços a comunidade, medida educativa).
Na concepção de Luiz Flávio Gomes, não mais se poderia falar em crime para o porte de droga, uma vez que seria infração penal as condutas tipificadas das quais decorrem penas privativas de liberdade, o que não mais ocorre no novo texto da Lei Antidrogas. Nestes moldes, dar-se asas ao surgimento de um novo tipo de infração, no caso, uma infração “sui generis”, diferenciada no sentido que constitui um fato ilícito, porém, não penal (GOMES, p.116, 2007). Em outras palavras, houve, sob essa perspectiva, uma descriminalização formal, extirpando o caráter criminoso do fato, pois não se pune mais o fato com a pena de reclusão ou detenção (art. 1º LICP), decorrência, lógica, da despersonalização.
Entretanto, o § 6º deste dispositivo em referência, prevê aplicação de multa como garantia do cumprimento das medidas educativas. Assim, poder-se-ia pensar que o art. 28 é uma contravenção penal, já que a multa é cominada isoladamente, hipótese caracterizadora do crime-anão. Veja-se, contudo, que embora o previsto no artigo 1º da LICP, a Lei 9.434/97 apresenta um "crime" com a pena de multa cominada isoladamente (art. 20), quebrando o regramento da LICP, salvo se entenda que aquela figura típica é uma contravenção penal.
4.2 DA DESPENALIZAÇÃO DO ART.28 DA LEI 11.343/2006:
Há quem defenda, por outro lado, que a ausência de cominação privativa de liberdade não afasta, hodiernamente, a possibilidade de a conduta estar listada como crime ou contravenção. Logo, tendo em vista que a Lei de Introdução do Código Penal, muito embora seja claramente expressa no que pretende informar, é de 1940, época em que nem sequer existiam as denominadas penas alternativas na parte geral do Código Penal, sendo advindas tão somente com a reforma penal de 1984. Destarte, é notória a conclusão de que o Direito Penal da época em que foi elaborada a LICP era outro, com objetivos e intenções diversos de hoje e para tanto o argumento baseado em seu art. 1º não resta suficiente a caracterizar a descriminalização do uso pessoal de drogas. (MARCÃO, p. 34, 2008).
Neste contexto, permeia ideia de que não houve descriminalização do uso pessoal de drogas e sim, apenas, uma despenalização aplicada ao usuário de drogas, já que a característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal, tendo em vista que as penas cominadas a esse tipo de conduta se coadunam com as chamadas penas alternativas. Posicionamento ao qual se filia a primeira turma do Supremo Tribunal Federal.
Oportuno salientar, que o art.5º inc. XLVI da Constituição Federal versa sobre o princípio da individualização da pena apresenta as sanções a que se submeterão os infratores da lei penal: privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Acrescenta-se, ainda, que neste referido dispositivo da CF fora adotado a expressão “[...]adotará, entre outras, as seguintes” quedando esclarecedor que se trata de um rol meramente exemplificativo. Como se afirmou no tópico anterior, o art. 28 da Lei 11.343/06 apresenta, dentre as penas, a prestação de serviços à comunidade (inc. II). Dessa forma, a novel legislação de drogas adota uma das penas previstas na Constituição da República, mantendo o caráter de crime na posse de drogas para consumo próprio (e figura equiparada do § 1º).
Por derradeiro, o Código Penal apresenta um rol diferente da previsão oferecida pela LICP. De certo, no Título V – Das Penas, Cap. I trata sobre as espécies, e pela leitura do art. 32, verifica a divisão em três blocos, qual seja: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III – de multa. Em frente, tem-se a regulamentação das penas restritivas de direito previstas no art. 43, dentre as quais se verifica a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas (inc. IV), como igualmente se percebe como uma espécie das medidas educativas advindas da aferição do art. 28, da Lei de Drogas.
Nota-se, de pronto, uma consonância do dispositivo da lei extravagante com o código penal, restando claro que não houve para o porte de drogas para uso pessoal o abolitio criminis por ocasião de não ser mais tal conduta apenada pela privativa de liberdade, ao passo que há previsão de outras sanções alternativas, e, pelos motivos apresentados, não é coerente basear-se apenas no conceito imposto pelo art1º, para servir como ponto motriz configuração de infração penal.
A título de complementação, há quem acredite que a natureza jurídica da conduta em comento trata de infração administrativa. Pois bem, é rebatido este posicionamento com a principal alegação de que não se trata de uma infração administrativa porque as sanções cominadas devem ser aplicadas pelo juiz dos juizados criminais (GOMES, p.5, 2006).
5. AS SANÇÕES APLICADAS À CONDUTA INSERTA NO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006 E A IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE AO PORTE PESSOAL DE DROGAS:
Antes de adentrar ao mérito das penas comidas a pratica da conduta inserta no artigo 28 da lei de drogas, faz-se mister tecer considerações sobre a nomenclatura dada às sanções isso por que o legislador penal no caput e nos parágrafos 3º e 4º do artigo mencionou “penas” enquanto nos parágrafos 1º e 6º ele referiu-se em “medidas”. Nestes moldes, um questionamento se faz presente: seriam as sanções do artigo 28 penas ou medidas? Para Renato Marcão “Não se trata efetivamente de simples “medidas educativas” porquanto estabelecidas para aplicação em face do cometimento de ilícito penal, em desfavor de agente maior e imputável” (2008, p. 68).
As penas cominadas a essa conduta não são as tradicionais, tendo em vista que não tem o escopo principal de punição do agente. Sua principal finalidade reside na intenção de recuperar o usuário ou dependente de drogas e fortalecer em sua mente as conseqüências maléficas que o uso de drogas causa à saúde física além de outros prejuízos sociais, demonstrando assim que esse tipo de conduta não compensa.
O artigo 28 da nova lei de drogas comina as penas de: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, para aquele que pratica a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal.
No que toca a advertência será dado usuário ou dependente um aviso de cunho explicativo a respeito das mazelas trazidas com o uso da droga prejuízos à saúde e sociais que a droga causa tanto para o próprio usuário quanto para sua família e amigos. A prestação de serviços consiste numa imputação de tarefas gratuitas ao réu, adverte-se para tanto que as tarefas atribuídas devem ser compatíveis às aptidões do condenado, alem de que de qualquer modo não pode ofender a dignidade do condenado. A medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo deve ser fixada pelo juiz da condenação, que indicará ao condenado qual curso o deverá comparecer e com qual frequência.
É de bom tom observar que tais penas cominadas a esse tipo de conduta individualmente ou cumulativamente. Deve também, o juiz observar a orientação deixada pelo artigo 59 do Código Penal no momento de aplicar pena, considerando, dentre outras, a potencialidade da substância com qual o infrator foi surpreendido, o nível de envolvimento do sujeito com as drogas.
Como já resta compreendido a redação do crime de usuário de drogas não traz mais a pena de reclusão bem com a de detenção, neste particular optou o Legislador em apenar aquele que comete a conduta descrita no tipo penal, com sanções mais brandas, destacando a intenção de prevenção e não de punição ao usuário.
Segundo o que menciona o próprio texto legal Não existe nenhuma possibilidade de prisão ao usuário de drogas; mesmo que o indivíduo não cumpra a sanção que lhe foi imposta este não será recolhido à prisão. Esse posicionamento encontra pilar em uma analise em conjuntos dos artigos da nova lei. Compre observar que a Lei dispõe que no caso de não cumprimento das sanções previstas no “caput” do art. 28, serão, alternativamente, aplicadas as penas de admoestação verbal e multa. Não se fazendo determinar nenhuma pena privativa de liberdade para aquele que se recusar a cumprir a “sanção” que lhe foi aplicada.
6. O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
Em sede de recurso especial, promovido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, fora dissecado a problemática em análise. É bem provável que esta polêmica que circunda a natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/2006 ainda não chegou ao seu final. Pelo julgado deste recurso especial, tem-se:
“I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime.1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12).[...] 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. (RE-QO 430105 / RJ - RIO DE JANEIRO/QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO / Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE / Julgamento: 13/02/2007 / Órgão Julgador: Primeira Turma. DJ 27-04-2007 PP-00069 EMENT VOL-02273-04 PP-00729)
Esse entendimento do STF é bastante digladiado pela parte da doutrina que considera a incidência da descriminalização, e que é adepta a consideração de infração penal sui generis. Os argumentos que desafiam o entendimento de ser crime o porte para uso pessoal de drogas, consistem, primeiramente, no reducionismo ou insuficiência de uma interpretação literal, isolada do sistema; segundamente, o STJ entende que prescrição não é mais apanágio exclusivo dos crimes ou contravenções, sendo também aplicável aos atos inflacionais, bem como as infrações administrativas e os ilícitos civis podem estar sujeitos à prescrição, logo, não pode a prescrição ser critério exclusivo definidor de crime; Ainda nesse sentido, a lei não prevê medida privativa da liberdade para fazer com que o usuário cumpra as medidas impostas (não há conversão das penas alternativas em reclusão ou detenção ou mesmo em prisão simples); o fato de a CF de 88 prever, em seu art. 5º, inc. XLVI, penas outras que não a de reclusão e detenção, as quais podem ser substitutivas ou principais (esse é o caso do art. 28) não conflita, ao contrário, reforça nossa tese de que o art. 28 é uma infração penal sui generis exatamente porque conta com penas alternativas distintas das de reclusão, detenção ou prisão simples (GOMES, p.7, 2013).
CONCLUSÃO
A celeuma contornada pelo desenvolver da pesquisa diz respeito ao seguinte: No dispositivo contido no art. 28 da nova lei de drogas, o legislador intentou contemplar com esta previsão um crime, infração penal sui generis ou, mesmo, uma infração penal administrativa?
O que se pode concluir, ao passo que esta celeuma ainda não chegou ao fim, é que o legislador ao manifestar-se direcionando a tal conduta em comento uma reprovação menor, sobretudo, por lhe impor sanções mais brandas, cuja terminologia adotada pela lei concerne a “medidas educativas”, tinha por objetivo a prevenção, a fim de reduzir ou até evitar os danos provenientes. Sabe-se, sobretudo, que esta temática resvala-se de grande repercussão na vida social.
O que se pode observar é que diante de diversos posicionamentos acerca da polêmica que envolve a problemática em estudo, cada um deles têm embasamentos jurídicos e sociais não suficientes para se chegar a um entendimento absoluto, uniformizado.
Pautando-se, sobretudo, na ideia de que o assunto tratado é de grande repercussão na vida social, buscou a nova Lei de Drogas não tratar o usuário como criminoso ou “tóxico-deliquente”, mas sim de exatamente voltar-se (em relação ao usuário) para uma política de prevenção e de redução de danos (GOMES, p.4, 2013).
Resta a concepção de que tratar como crime a conduta conferida no art. 28 significa adjetivar o possuidor de drogas para consumo pessoal como "criminoso". Tudo que a nova lei, como foi amplamente visto, não pretende é precisamente isso, ao passo que quis o legislador desenvolver uma política de redução de danos, preventiva. Pensar o contrário retrataria um grave retrocesso punitivo, ideologicamente incompatível com o novo texto legal.
REFERÊNCIAS
GAZOLLA, Eduardo Henrique de Freitas. Apontamentos sobre o artigo 28 da Lei de drogas. . Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/821/798.Acesso em: 28 de ago, 2013.
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada: lei n. 11.343/2006. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008
GOMES, Luiz Flávio. Usuário de drogas: a polêmica sobre a natureza jurídica ao art. 28 da Lei 11.343/06. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/13510-13511-1-PB.pdf. Acesso em: 23 de ago, 2013.
MARCÃO, Renato Flávio. Tóxicos: leis n. 11.343, de 23 de agosto de 2006: nova lei
de drogas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
SOUZA, Murilo Camolezi de. Da natureza jurídica da conduta de consumo pessoal de droga na nova Lei antidrogas. Disponível em: http://www.esadvogados.adv.br/Artigos/artigo_02.pdf.Acesso em: 28 de ago, 2013.