O transporte aéreo a luz do Código De Defesa do Consumidor

Por Vanessa Jéssica Mansur Silva | 30/09/2014 | Direito

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Observa-seque apesar do Código de Defesa do Consumidor e as demais regras e princípios existentes no ordenamento jurídico brasileiro tutelarem de forma eficaz os direitos dos consumidores em geral, abarcando os passageiros do serviço de transporte aéreo de pessoas, na realidade, muitas práticas cotidianas das empresas concessionárias do serviço de transporte aéreo violam frontalmente os ditames do Direito do Consumidor Brasileiro, e tais práticas são reiteradas sem a devida repressão.

Diante de todo o valor principiológico e normativo do microssistema jurídico que é o CDC, esta monografia vem trazer a análise legal, principiológica, doutrinária e jurisprudencial das práticas abusivas mais comuns na seara em estudo.

Ao decorrer deste trabalho será abordado, quanto à relevância do tema, entendimento de Tribunais Regionais e de Tribunais Superiores do país, para ao final, após análise das situações, propor soluções e diretrizes ao transporte aéreo nacional sobe a ótica do Direito do Consumidor.

Em síntese, no primeiro capítulo é abordado o contrato de transporte aéreo, e por meio de uma análise da evolução histórica da Teoria dos Contratos, bem como da natureza dos contratos civis, chega-se a análise das peculiaridades dos contratos nas relações de consumo.

O capítulo dois expõe minuciosamente os princípios aplicáveis ao tema transporte aéreo, visto que por meio da compreensão de sua aplicação e exegese dos mesmos é possível solucionar diversos conflitos existentes na atualidade.

O terceiro capítulo versa sobre as práticas abusivas, tratando dos problemas sobre oferta, publicidade e da proteção contratual. No tópico que aborda a tutela contratual, são conceituadas e exemplificadas as cláusulas abusivas e seu tratamento jurídico. Ainda neste capítulo são discutidas as principais cláusulas abusivas do contrato de transporte aéreo, trazendo ao debate duas ações judiciais em tramitação sobre o tema (ação civil pública e ação coletiva).

Por fim, o capítulo quatro trata da responsabilidade dos envolvidos nas práticas abusivas. Neste capítulo aborda-se a responsabilidade civil, administrativa e penal. E ao final são trazidas as perspectivas de alterações legislativas para o setor do transporte aéreo, onde foi apresentado três projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 O CONTRATO DE TRANSPORTE AEREO

    1. OS CONTRATOS

 

Tem-se hoje em dia o contrato como a fonte mais comum de assunção de obrigações. Nele se tem a convergência da vontade das partes envolvidas, mediante um negocio jurídico bilateral ou plurilateral.

Os contratos visam criar, modificar ou extinguir relações jurídicas e para serem considerados válidos no ordenamento jurídico devem ser instrumentalizados com a presença dos requisitos básicos de formação, quais sejam: a) agente capaz, b) objeto lícito e c) forma prescrita ou não defesa em lei.

O Código Civil brasileiro dispõe nos artigos 481 a 853, acerca dos Contratos Nominados ou Típicos, que são espécies contratuais previstas expressamente pelo legislador no referido diploma civil. Porém, tendo em vista que a lei não consegue prever todas as formas de contratos firmáveis pelos indivíduos, além os contratos típicos enumerados no Código Civil, existem também os Contratos Inominados ou Atípicos que são aqueles que não estão positivados na lei, porém quando houver consensualidade e os demais requisitos básicos do contrato poderão ser celebrados, sempre atendendo a regra da Teoria Geral dos Contratos.

Aos contratos aplicam-se, dentre outros princípios, o Princípio da Autonomia da Vontade e da Função Social do Contrato, que apesar de em alguns aspectos de aplicação serem divergentes, devem conviver harmonicamente no sistema jurídico.

O Princípio da Autonomia da Vontade também chamado de Princípio da Liberdade Contratual dispõe que as partes podem se obrigar de acordo com o que lhe entenderem mais conveniente, tendo total autonomia para dispor de seu patrimônio, bastando que estejam em pleno gozo de suas faculdades mentais e com consentimento livre de vícios. Nesse sentido Cláudia Lima Marques preleciona (2002,p. 48),

A idéia de autonomia de vontade está estreitamente ligada a idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.

Um efeito direto do Princípio da Autonomia da Vontade é o da Força Obrigatória dos Contratos, quando considerado que este faz “lei entre as partes”. Segundo Marques, “por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia de superioridade da vontade sobre a lei”. Contudo, não se deve olvidar que, para o contrato ser válido e obrigar as partes ele necessita possuir os elementos básicos já citados (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei) e, inerente ao requisito do agente capaz, deve ser analisado o livre consentimento do agente.

A vontade livre e consciente pode ser caracterizada pela ausência de influências externas coatoras. Logo, segundo a Teoria Contratualista Clássica, a vontade manifestada sem vícios de consentimento obriga de forma necessária o indivíduo, independentemente da análise do conteúdo do contrato firmado, podendo ser injusto ou até abusivo. Nesse contexto, o Princípio do Pacta Sunt Servanda era considerado de forma dogmática, ou seja, os contratos eram tidos como normas inflexíveis, e sem possibilidade de revisão por alterações intrínsecas.

Corrobora com o exposto, Nelson Nery citado na obra de Gonçalves (2010, pg.50);

O princípio da conservação dos contratos, ante a nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua manutenção e continuidade de execução, observadas as regras da equidade , do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Falar-se em pact sunt servanda, com as conformações e o perfil que lhe foram dados pelo liberalismo dos séculos XVIII e XIX, é, no mínimo, desconhecer tudo o que ocorreu no mundo, do ponto de vista social, político, econômico e jurídico nos últimos duzentos anos. O contratante mais forte impõe as cláusulas ao contratante mais débil, determina tudo aquilo que lhe seja mais favorável, ainda que em detrimento do outro contratante, procedimentos que quebram as regras da boa-fé objetiva e da função social do contrato, e ainda quer que esse seu comportamento seja entendido como correto pelos tribunais, invocando em seu favor o vetusto brocardo romano pacta sunt servanda

 

No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 e a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, começou-se a falar em um processo de constitucionalização do Direito Civil, fenômeno crescente em diversos países. Nesse contexto, a Teoria Contratual sofreu uma gama de alterações principiológicas, onde se tentou afastar a concepção individualista do sistema civil e aplicar o Princípio da Função Social do Contrato, Socialidade, dentre outros.

Na Teoria Contratual Moderna o Princípio da Função Social do Contrato, exerce um papel primordial, tendo em vista que é tido como base da Teoria Contratual e de interpretação dos contratos civis e consumeristas. No Código de Defesa do Consumidor o princípio encontrava-se implícito, sendo expresso pela primeira vez no Código Civil de 2002, em seu artigo 421, o qual dispôs que a liberdade de contratar seria exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Dessa maneira, vislumbra-se que a Função Social do Contrato é um princípio limitador da liberdade contratual, o qual faz com que se tutele igualmente o interesse social e a liberdade de individual de contratar. Vale ressaltar que, o contrato por si próprio possui uma função social abstrata, visto que permite o atendimento das necessidades humanas de transmissão de bens e circulação de riqueza, porém o Princípio da Função Social, ora pretendido, se estende por muito além, pois abrange os resultados dessas relações jurídicas, não permitindo que se estabeleçam negociações desproporcionais que resultem em injustiça social. Nesse contexto, o interesse social deve ser o limite entre o dirigismo estatal e a autonomia de contratar entre as partes, valendo- se o Estado de se ter que retirar determinados direitos da seara de disposição do contratante, considerados relevantes demais, sendo assim, indisponíveis.

Nesse sentido, Marques (2002, p. 213)

O contrato é o instrumento de circulação das riquezas das sociedades, hoje é também instrumento de proteção dos direitos fundamentais do consumidor, realização dos paradigmas de qualidade, de segurança, de adequação dos serviços e produtos no mercado brasileiro. Estes paradigmas concretizam não só a nova ordem econômica constitucional (art. 170, V, da Constituição Federal), mas também os mandamentos constitucionais de igualdade entre os desiguais.

 

1.1.2 Os contratos no código de defesa do consumidor

Nos contratos de consumo, a relativização da autonomia da vontade entre as partes mostra-se ainda mais predominante, pois o consumidor é pessoa permanentemente vulnerável na relação jurídica.

Essa vulnerabilidade é presumida quanto à pessoa do consumidor, vez que este possui uma presunção absoluta de vício de consentimento, o que acarreta na impossibilidade de ter sua vontade totalmente representada na maioria dos contratos firmados devido sua situação desfavorável seja pela vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. A constatação da vulnerabilidade do consumidor em face da posição mais favorável do fornecedor, possibilita a efetiva aplicação do Princípio Constitucional da Igualdade na sua dimensão substancial e não meramente formal, pois o legislador consumerista pôs em destaque o consumidor como destinatário de amparo legal especial.

Diante do exposto, verifica-se que os contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor sofrem o chamado dirigismo contratual. O dirigismo contratual consiste na atuação positiva do Estado, por exemplo quando edita uma série de normas que regulam os contratos na seara privada, e caso os contratos não sigam as normas impostas não serão considerados válidos. A partir do dirigismo contratual se observa a prevalência da ordem pública, e a necessidade dos contratos observarem as diretrizes impostas pelo Estado, com fulcro na proteção dos consumidores em stricto e lato sensu.

Dois exemplo de normas que mostram a tutela diferenciada do consumidor no contrato de consumo são o; artigo 47, quando aduz que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”; e o artigo 46 que preleciona que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

Venosa entende que o sistema de proteção do consumidor não colide com as normas básicas do direito civil, apenas positiva alguns postulados. Vejamos o que aduz o autor nesse sentido (2010, pg. 381);

Reflita-se que essa lei protetiva, em linhas gerais, não conflita com os postulados básicos do direito contratual e do direito privado. Quando o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, considera nula cláusula contratual incompatível com a boa-fé ou com a equidade (art. 51, IV), nada mais faz do que trazer para o direito positivo dogma tradicional do direito contratual. Nunca se duvidou na doutrina tradicional e na jurisprudência que todos os contratos devam ser interpretados segundo o princípio da boa-fé.

A atual sistemática dos contratos consumeristas segue o fundamento de que uma transgressão jurídica ocasionada a um consumidor afeta indiretamente todo o sistema de proteção vigente no país, pois todos podem ser considerados consumidores em potencial e a afronta aos direitos do consumidor devem ser repudiada, vez que sua tutela é de interesse social.

Sendo assim, o Direito do Consumidor se destaca como uma norma híbrida, de cunho tanto público quanto privado, excetuando o antagonismo dos sistemas clássicos. Venosa assim esclarece (2010, pg. 382);

A lei do consumidor é exemplo claro do desaparecimento da utilidade da divisão clássica do Direito privado e público. Hoje, mais do que ontem, os ramos interpenetram-se. O Código de Defesa do Consumidor é exemplo característico de um direito social, nem público, nem privado. (grifo nosso)

 

1.1.3 O contrato de transporte de pessoas

O contrato de transporte é uma modalidade de contrato prevista no Código Civil Brasileiro, que se caracteriza pela obrigação do contratado transportar fisicamente (transladar) uma pessoa ou coisa de um determinado lugar a outro, de maneira incólume, mediante retribuição, que normalmente é em dinheiro. O contrato possui como características básicas ser um contrato de adesão, bilateral ou sinalagmático, oneroso, não solene e de resultado.

O contrato de transporte possui duas espécies sendo elas: o transporte de coisas e o transporte de passageiros. Para ambas as espécies do contrato de transporte, o princípio da incolumidade é o ponto fundamental, vez que tanto as pessoas (incluindo bagagem) quanto as coisas, deverão chegar ao destino sem a ocorrência de dano algum, sendo por isso , um contrato com obrigação de resultado.

Nessa linha de entendimento averbera Gonçalves (2010, pg. 480)

O transporte de bagagem é acessório do contrato de transporte de pessoas. O viajante, ao comprar a passagem, assegura o direito de transportar consigo a sua bagagem. Ao mesmo tempo, o transportador assume, tacitamente, a obrigação de efetuar esse transporte. Essa obrigação é de resultado, como já dito, e só se considera cumprida quando a pessoa transportada e sua bagagem , ou a mercadoria, chegarem incólumes ao seu destino.

 

Apesar de citar as duas modalidades, a aqui estudada será a de transporte de passageiros. No contrato de transporte de passageiros tem-se como obrigação principal a efetivação do translado da pessoa ao local de destino. Considera-se o transporte de bagagem como contrato acessório vinculado ao contrato principal, devendo a bagagem apenas ser remunerado quando há excesso de peso, tamanho ou de volume do padrão previsto.

Do Código Civil brasileiro retiramos as obrigações do transportador, que dentre outras são: a) transportar o passageiro no tempo e horário convencionado; b) responder objetivamente pelos eventuais danos causados às pessoas ou bagagens, salvo motivo se força maior; c) não recusar passageiros injustificadamente; d) aceitar a rescisão do contrato pelo transportado quando o bilhete tiver sido adquirido com antecedência e houver tempo para renegociação do mesmo e) reter a quantia máxima de 5% da importância da passagem em caso de desistência do passageiro.

De lado oposto, são obrigações do passageiro: a) o pagamento do valor previamente estabelecido; b) o comparecimento ao local de partida no horário preestabelecido; c) fornecer informação com antecedência quando houver desistência do bilhete; d) ter retido a quantia de 5% da importância da passagem em caso de desistência; e) respeitar as normas estabelecidas para disciplina da viagem, incluindo normas de segurança.

Diante dos direitos e obrigações acima, destaca-se a importância da cláusula de reembolso pela desistência do transporte por parte do passageiro. O Código Civil, em seu artigo 740, assegura o direito do passageiro em rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem e ter restituído o valor de sua passagem, condicionado apenas à comunicação do transportador a tempo de que este renegocie o bilhete. O referido artigo prevê ainda que apenas não subsistirá o direito ao reembolso em caso de não haver embarque, sem comunicação dessa situação, ressalvado, caso seja provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, situação a qual se assegura o direito ao reembolso.

Ainda é oportuno salientar que o Código Civil estipula o limite de 5% a título de retenção por multa compensatória nos casos do passageiro rescindir o contrato antes de iniciada a viagem, quando for feita comunicação a tempo do transportador renegociar o bilhete.

Em particular para o transporte aéreo de pessoas, há outra norma disciplinadora do assunto, qual seja a Portaria 676/2010 expedida pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, que estipula o limite de 10% ou 25 dólares americanos. Vejamos o artigo que prevê tal limitação:

Artigo 7 § 1º Se o reembolso for decorrente de uma conveniência do passageiro, sem que tenha havido qualquer modificação nas condições contratadas por parte do transportador,poderá ser descontada uma taxa de serviço correspondente a 10% (dez por cento) do saldo reembolsável ou o equivalente, em moeda corrente nacional, a US$ 25.00 (vinte e cinco dólares americanos), convertidos à taxa de câmbio vigente na data do pedido do reembolso, o que for menor.

1.2 O CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO

1.2.1 Histórico

Oficialmente, o primeiro voo registrado com êxito ocorreu no ano de 1906, na França, porém apenas após a primeira guerra mundial o modelo de transporte começou a ser utilizado para fins de exploração de serviços aéreos postais e comerciais, sendo estabelecido o primeiro voo de linha regular em 1919 no continente europeu. Com passar do tempo, mais linhas aéreas foram se estabelecendo e maiores distâncias foram percorridas pelos modelos aéreos.

Contudo, apesar do célere avanço da aviação do mundo, o setor aéreo não era considerado uma forma de transporte em massa, o qual pudesse garantir seguros aos passageiros e suas bagagens por exemplo. O setor ainda estava em ascensão, sendo financiado pelos governos e não possuindo ainda lucros visíveis na exploração.

Nesse contexto, no plano internacional, foram criadas legislações para regular as situações no novo setor ascendente, como a Convenção de Varsóvia, em 1929, e a Convenção de Roma posteriormente, em 1933, que se detiveram em limitar as indenizações por ventura devidas aos passageiros, vez que caso as indenizações acarretassem grande impacto financeiro para o setor, isso inviabilizaria o desenvolvimento do novo empreendimento em ascensão.

Em 1939, com o advento da Segunda Guerra Mundial o desenvolvimento de aviões e pilotos foi intensificado para fins bélicos. Se destacando no pós-guerra os Estados Unidos como potência dominante no transporte aéreo.

Atrativo por sua celeridade, o transporte aéreo teve sua expansão no turismo por todo o mundo aproximadamente na década de 1970.

Com o aumento do número de passageiros transportados, houve igualmente o aumento das reclamações quanto as indenizações por danos à bagagens e mortes nos casos de acidente. Nesse contexto, nasceu a Convenção de Montreal, em 1999. A referida convenção atendeu parcialmente os anseios sociais, pois não limitou a responsabilidade quanto aos eventos morte e ferimentos, porém manteve a limitação quanto a responsabilização no que tange as bagagens, por exemplo.

 

1.2.2 O Contrato

Como vimos, o contrato de transporte aéreo é uma modalidade de contrato de transporte um tanto mais recente quando comparada com as demais modalidades; rodoviária, ferroviária e hidroviária (aquaviária). O contrato de transporte aéreo se caracteriza por ser um contrato bilateral, comutativo, oneroso, não solene e de adesão.

Apesar das demais características, a que merece maior destaque é de ser um contrato de adesão. O contrato de adesão consiste em uma forma de elaboração que pode ser aplicável a qualquer contrato. No contrato de adesão, não há liberdade plena por parte de um contratante (consumidor) de elaborar as cláusulas contratuais e tampouco de alterar o conteúdo do contrato, visto que se ele quiser gozar do serviço oferecido, deverá aderir os dizeres e disposições do contrato de adesão já posto. O contrato de adesão difere do contrato comum (contrat de agré à gré) pois suas cláusulas não são negociadas. Portanto,no contrato de adesão não há liberdade contratual plena, e sim há uma necessidade de consumo de um bem ou serviço do mercado de consumo.

As empresas aéreas que atuam no Brasil realizando transporte regular de passageiros são consideradas concessionárias de serviço público, pois como observamos na Constituição Federal em seu artigo 21 inciso XII, alínea c, a navegação aérea será explorada diretamente pela União ou mediante autorização, concessão ou permissão à particular.

O transporte regular de passageiros deve ser explorado mediante concessão, ao contrário do não regular que deve ser explorado indiretamente por meio de permissão ou autorização, conforme dispõe o artigo 123 inciso I, do Código Aeronáutico Brasileiro (Lei 7.565/86)

No que tange a regulação, as empresas aéreas sofrem regulação por meio da agência reguladora ANAC (Agência Nacional da Aviação Civil), criada pela Lei 11.182/05, vinculada ao Ministério da Defesa, que pertence à Administração Indireta e possui natureza jurídica de autarquia federal em regime especial.

No que tange o contrato celebrado pelas referidas empresas com os passageiros, tem-se um típico contrato de consumo, onde as primeiras são fornecedoras, pois se enquadram no conceito de fornecedor previsto no artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor, enquanto os passageiros são os consumidores, destinatários finais do serviço de transporte aéreo. O objeto do contrato é a prestação de serviço, que no caso é a realização do transporte aéreo ofertado no mercado de consumo.

Com o aumento considerável no número de passageiros transportados e a complexidade das relações de consumo na atualidade, vem crescendo o contingente de reclamações e problemas enfrentados pelo transporte aéreo.

Visando promover direito ao acesso à justiça previsto no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 e também como Política Nacional das Relações de Consumo; em julho de 2010, por meio do Provimento número 11 da Corregedoria Nacional de Justiça, foram criados juizados especiais nos principais aeroportos do país, para tentar atender a demanda cada vez mais expressiva de consumidores com problemas em decorrência da relação de consumo.

Os juizados nos aeroportos constataram o que já se esperava, o sistema aéreo no âmbito consumerista encontrava-se um caos no que tange a insatisfação dos consumidores nas mais variadas questões.

No ano de 2011, apenas um ano após a sua criação foram registradas em média cerca de 18.522 reclamações nestes juizados.

Devido às constantes queixas, e para esclarecer os direitos aos consumidores, a ANAC editou a resolução 141 para estabelecer claramente os direitos dos passageiros nos casos de atraso de voo, variando os direitos dos usuários com o tempo do atraso e a necessidade do passageiro.

1.2.3 Elementos Da Relação De Consumo

1.2.3.1 Sujeito Ativo

O conceito de consumidor padrão (standard ou stricto sensu) encontra previsão legal no caput artigo 2º do CDC, segundo o qual consumidor é “ toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Na seara do transporte aéreo este consumidor é o adquirente do bilhete aéreo ou passageiro do transporte contratado.

Além deste conceito, ao longo do CDC, existem os consumidores equiparados (Iato sensu). No artigo 2°, em seu parágrafo único, encontramos um dos conceitos de consumidor equiparado; “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Neste se enquadra o terceiro que, sem relação contratual com o fornecedor, tenha de alguma forma intervindo na relação jurídica de consumo.

Outro conceito de consumidor equiparado está previsto no artigo 17 do CDC (consumidor bystander), onde equipara a consumidor as vítimas do evento danoso. No tema em questão, temos as vítimas de um acidente aéreo ou vítima de qualquer defeito (fato) do serviço do transporte aéreo. As vítimas podem pleitear indenização por danos materiais e morais, todos com base no CDC.

Por fim, o artigo 29 do CDC, traz outro conceito de consumidor equiparado, sendo este último, o de pessoas determináveis ou não expostas às práticas abusivas, sejam práticas comerciais ou contratuais. Por este conceito podemos responsabilizar de maneira difusa a coletividade de pessoas expostas. Logo, uma vez existindo uma prática abusiva, mesmo que não se identifique um consumidor real, toda a coletividade que está exposta a ela poderá pleitear indenização, quando caracterizado caberá dano moral coletivo, por exemplo. Nesse conceito observamos a situação de publicidade enganosa, oferta irregular, etc.

O artigo 29 do CDC apresenta tutela de forma ampla e preventiva, vez que prevê um conceito difuso de consumidor, pois basta a exposição, e não um dano comprovado para responsabilização coletiva.



1.2.3.2 Sujeito Passivo

As companhias aéreas são empresas que prestam serviço público e enquadram no conceito de fornecedor do artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor.

Em suma, o artigo 3º do CDC define fornecedor como;

 

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (grifo nosso)

 

Logo, as empresas aéreas quando prestam serviço de transporte aéreo se enquadram no conceito de fornecedor e os usuários (passageiros) no de consumidores por serem os destinatários finais da cadeia de consumo, desta maneira estando esta relação jurídica sujeita a responsabilização nos moldes traçados pelo CDC.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO E DIÁLOGO DAS FONTES

2. 1 PRINCÍPIOS

A palavra princípio advém do latim principium, que significa começo, marco inicial. Os princípios são alicerces do sistema jurídico, os quais estabelecem as suas diretrizes basilares.

As normas do ordenamento jurídico são formadas por regras e princípios. As regras são determinações objetivas positivadas por uma sociedade, enquanto os princípios são normas abstratas, mais gerais, e funcionam segundo Robert Alexy, como “determinação de otimização” no caso concreto.

Uma das distinções mais relevantes entre regras e princípios está na resolução dos conflitos, pois quando há conflito entre regras, este é resolvido pela exclusão de alguma das regras conflitante e aplicação integral da outra; contudo quando há colisão entre princípios deve-se adotar a ponderação entre os mesmos e otimizar os princípios para que pondere o de melhor aplicação no caso concreto, sem necessariamente excluir por inteiro o restante.

Os princípios possuem uma tríplice função, que são: interpretativa, normativa e integrativa.

A primeira condiciona a ação do juiz no que tange à aplicação da norma no caso concreto, o qual deverá fazer a exegese da lei sempre em conformidade com os princípios do direito. Já a função normativa diz respeito à força dos princípios no direito, vez que, embora não sejam positivados como as regras, geram direitos e deveres, por serem normas impositivas. Por fim, a função integrativa é a função conferida aos princípios, de suprimirem as omissões da lei, vez que o operador do direito deve suprir as eventuais lacunas legislativas levando em considerações as normas que formam a estrutura do ordenamento jurídico, ou seja, os princípios.

Os princípios apresentam importância fulcral no Direito, e, como Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, pg. 748) preleciona, a violação a um princípio é a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Mello esclarece com presteza (2000, pg. 748),

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor trouxe um vasto arcabouço principiológico que o tornou um verdadeiro microssistema jurídico, e como já visto os princípios devem ser aplicados na sua maior proporção para que lhe sejam conferidos o maior grau de efetividade possível.

2.1.1 Princípio Da Repressão aos Abusos

O Princípio da Repressão aos Abusos encontra previsão legal no artigo 4º, inciso VI do CDC. O referido princípio busca reprimir os abusos em geral no mercado de consumo, onde repele as práticas abusivas realizadas precipuamente pelos fornecedores. Quanto às práticas abusivas, o artigo 34 do CDC, traz um rol meramente exemplificativo.

Devemos entender como abusos o exercício desproporcional ao padrão de igualdade tido como admissível no caso concreto.

O princípio em questão deve ser aplicado a fornecedores, consumidores e ao poder público. Para cada um o princípio possui seara diferenciada de abrangência, porém os abusos não devem ser tolerados por nenhum dos envolvidos. O poder público devido sua responsabilidade de manter a ordem pública e garantir os direitos dos cidadãos, tem como dever garantir a devida repressão aos abusos no mercado de consumo, que poderá acontecer por meio de intervenção legal e instituição de mecanismos administrativos que garantam o cumprimento das leis.

O dever de reprimir os abusos pode ser visto como uma decorrência lógica do direito fundamental de defesa do consumidor, estatuído pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXII.

No âmbito do transporte aéreo, por exemplo, cabe à ANAC, PROCONS, Poder Legislativo e Judiciário reprimir os abusos vislumbrados.

2.1.2 Princípio Do Acesso À Justiça

Embora o Princípio do Acesso à Justiça não seja um princípio específico do direito do consumidor ele é bastante relevante quando tratamos de consumidores com direitos violados.

O acesso à justiça está espalhado ao longo do CDC nos; artigo 6º inciso VIII quando prevê a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, artigo 83 quando maximiza o rol de ações para tutela dos direitos dos consumidores, além do artigo 81 o qual prevê a proteção coletiva do consumidor.

O acesso à justiça, de forma ampla, é um direito fundamental tutelado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXV, que garante a todos a possibilidade de pleitearem junto ao Poder Judiciário as suas demandas com igualdade.

Nesse diapasão distingue-se o mero acesso ao Poder Judiciário, do efetivo alcance do Princípio do Acesso à Justiça. O acesso ao Poder Judiciário é ação fundamental, mas não determinante para o efetivo acesso à justiça. O acesso à justiça é mais amplo que o primeiro, sendo este o objetivo maior do ordenamento jurídico, que consiste na garantia de meios necessários aos indivíduos para que possam obter provimento jurisdicional que reconheça ou recupere seu direito violado.

Vale ressaltar que, o acesso à justiça, longe de se confundir com o direito material pleiteado ou uma garantia de provimento favorável, é um direito à “paridade de armas” com a parte contrária, onde se tem a possibilidade de utilizar os instrumentos necessários para demonstrar as suas alegações em juízo.

Na seara do direito do consumidor, pode-se entender que o acesso ao Poder Judiciário é promovido com a difusão de informações dos direitos dos consumidores, para que os mesmos, das diversas classes sociais, possam conhecer seus direitos e recorrer ao judiciário quando estes forem violados. Já no que tange o acesso à justiça é necessário um tratamento diferenciado ao consumidor, visto sua condição de vulnerável na relação jurídica e na maioria das vezes hipossuficiente na instrução probatória processual.

Nos reportando ao tema de transporte aéreo, vale destacar o Provimento nº 11/2010 da Corregedoria Nacional de Justiça o qual, estabeleceu a criação de juizados especiais nos principais aeroportos do Brasil, como de nas cidades e São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Salvador. Essa medida foi fundamental para facilitar o acesso do consumidor ao poder judiciário, além de possibilitar a obtenção de informações quanto as suas dúvidas.

Para propiciar o acesso à justiça no que tange a “paridade de armas”, temos diversos instrumentos processuais, dentre eles a competência de foro para propositura da ação do domicílio do consumidor, a inversão do ônus da prova, a presunção absoluta de dano ao consumidor em práticas elencadas no artigo 51 do CDC, entre outros.

2.1.3 Princípio Da Hipossuficiência

Com previsão no artigo 6º, inciso VIII do CDC, este princípio consagra a hipossuficiência do consumidor, o que acarreta a possibilidade de inversão do ônus da prova pelo juiz (distribuição dinâmica do ônus da prova) quando verificada a desproporcionalidade dos meios de produção de prova entre consumidor e fornecedor.

A inversão do ônus da prova facilita a defesa do consumidor em juízo, e o faz com que este fique desobrigado de provar que o fornecedor agiu com dolo ou culpa, perfazendo uma presunção juris tantum, cabendo ao fornecedor provar o contrário.

A distribuição inversa do dever de provar justifica sua existência por se tratar de uma norma que proporciona igualdade material ao consumidor, posto a sua vulnerabilidade (presunção juris et de jure), o qual visa portanto, proporcionar o equilíbrio da relação de consumo.

A inversão do ônus poderá ser decretada pelo juízo (decretação ope judice) quando; verificada verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor.

Vejamos como o Superior Tribunal de Justiça decide quanto à inversão do ônus da prova pela verossimilhança das alegações;

PROCESSO CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTRAVIO DE BAGAGEM. EMPRESA AÉREA. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS E DEVIDOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º, VIII, DO CDC. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE DO QUANTUM FIXADO.

1. Divergência jurisprudencial comprovada, nos termos do art. 541, § único, do CPC, e art. 255 e parágrafo, do Regimento Interno desta Corte.

2. Com base nos documentos comprobatórios trazidos aos autos, tanto a r. sentença singular quanto o eg. Tribunal de origem, tiveram por verossímil as alegações do autor - uma vez que a relação dos bens extraviados mostra-se compatível com a natureza e duração da viagem - aplicando, então, a regra do art. 6, VIII, do CDC, invertendo-se o ônus da prova.

3. A inversão do ônus da prova, de acordo com o art. 6º, VIII, do CDC, fica subordinada ao critério do julgador, quanto às condições de verossimilhança da alegação e de hipossuficiência, segundo as regras da experiência e de exame fático dos autos. Tendo o Tribunal a quo julgado que tais condições se fizeram presente, o reexame deste tópico é inviável nesta via especial. Óbice da Súmula 07 desta Corte.

4. Como já decidiram ambas as Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte, somente é dado, ao STJ, em sede de recurso especial, alterar o quantum da indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado o valor.

5. Considerando-se as peculiaridades fáticas assentadas nas

instâncias ordinárias e os parâmetros adotados nesta Corte em casos semelhantes a este, de extravio de bagagem em transporte aéreo, o valor fixado pelo Tribunal de origem, a título de indenização por danos morais, mostra-se excessivo, não se limitando à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso, pelo que se impõe a respectiva redução a R$ 4.000,00 (quatro mil reais). em R$ 4.000,00.

6. Recurso conhecido e provido.

(REsp 696408 / MT
RECURSO ESPECIAL
2004/0144533-6 DJ 29/05/2006 p. 254)

No que tange à hipossuficiência, diferente da vulnerabilidade, ela é instituto de natureza processual, que, quando não prevista expressamente em lei, deverá ser analisada pelo juiz no caso concreto segundo as regras ordinárias de experiência, conforme preleciona o artigo 6º inciso VIII.

Para caracterização da hipossuficiência do consumidor não há na lei um requisito objetivo, porém normalmente um requisito a ser analisado é a dificuldade na realização da prova ou excessiva onerosidade para sua produção.

Nesse sentido é oportuno observar as decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul quanto ao tema;

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELACAO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ONUS DA PROVA. "OPE JUDICE". A INVERSÃO DO ONUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR, PREVISTA NO CDC, NAO E "OPE LEGIS", MAS SIM "OPE JUDICE", OU SEJA, O JUIZ, ANALISANDO O CASO CONCRETO, DEVERA VERIFICAR O PREENCHIMENTO DOS CONCEITOS JURIDICOS INDETERMINADOS RELATIVAMENTE A VEROSSIMILHANCA E A HIPOSSUFICIENCIA, DIZENDO A RESPEITO DE QUEM CABERA PRODUZIR A PROVA, COM MANIFESTACAO EM TEMPO OPORTUNO. NAO SE COGITA, PORTANTO, DE INVERSÃO GENERICA, MAS APLICADA AO CASO EM CONCRETO. AGRAVO DESPROVIDO. (4FLS) (Agravo de Instrumento Nº 70001103183, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Miguel Fank, Julgado em 09/08/2000) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO.. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA INDEFERIDA. A relação configurada no feito é nitidamente de consumo, de acordo com o artigo 3º do CDC, em conjunto com a súmula 297 do STJ. Sendo de notória percepção a hipossuficiência do consumidor no caso tela e tendo em um dos pólos processuais uma instituição financeira que possui aprimorados recursos para suas transações com os clientes, torna-se obrigatória a inversão do ônus probatório, de acordo com o art. 6º, inc. VIII, do CDC. EFEITO SUSPENSIVO INDEFERIDO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. Uma vez não se apresentando presentes os requisitos exigidos no artigo 739-A, §1º, do Código de Processo Civil, não há falar em recebimento dos embargos à execução com efeito suspensivo. Decisão agravada parcialmente reformada para deferir o pedido de inversão do ônus da prova. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70056470420, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 12/09/2013) (grifo nosso)

Como pode ser observado, a primeira decisão reconheceu a necessidade da análise dos conceitos juridicamente indeterminados para a constatação da ocorrência ou não da hipossuficiência no caso concreto, enquanto a segunda, entendeu pela inversão do ônus probante devido à constatação de hipossuficiência do consumidor no caso em questão.

No transporte aéreo, o consumidor além de vulnerável é normalmente hipossuficiente, visto o poderio econômico das empresas aéreas, que além de serem elas as detentoras das regras da relação de consumo, normalmente as mesmas não repassam aos consumidores no momento da venda as informações suficientes. Além disso, outro fator importante a ser considerado é o quase “monopólio” de condições do serviço de transporte aéreo, visto que em todas as principais empresas as condições e abusividades praticadas são as mesmas, o que obriga o consumidor a se sujeitar as práticas ilegais.

Portanto, vale ressaltar que a lei, ao tutelar o consumidor tem o escopo de promover igualdade entre partes tipicamente desiguais em uma mesma relação jurídica.

2.1.4 Princípio Da Boa Fé Objetiva

O artigo 4º, inciso III e artigo 51, inciso IV do CDC prevê a presença da boa fé como fundamento obrigatório nas relações estabelecidas entre fornecedores e consumidores.

A jurista Cláudia Lima Marques define a boa fé como sendo, uma atuação refletida onde uma parte contratual deve respeitar os interesses do parceiro e respeitar os fins contratuais agindo com lealdade sem agir com abuso e sem causar lesão ou desvantagem excessiva ao parceiro. Afirma ainda que a regra de boa fé adotada no CDC ultrapassa o paradigma de lealdade previsto como regra do Código Civil que é o da boa fé subjetiva. O CDC adota a boa fé objetiva, pois esta contribui para assegurar a segurança das relações negociais.

Garcia (2012, p. 47) conceitua boa fé é como;

um conjunto de padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente , que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases da existência da relação contratual,desde a sua criação, durante o período de cumprimento e , até mesmo, após a sua extinção.

Como se observa, o Princípio da Boa Fé Objetiva é uma diretriz impositiva que deve estar presente por todo o vínculo contratual, desde antes mesmo de sua formalização, na fase de tratativas, e perdurar até o término de sua execução, com total extinção do vínculo entre as partes.

Dentre as diversas funções do referido princípio, destaca-se a função criadora/integrativa, pois o Princípio da Boa Fé Objetiva é fonte de criação de novas condutas especiais a serem seguidas. Além desta, possui também função limitadora/controladora, vez que proíbe condutas que antes eram consideradas toleráveis, e sob sua ótica passam a ser consideradas abusivas. Por fim, mas não menos importante, possui função interpretativa, pois conduz a interpretação do contrato para o caminho da boa fé entre as partes, analisando a conduta esperada entre a parte contrária e a lealdade empregada na questão.

Quanto à função limitadora, vejamos o posicionamento de Garcia (2012, p. 47)A função de controle da boa-fé visa evitar o abuso do direito subjetivo, limitando condutas e práticas comerciais abusivas, reduzindo, de certa forma, a autonomia dos contratantes”.

No contexto da função limitadora encontram-se os chamados direitos anexos (como direito de cooperação e informação). Estes decorrem da amplitude de obrigações assumidas pelos contratantes no momento da relação contratual, vez que além dos deveres contratuais estão os direitos anexos implícitos a qualquer contrato, que vão além do positivado no instrumento de contratação.

Uma consequência do princípio da boa fé objetiva é a vedação aos contratos que supervenientemente causem vantagem excessiva a uma das partes, pois em um contrato além dos deveres impostos como cláusulas, espera-se boa fé das partes para a manutenção do equilíbrio econômico do contrato.

No Código de Defesa do Consumidor o Princípio da Boa Fé está inserido na Política Nacional das Relações de Consumo em seu artigo 4º, bem como no artigo 51, que trata do rol exemplificativo de cláusulas abusivas. Observa-se que em ambos os casos, a verificação da boa fé é considerada parâmetro de análise das demais questões. Assim sendo, a boa fé objetiva é considerada um padrão de comportamento que deve ser seguido por ambas as partes com retidão a lealdade, probidade e honestidade.

No caso do contrato de transporte aéreo a aplicação do Princípio da Boa Fé Objetiva possui papel fulcral, pois no momento em que o passageiro adquire o bilhete aéreo, é gerada uma concreta expectativa de viajar no horário previamente acertado, com segurança de si e de seus pertences, tudo dentro das conformidades preestabelecidas e informadas. Nesse contexto, se mostra necessário que as empresas aéreas não frustrem a expectativa do consumidor e ajam com escopo de minimizar os danos da melhor maneira quando eventualmente causados.

Observa-se que os contratos de transporte aéreo se apresentam na forma de contrato de adesão, o que limita a participação do consumidor na sua elaboração. Nesse caso, a boa fé deve limitar o contratado a elaborar cláusulas que não contrariem a boa fé de quem o adere.

2.1.5 Princípio Da Informação

O Principio da Informação determina que seja dada ampla e efetiva informação ao consumidor acerca do bem ou serviço contratado. Nessa seara, o Código de Defesa do Consumidor quando inseriu o referido princípio inverteu a regra do caveat emptor para o caveat vendictor. No primeiro temos a necessidade da atitude proativa do consumidor em buscar as informações que julgar necessárias sobre a relação estabelecida, enquanto no caveat vendictor, atualmente aplicado, o dever de fornecer a informação é principalmente do vendedor, que deve esclarecer ao consumidor o conteúdo do contrato, as suas limitações e informações que se presumam importantes para o consumidor naquele momento.

Nesse assunto é oportuno discorrer acerca do contrato de adesão, que é a forma de contratação utilizada na maioria dos contratos em massa, e por consequência nos contratos de transporte aéreo.

O contrato de adesão consiste em uma técnica de formação de contrato em que a parte mais forte elabora as unilateralmente as cláusulas contratuais sem que a parte mais fraca (consumidor) possa alterar significativamente o seu conteúdo. Vale salientar, como prevê o artigo 43, § 1° do CDC, que pequenas alterações contratuais não descaracterizam a forma de contrato de adesão quando a maior parte do contrato foi unilateralmente elaborada. Nos contratos de adesão, mais do que em qualquer contrato de consumo, a parte contratante (consumidor) se encontra em situação de exacerbada vulnerabilidade, pois apenas possui a alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato vez que a recusa do consumidor em aceitar não afetará imediatamente e de maneira sensível o fornecedor que contrata em massa, porém para o consumidor, na maioria dos casos, o contrato é sua única alternativa para realizar o serviço almejado ou adquirir o bem desejado.

Nesta forma contratual, onde se tem ausência de fase pré-contratual para discussão e elaboração do instrumento contratual, o Princípio da Informação é fundamental, vez que o consumidor não poderá se obrigar a um contrato que desconhece, portanto o consumidor necessita ser amplamente e minuciosamente informado de todas as condições estabelecidas pelo fornecedor.

Para verificação de validade dos contratos de transporte aéreo deve-se analisá-los sempre à luz do Princípio da Informação, pois o passageiro necessita de informações além das comumente dadas pelas empresas. Deve ser informado das condições em que contrata, das taxas de remarcação caso necessite rescindir o contrato, e de valores devidos no caso de extravio de bagagem.



2.1.6 Princípio Da Ampla E Efetiva Reparação Do Dano

O Princípio da Ampla e Efetiva Reparação do Dano, disposto no artigo 6º, inciso VI, do CDC, consiste no dever de indenizar amplamente o dano causado à vítima, de maneira a possibilitar que ela retorne ao status quo ante, ou quando isso não for possível, que se aproxime o máximo possível da satisfação do prejuízo causado.

Como consectário do Princípio da Ampla Reparação do Dano temos o Princípio da Reparação Integral ou Restitutio in Integro. Neste revela-se o dever de indenizar de maneira integral o dano causado, não se estabelecendo nenhum patamar limite, visto que qualquer restrição é ser considerada cláusula abusiva, pois restringe a responsabilidade civil do fornecedor, nos moldes do artigo 51, inciso I do CDC.

Nesse sentido é de extrema relevância o que preleciona Rizzato (2005, pg. 135)

O valor da indenização por danos materiais há de ser tal que possibilite a reabilitação integral do dano (emergente ou lucros cessantes), de forma que está proibido o tarifamento. E, no que respeita ao dano moral, tendo em vista suas características e o modo pelo qual o quantum deve ser fixado, não há sequer como falar em tarifamento.

No caso de tarifação das indenizações no transporte aéreo, decorrente de extravio de bagagens, mostra-se aplicável o Princípio da Restitutio in Integro, pois como já exposto, é dever do fornecedor indenizar integralmente o dano causado, não havendo a possibilidade de se estabelecer padrões por peso ou declaração anterior e principalmente nunca considerando como parâmetro o valor da bagagem de uma pessoa para outra.

É necessário que haja a produção de provas para auferir o quantum foi o dano para que se possa indenizá-lo de forma integral, independente de haver cláusula contratual estipulando “acordo” diverso, visto que esta cláusula deverá ser considerada abusiva, por conseguinte, nula de pleno direito, como assegurado pelo artigo 51 do CDC.

Os contratos das companhias aéreas preveem nomalmente que em caso de extravio ou dano a bagagem será aplicado os limites estipulados no Código Brasileiro de Aeronáutica, que limita a 150 (cento e cinquenta) OTN. Vejamos o artigo na íntegra:

Art. 260. A responsabilidade do transportador por dano, conseqüente da destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, ocorrida durante a execução do contrato de transporte aéreo, limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro.

Resta claro que esta limitação não se coaduna com os princípios do direito do consumidor e é uma afronta a dignidade dos consumidores lesados.

O Superior Tribunal de Justiça já possui entendimento firmado pela não aplicação da tarifação das indenizações como prevê o Código Brasileiro de Aeronáutica e sim pela aplicação do CDC, observemos as decisões;

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INAPLICABILIDADE DA INDENIZAÇÃO TARIFADA PREVISTA NO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA E NA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. DECISÃO MANTIDA.

1. O julgador não está obrigado a analisar todos os argumentos

invocados pela parte quando tenha encontrado fundamentação

suficiente para dirimir a controvérsia, não ocorrendo, assim, afronta ao art. 535 do CPC.

2. O recurso especial interposto para desconstituir os pressupostos fáticos adotados pelo acórdão recorrido encontra óbice na Súmula n. 7 desta Corte.

3. Desde o advento do Código do Consumidor, a jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de ser inaplicável a indenização tarifada prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia em caso de responsabilidade do transportador aéreo por extravio de carga, sub-rogando-se a seguradora nos direitos do segurado.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 84013 / RJAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2011/0273876-9 DJe 19/03/2013)

 

O posicionamento é o mesmo quanto ao ressarcimento por danos morais, vejamos;

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO DE

PESSOAS. FALHA DO SERVIÇO. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL.

SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código

Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista.

2. O entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de reparação por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação revelar-se irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso.

3. Não se mostra exagerada a fixação, pelo Tribunal a quo, em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) a título de reparação moral em favor da parte agravada, em virtude dos danos sofridos por ocasião da utilização dos serviços da agravante, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presente feito.

4. A revisão do julgado, conforme pretendida, encontra óbice na Súmula 7/STJ, por demandar o vedado revolvimento de matéria fático-probatória.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 141630 / RN
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2012/0019409-3 DJe 08/02/2013)

 

Diante o exposto, este tema é pacífico nos tribunais.

2.1.7 Princípio Da Harmonização Das Relações De Consumo

O princípio em questão tem como escopo estabelecer uma relação harmônica, por meio da aplicação sistemática dos princípios norteadores da ordem econômica e dos princípios do direito do consumidor.

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 traz como princípios da ordem econômica, dentre outros, a livre concorrência, livre iniciativa e a defesa do consumidor.

Em algumas situações, os princípios acima citados podem parecer antagônicos visto que a excessiva tutela do consumidor pode inviabilizar os empreendimentos e até a atividade de um setor, porém como se sabe nenhum princípio é absoluto, devendo todos coexistir harmonicamente sem que nenhum seja excluído, havendo sim sua ponderação.

No que cinge os contratos de transporte aéreo de pessoas, este princípio deve ser analisado de forma coerente quando se observa o argumento do TRF/1ª Região dando interpretação favorável à total liberdade tarifária constante na resolução n. 676/2010 da ANAC, fundamentando a necessidade da adoção desde modelo de ampla liberdade nos preços e taxas para que não se inviabilize os lucros das empresas e isso impossibilite os preços promocionais por elas ofertados atualmente (Decisão abordada no item 3.2.2.3).

O mesmo argumento foi utilizado pelas empresas aéreas no agravo de instrumento interposto, que veremos oportunamente no terceiro capítulo.

Entende-se que não poderá haver um sistema de proteção exacerbada ao consumidor em detrimento da atividade econômica, porém, longe disso se apresenta a situação posta na lide originária do pronunciamento judicial acima comentado, ocasião em que o resguardo do direito dos consumidores não afetam a atividade aérea.

2.2 DIÁLOGO DAS FONTES

Quando tratamos do assunto princípios é de suma importância falar a cerca da Teoria do Diálogo das Fontes, vejamos a seguir.

A Teoria do Diálogo das Fontes, criada pelo professor Erik Jayme, na Alemanha, e introduzida no Brasil pela jurista Cláudia Lima Marques, consiste na aplicação simultânea e coerente de diversas leis ou fontes do direito, sobe a luz da Constituição Federal.

Marques afirma que, a fim de evitar as antinomias e incompatibilidades presentes no direito contemporâneo, se deve promover a eficiência funcional do sistema plural de normas que existem no ordenamento jurídico.

Para Marques, o mestre Erik utilizou a expressão diálogo devido haver uma influência recíproca e aplicação conjunta de duas ou mais normas especiais e gerais ao mesmo caso, complementariamente.

A Teoria do Diálogo das Fontes foi fundamento embasador pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN 2.591, a qual se tratava da aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor às atividades bancárias frente à aplicação da lei complementar que disciplina o sistema financeiro. O tribunal entendeu pela necessidade da utilização da técnica do diálogo das fontes.

O diálogo das fontes supera o dito conflito de normas, pois este último pressupõe como solução a ab-rogação, derrogação ou revogação de uma das normas colidentes. Já o diálogo das fontes entende pela possibilidade da harmonia entre as normas, sejam elas regras ou mesmo princípios.

O diálogo poderá ocorrer entre o CDC e o Código Civil por exemplo. O CDC protege as relações de consumo onde há a presença de partes diferentes ou agentes econômicos; enquanto o Código Civil regula, em regra, as relações entre iguais, quais sejam, dois empresários ou dois civis, sem habitualidade e continuidade.

Cláudia Lima Marques entende haver três formas de diálogo. A primeira forma é o diálogo sistemático de coerência, que consiste na aplicação simultânea das duas leis. A segunda, a qual denominou de diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade, ocorre quando há aplicação complementar de uma lei sobe a outra no que couber e for necessário. Por fim, o diálogo de adaptação ou coordenação que é utilizado para redefinir conceitos para aplicação de uma lei, como por exemplo, utilizar auxílio do Código Civil para definir o que se enquadra no conceito de consumidor para o CDC e consequentemente sua devida aplicação.

Além da aplicação entre o CDC e Código Civil, o diálogo das fontes (na forma do diálogo sistemático de coerência, diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade ou diálogo de adaptação ou coordenação) pode ser aplicado entre leis especiais e o CDC, deixando de utilizar os critérios tradicionais de especialidade ou hierarquia das leis. Para esse caso, temos como exemplo o objeto de estudo do presente trabalho.

No caso de transporte aéreo, há o Código Brasileiro de Aeronáutica além de tratados específicos como o Tratado de Varsóvia e de Montreal que limitam a indenização devida pelas companhias aéreas, porém o Superior Tribunal de Justiça optou por dar prevalência ao CDC e aplicá-lo para os voos nacionais, enquanto para voos internacionais optou pela aplicação simultânea dos tratados internacionais e o CDC, resultando na limitação da responsabilidade no que tange danos materiais em bagagens, e devida reparação integral no que diz respeito a danos morais para perda de bagagem.

Assim, no transporte aéreo nacional, por se tratar de uma nítida relação de consumo, com o advento do CDC, não é mais aplicável de forma primordial a Convenção de Varsóvia de 1929 (com alterações da Convenção de Haia e Convenção de Montreal) e nem o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei Federal nº 7.565/86), pois o CDC é lei específica, de ordem pública, posterior e com status constitucional de direito fundamental de terceira dimensão. Sendo assim, os primeiros se tornaram secundários devendo ser aplicados apenas quando previr normas mais favoráveis ao consumidor.

Nesse sentido preleciona José Geraldo Brito Filomeno (2009, p.20)

(...)no aspecto da defesa da cidadania, cuida-se de uma lei de ordem pública e interesse social, o que equivale a dizer que seus preceitos são inderrogáveis pelos interessados em dada relação de consumo, e seus preceitos são aplicáveis às relações verificados no mundo fático, ainda que antes de sua vigência.

O nosso ordenamento jurídico, devido sua pluralidade de leis deve ser interpretado em consonância com todas as leis e aplicando as mais benéficas ao consumidor. Nesse sentido dispõe o CDC em seu artigo 7°;

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Dessa maneira vemos que, mesmo com o pacífico reconhecimento da aplicabilidade do CDC nas relações consumeristas, observaram-se algumas antinomias e aparentes omissões que precisavam ser solucionadas.

Nesse caso, pela técnica do diálogo das fontes deve-se aplicar harmonicamente a fonte que de melhor forma tutelar os direitos do consumidor, independentemente de critérios de anterioridade ou especialidade, podendo inclusive aplicar parcialmente dispositivos de diversos diplomas legais.

Marques (2012, p.107)

Diante de fontes legislativas plúrimas, surge a necessidade de coordenação entre as normas do ordenamento jurídico. Tradicionalmente, os critérios para resolver os conflitos de leis no tempo são: a anterioridade, a especialidade e a hierarquia. A doutrina hoje procura a harmonia e coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema)- propiciando o diálogo de fontes – em lugar de exclusão, o que acabaria por propiciar a aplicação de uma só norma para o caso concreto – ideia de monólogo.(...)

O diálogo das fontes propiciará, portanto, a conexão intersistemática existente entre o CDC e outros diplomas legais, mais especificamente, o Código Civil de 2002, em decorrência da forte aproximação principiológica entre ambos, buscando ampliar os benefícios e amparar melhor o consumidor. 

Observa-se, portanto, ser aplicável todos os diplomas legais que disciplinem a matéria analisada. No caso, tanto o Código Civil no que dispõe acerca do transporte de pessoas nos dispositivos do artigo 740 do Código Civil, quanto ao CDC, incluindo portarias expedidas pela ANAC.











3 PRÁTICAS ABUSIVAS

 

As práticas abusivas possuem previsão meramente exemplificativa no artigo 39 do CDC. Logo percebemos que para conceituação de uma prática como abusiva devemos considerar os princípios da relação de consumo, precipuamente o Princípio da Boa Fé Objetiva para que esta seja parâmetro para auferir a existência ou não de abuso de direito.

 

3.1 OFERTA E PUBLICIDADE

Segundo Garcia (2012, pg. 260);

A oferta é um veículo que transmite uma mensagem, incluindo informação e publicidade. O fornecedor é o emissor da mensagem e o consumidor é o seu receptor.

(...)

A oferta (ou proposta) pode ser conceituada como a declaração inicial de vontade direcionada à realização de um contrato.

 

A oferta verbal ou escrita vincula o fornecedor quanto seu conteúdo, caracterizando tal vinculação como uma obrigação pré-contratual. Quanto à força da oferta, destaca-se o artigo 35 do CDC que elenca as consequências cabíveis quando o fornecedor não cumprir a oferta ou publicidade.

A publicidade é a divulgação de produtos ou serviços no mercado de consumo promovendo o lucro da atividade comercial. A publicidade por sí não está obrigada a expressar dados exatos da oferta, porém caso assim o faça o fornecedor será obrigado a cumpri-la em decorrência do Princípio da Vinculação Contratual. Desta forma, o serviço posto via publicidade com oferta vincula o fornecedor quanto ao seu cumprimento.

Nesse sentido o artigo 30 do CDC prevê que, a publicidade ou informação que for suficientemente precisa sobre o bem comercializado obriga o fornecedor e integra o contrato que posteriormente poderá ser celebrado.

Vale ressaltar que não caberá responsabilidade do fornecedor quando a publicidade ou oferta apresentar erro grosseiro e de fácil percepção, pois caso contrário, estaríamos desrespeitando o Princípio da Boa Fé por parte do consumidor.

Nesse contexto destaca-se também o Princípio da Veracidade e da Lealdade, que consistem em divulgar a veracidade da informação e não em falsas informações a fim de captar consumidores por meio de falsa expectativa. Caso a publicidade veiculada não corresponda à realidade dos fatos estaremos diante de uma publicidade enganosa (artigo 37, parágrafo 1º do CDC).

Quanto ao serviço de transporte aéreo observamos essa prática, por exemplo, em publicidades ofertadas nos endereços eletrônicos em que se veicula o valor de uma passagem de ida para algum local por um valor X, não aduzindo que apenas será cobrado o valor X se a passagem de volta também for comprada juntamente com a mesma, e essa última possui um valor excessivamente mais elevado do que o veiculado pela primeira.

Diante do amplo alcance da publicidade, a sua irregularidade pode acarretar danos de natureza difusa. Nesses casos poderá caber pleito de indenização por dano moral coletivo, instituto que será explanado posteriormente.

 

3.2 TUTELA CONTRATUAL

O consumidor, dada sua vulnerabilidade, possui tutela contratual diferenciada.

O Princípio da Equidade e Equilíbrio nas Relações de Consumo, previsto no artigo 4º inciso III do CDC, tendo em vista a garantia da isonomia material, assegura ao consumidor, dada sua condição de vulnerabilidade, que o contrato não estabeleça desproporcionalidade excessiva entre os contratantes.

Um efeito prático desde princípio é a possibilidade de revisão contratual ou de cláusula quando posteriormente o contrato se mostrar desigual. A revisão contratual possibilitada pelo direito do consumidor não se confunde com a estatuída no direito civil pela cláusula rebus sic stantibus, pois nesta se discute a previsibilidade ou não e a ocorrência de fatos supervenientes, enquanto que na revisão com base no direito do consumidor, apenas é necessário prova de desequilíbrio.

Do artigo 46 ao artigo 55 do CDC estão previstos os dispositivos legais que asseguram proteção contratual diferenciada ao consumidor.

O CDC traz, em seu artigo 46, o direito a informação na seara contratual. O citado artigo prevê que;

os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo dificultar a compreensão de seu sentido e alcance

 

Além das cláusulas deverem estar expressas no contrato, o parágrafo 4º do artigo 54 do CDC, preleciona ainda que as cláusulas restritivas de direitos devem ser redigidas com destaque.

Acerca do contrato de adesão (vide 1.2.2) é estipulado o tamanho mínimo da fonte como corpo doze. Esta norma busca também assegurar o direito à informação.

Com fundamento no artigo 47 do CDC, observamos que as cláusulas contratuais, em contratos de adesão ou não, devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor quando apresentarem qualquer espécie de ambiguidade. Esta norma visa assegurar a igualdade material visto que os consumidores possuem desigualdade fática com o fornecedor.

Ainda dentro do Capítulo VI- Da Proteção Contratual, temos o artigo 49, que trata do direito de arrependimento, que será tratado no tópico 3.2.2.3 como cláusula abusiva no contrato.

O direito de arrependimento segundo Cláudia Lima Marques é um prazo de reflexão obrigatório de sete dias dado ao consumidor, quando a compra for realizada fora do estabelecimento comercial do fornecedor.

A norma se justifica, pois visa proteger a compra consciente, vez que o consumidor quando realiza a compra fora do estabelecimento físico encontra-se ainda mais vulnerável. Nesse sentido Garcia dispõe (2012, pg. 353);

quando o consumidor está dentro do estabelecimento, ele pode verificar o produto ou serviço (condições de prestação do serviço etc)

(...)

tirar dúvidas pessoalmente com o vendedor; conversar com outros consumidores que porventura estejam no estabelecimento e que já adquiriram o produto e/ou serviço anteriormente. (grifo nosso)

 

Diante do exposto, observa-se que o direito de arrependimento é válido para qualquer compra de produto ou serviço realizado fora do estabelecimento comercial.

Garcia corrobora ainda (2012, pg. 355);

O direito de arrependimento não está vinculado a qualquer vício do produto ou serviço ou ainda a qualquer justificativa por parte do consumidor. Ou seja, o direito de desistir do negócio celebrado é imotivado. (grifo nosso)

 

Apesar do direito previsto no artigo 49 do CDC, como aduz a doutrina, não estar vinculado a algum serviço e sim valer a todos, no que cinge no contrato de transporte aéreo, como já será visto no item 3.2.2.3, este direito não vem sendo aplicado.

 

3.2.1Cláusulas abusivas

Como as práticas abusivas, as cláusulas abusivas estão exemplificativamente previstas no CDC.

O artigo 51 do CDC dispõe que as cláusulas abusivas serão consideradas nulas de pleno direito, podendo ser decretada sua nulidade por provocação ou de ofício pelo juiz, vez que as mesmas são de ordem pública.

Schmitt (2010, pg. 177) preleciona acerca da importância do controle das cláusulas abusivas;

 

O controle das cláusulas abusivas destina-se concretizar os ditames legais voltados para a garantia da harmonia nas relações de consumo e para a proteção do consumidor, a fim de conter o excessivo poder econômico da empresa, e por outro lado, proteger a parte economicamente mais fraca na relação contratual estabelecida nos moldes dos contratos de massa, seja em contratos de adesão e similares, seja em contratos paritários.

 

Como exemplo de cláusulas abusivas temos o;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

(...)

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. (grifo nosso)

 

Com o inciso II podemos relacionar a ausência de cláusula de direito ao arrependimento nos contrato de transporte aéreo. Logo, a ausência de direito de arrependimento no contrato de transporte aéreo é uma cláusula abusiva.

Com o inciso IV podemos relacionar as taxas de remarcação/cancelamento exorbitantes cobradas pelas empresas aéreas.

O inciso XV é bastante amplo, englobando toda e qualquer cláusula que viole o sistema de proteção ao consumidor. Nesta podemos incluir a taxa de emissão de bilhete tratada a seguir no item 3.2.2.5.

 

3.2.2As principais cláusulas abusivas do contrato de transporte aéreo

O contrato de transporte aéreo possui cláusulas específicas, que como será demonstrado, afrontam os ditames do direito do consumidor, vejamos as principais:

 

3.2.2.1 Cláusula de reembolso

A cláusula de reembolso disciplina a maneira qual se dará a restituição de valores ao consumidor no caso de cancelamento da viagem por ato de vontade do mesmo.

Os contratos de transporte aéreo de pessoas vigentes no país em sua maioria possuem cláusulas abusivas para as situações de cancelamento do voo. Como já fora explanado, as empresas deveriam se limitar a cobrança da taxa de administração no valor de 5% sobre o quantum pago no bilhete, conforme preleciona o artigo 740 do Código Civil. Além da regra do Código Civil, existe portaria da ANAC (Portaria 676/2000) que limita a taxa da multa de reembolso em 10% do valor da tarifa ou em 25 USD, o que for menor.

Porém, nos contratos das principais empresas de aviação nacionais, a taxa (multa) cobrada por elas chegam a custar até 50% do valor do bilhete aéreo.

Vale ressaltar que, esses valores além de exorbitantes, são fixos, pois são cobrados de forma indistinta independentemente da antecedência que o consumidor informa a sua vontade e cancelar o bilhete, desrespeitando mais uma vez que do preleciona o Código Civil no que tange a ausência de cobrança de qualquer taxa, quando a comunicação for feita com antecedência que possibilite a renegociação por parte do transportador.

3.2.2.2 Cláusula de remarcação

A cláusula de remarcação regula as condições para a alteração da data ou horário do bilhete de voo.

Situação semelhante à exposta no tópico anterior, ocorre quando o passageiro requer a remarcação do bilhete. Independentemente da antecedência com que o mesmo faz o requerimento, a taxa administrativa cobrada é fixa e abusiva, extrapolando o limite legal já citado.

Para ambos os casos (cancelamento/remarcação), as empresas aéreas utilizam o argumento de o bilhete adquirido na tarifa promocional possui regras específicas, uma delas sendo a taxa administrativa elevada para eventual remarcação.

 

3.2.2.3 Ausência de cláusula de arrependimento

A chamada cláusula de arrependimento consiste em um direito disposto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que garante ao consumidor o prazo de 7 (sete) dias para desistir imotivadamente da compra, tendo ressarcido de forma integral o valor já pago, quando a compra for realizada fora do estabelecimento comercial do fornecedor, no caso de contratos aéreos, especialmente por via telefônica ou virtual.

O direito de arrependimento tem como finalidade resguardar a vontade real do consumidor que por impulso, desconhecimento das condições reais ou mesmo pela falta de informações precisas, encontra-se mais vulnerável na contratação por esses meios, não pessoais de contratação. Esse direito também é chamado de prazo de reflexão obrigatória. A razão do arrependimento é pelo fato de o consumidor não estar frente a frente com o vendedor, fator imprescindível para uma decisão presumidamente racional sobre a compra.

Tanto por meio telefônico como por meio virtual, os contratos firmados com as companhias aéreas brasileiras não asseguram ao consumidor o direito de desistir da compra do bilhete no prazo legal obrigatório de 7 (sete) dias. O usuário até mesmo quando adquire uma passagem aérea via internet, com a data enganada e imediatamente tenta cancelar a compra que por falta de atenção adquiriu erroneamente, se depara com a taxa abusiva de remarcação cobrada pelas referidas empresas.

É válido ressaltar que, o direito de arrependimento está previsto no CDC sem nenhuma ressalva de aplicação, sendo aplicável a todos bens e serviços adquiridos fora do estabelecimento comercial, logo não há sequer o que discutir a cerca de sua aplicação nos contratos de transporte aéreos, considerando que o CDC é norma ordem pública, interesse social e os direitos nele assegurados são inderrogáveis.

Diante do tema taxa de remarcação e direito de arrependimento, é válido ressaltar a ação civil pública de n. 2007.39.00.007919-9. Vejamos;

Em setembro de 2007, o Ministério Público Federal no Estado do Pará, ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, em face de seis companhias aéreas nacionais, além da agência reguladora ANAC.

A referida ação questionou diversos temas no que tange a aplicação dos princípios de proteção do direito do consumidor e as cláusulas dos contratos de transporte aéreo, como a abusividade na taxa de rescisão contratual e remarcação do bilhete aéreo, além do desrespeito ao prazo legal de arrependimento de sete dias previsto no Código de Defesa do Consumidor.

No caso em questão a ANAC foi incluída no polo passivo da ação devido sua atitude omissiva quanto a sua incumbência legal de reprimir as infrações à legislação, tutelando os direitos dos usuários. Competência esta, prevista no artigo 8º inciso XXXV, da Lei 11.182/2005, vejamos; “reprimir infrações à legislação, inclusive quanto aos direitos dos usuários, e aplicar as sanções cabíveis”.

A ação civil pública em seus pedidos requereu; a alteração das cláusulas abusivas no que tange a taxa de remarcação e cancelamento, a inclusão do direito de arrependimento para compras realizadas fora do estabelecimento, bem como, pleiteou a repetição do indébito e consequente devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelos consumidores, além de indenização por dano moral coletivo.

O MPF analisou os contratos de adesão das seis empresas aérea rés na demanda e verificou infringência aos seguintes dispositivos legais: artigo 49, artigo 51, incisos II, IV, XI e XV, todos do CDC, além do artigo 740 do CC e artigo 7º, parágrafo 1º, da Portaria n. 676/GC5 da ANAC.

No mérito o Ministério Público aduziu, com fundamento nos artigos 46 e 49, ambos do CDC, que os contratos na relação de consumo apenas obrigam os consumidores quando a estes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, por isso deve ser dada ampla informação às cláusulas limitadoras de direito, e que no caso dos serviços de transporte aéreo não é dada esse amplo conhecimento.

Além disso, alegou que o direito de arrependimento deve ser aplicado à compra de bilhetes aéreos quando o serviço for contratado fora do estabelecimento comercial, desde que feito no prazo legal de sete dias, ocasião em que deverá ser ressarcido o total do valor contratado. Vejamos;

atualmente, grande parte das aquisições de bilhetes aéreos são realizados fora do estabelecimento comercial, notadamente por meio da internet, bem como da não advertência necessária quanto as cláusulas limitadoras de direito dos consumidores.

 

Tendo em vista o parágrafo 3º do artigo 740 do CC que estipula o teto de 5% do valor do bilhete a título de multa compensatória para a rescisão contratual por parte do passageiro, e o artigo 7° da Portaria n° 676/GC-5 da ANAC que prevê limite 10% do valor da passagem como taxa de administração, o MPF propôs que fosse cobrado como taxa administrativa o valor de 5% quando a alteração for comunicada ao transportador a tempo de ser renegociada e o percentual de 10% quando a comunicação se der fora do tempo hábil para renegociação. O MPF requereu que o juízo fixasse o prazo em que se considere tempo hábil para renegociação, opinando o Parquet pelo prazo de 7 (sete) dias.

O juízo da 5ª Vara Federal julgou parcialmente procedente a ação civil pública, o qual deferiu o pleito de limitação da taxa no patamar de 5%, quando requerida com antecedência para renegociação por parte da empresa, e de 10% do valor do bilhete, quando não haja o tempo para renegociação. Além disso, o juiz determinou que fossem restituídas as diferenças pagas pelos consumidores em todas as passagens compradas desde cinco anos antes à propositura da ação.

A decisão condenou ainda, a pagar a título de dano moral coletivo o montante de 20% do valor ilegalmente cobrado ao fundo previsto no artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública. No que tange o pedido de aplicação do direito de arrependimento (artigo 49 do CDC), o juiz rejeitou o pedido alegando em suma que, o mesmo não é aplicável à compra de passagens aéreas pela internet, pois diferentemente de outros produtos ou serviços, quando se adquire uma passagem aérea, se pensa com antecedência, razão pela qual não há motivo para aplicação do direito de arrependimento. Julgou igualmente improcedente o pedido de devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, pois entendeu que por haver dúvida acerca da aplicação ou não do percentual, não haveria má fé das empresas aéreas, logo não a restituição não deveria ser em dobro.

Após a propositura de Embargos de Declaração, o juiz a quo, considerou o prazo de 15 (quinze) dias, como tempo razoável de renegociação para cobrança da taxa de 10% nos casos em que o requerimento do consumidor não ocorre em tempo do bilhete ser renegociado.

O Parquet interpôs recurso de Apelação em face da parte da sentença que negou a aplicação do direito de arrependimento à relação de consumo entre passageiros e fornecedor do serviço aéreo. Vejamos um trecho da apelação;

Inicialmente, vale ressaltar que não cabe ao julgador interpretar restritivamente dispositivos legais de proteção ao consumidor. Em outros termos, não cabe ao interprete restringir aos benefícios estabelecidos pelo legislador à uma categoria hipossuficiente, atuando como legislador positivo.

(...)

O principal objetivo da norma é permitir que a parte mais fraca da relação de consumo possa decidir refletidamente e com calma. Protege-se o consumidor contra técnicas agressivas de vendas - por telefone e pela internet. De outra ponta, se o consumidor é quem teve a iniciativa de ir ao estabelecimento do fornecedor efetuar a contratação, não cabe o direito de arrependimento.

(...)

A irrenunciabilidade do direito de arrependimento decorre da natureza de ordem pública das normas de direito do consumidor, que não podem ser afastadas pela vontade das partes e muito menos pela do julgador, conforme ocorreu no caso em epígrafe.

As empresas aéreas recorreram e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por meio de decisão monocrática do relator, suspendeu a decisão até o julgamento do mérito da apelação. Os recursos de apelação ainda não foram julgados.

No mérito as empresas, na qualidade de concessionárias/permissionárias de serviço público requereram a suspensão da liminar nos termos do artigo 4º da Lei 8.437/1992 e do artigo 15 da Lei 12.016/2009. As mesma alegaram em suma que, a) a sentença viola o artigo 49 da Lei 11.182/2005 que estabelece o regime da liberdade tarifária, b) que ao produzir efeito apenas para as companhias rés no processo, cria uma perigosa assimetria entre as empresas rés e não rés que operam no país, c) que a decisão causa insegurança jurídica no setor de transporte aéreo, o que acarreta desestímulo à novas empresas investirem no setor o que acarreta redução da concorrência e oferta de passagens.

O Tribunal Regional Federal julgou o recurso e suspendeu a decisão liminar concedida em favor dos consumidores, fundamentando sua decisão em suma, no fato de que se mantida iria acarretar grande impacto a economia pública e significativo prejuízo aos consumidores, extraí trechos da decisão, vejamos;

 

Com efeito, em uma primeira visão, a decisão indica um benefício e proteção aos consumidores, porém, ao examinarmos todo o mecanismo que envolve as taxas de reembolso e de remarcação de passagens aéreas, a decisão acarretará significativo prejuízo aos consumidores e à econômica pública.

(...)

Ora, nos autos há inúmeros elementos que evidenciam o risco ao interesse público que a decisão representa. Com efeito, a restrição de aplicação de custo mais expressivo para a alteração de reservas de assentos promocionais poderá elevar significativamente o nível de cancelamentos e remarcações de passagens, diminuindo a previsibilidade de número de passageiros em um voo. Como consequência, haverá restrição na oferta de bilhetes promocionais, prejudicando toda uma política voltada à popularização do transporte aéreo (grifo nosso)

 

Podemos analisar a decisão do TRF acima transcrita, como uma decisão pragmática, visto que a decisão aparentemente foi tomada visando suas consequências e não o substrato jurídico em questão. Acerca do pragmatismo jurídico vejamos um trecho extraído do endereço eletrônico http://www.cis.puc-rio.br/cedes/PDF/paginateoria/pragmatismo.pdf;

 

E a melhor decisão, para o pragmatista, é aquela que melhor corresponder às necessidades humanas e sociais. Um juiz pragmatista é um juiz preocupado em intervir na realidade social – criando, com suas decisões, verdadeiras políticas públicas. Ele não se encontra fechado dentro do sistema jurídico: a concepção pragmatista do direito implica que se adotem recursos não-jurídicos em sua aplicação, e que se recebam, constantemente, contribuições de outras disciplinas em sua elaboração. (grifo nosso)

 

Em sentido semelhante, tramita no Estado do Rio de Janeiro a Ação Coletiva de n. 0221577-28.2012.8.19.0001, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (CODECON) em face de cinco empresas aéreas brasileiras, pedindo a redução da taxa de remarcação para o patamar de 5%, previsto no artigo 740 do Código Civil, bem como o ressarcimento em dobro dos valores já pagos pelos consumidores.

A ação coletiva se fundamentou no artigo 740 do CC que estabelece o teto de 5% para remarcação, bem como no artigo 39 do CDC o qual veda a cobrança de vantagem manifestamente excessiva aos consumidores, além do artigo 884 do CC por entender que cobrança de valores excessivos acarreta em enriquecimento sem causa em favor das empresas aéreas, além de não estabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.

A ação coletiva foi interposta em maio de 2012, e ainda aguarda julgamento, podendo ser consultada no endereço eletrônico http://www.tjrj.jus.br.

 

3.2.2.4 Cláusula sobre responsabilidade de bagagens

As cláusulas sobre a responsabilidade de bagagens preveem as regras de responsabilização adotadas no caso de extravio ou perda de bagagens despachadas.

Os contratos aéreos possuem três irregularidades no que tange essa cláusula. Primeiramente, as empresas impõem cláusulas que restringem o valor da indenização devida, prevendo indenização de acordo o peso da bagagem, levando em consideração regras do Código Brasileiro de Aeronáutica. Contudo, na realidade o correto é que o consumidor seja indenizado pelo quantum de dano que for comprovado, tendo em vista o princípio da ampla reparação do dano.

Outra regra abusiva se dá quando a companhia impõe ao consumidor que a reclamação do dano à bagagem ocorra imediatamente à sua entrega, vez que nem sempre é possível a constatação no momento imediato da entrega.

Por fim, tem-se a regra que dispõe sobre o extravio de bagagem. Esta cláusula prevê a isenção de responsabilidade da empresa, quando a devolução da bagagem ocorrer em até 30 (trinta) dias da apresentação do protesto perante o fornecedor. Nessa situação, outra vez, o princípio da restituição integral dos danos causados é violado, considerando que esta regra presume que não há dano ao consumidor no caso de não entrega de sua bagagem pelo prazo de 30 dias. O que considerando o sistema jurídico, não é possível, visto que caso seja comprovado o dano, devida será a indenização ao causador.

 

3.2.2.5 Taxa de emissão de bilhete 

A taxa de emissão é uma taxa cobrada aos consumidores, quando optam por efetuar a compra dos bilhetes por telefone ou nos balcões dos aeroportos. Os valores cobrados variam de R$ 30 a R$ 40, em algumas companhias aéreas chegando a ser 10% do valor da passagem.

Essa condição pré-contratual limita as formas do consumidor em adquirir o bilhete, que se mostra obrigado a efetuar a compra mediante a internet para não pagar a taxa abusiva cobrada.

A agência de regulação ANAC não disciplina a possibilidade ou não de cobrança dessa taxa, porém aplicando o direito do consumidor não se mostra lícita essa cobrança vez que tal prática força o consumidor a adquirir o bilhete por meio com menos informações, qual seja a internet.

 

3.2.2.6 Cláusula de eleição de foro

A cláusula de eleição de foro consiste na pactuação entre as partes para eleger um foro diferente do previsto em lei. Esta cláusula é reconhecida expressamente como cláusula abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de relação de consumo, o foro devido para dirimir conflitos é do domicilio do consumidor, com a finalidade de facilitar que ele busque seus direitos.

No contrato da companhia aérea GOL (anexo), o foro eleito é o da sede da empresa, normalmente nas capitais dos Estados de São Paulo.

Estas cláusulas estão previstas em diversos contratos de transporte aéreo das empresas aéreas que operam no Brasil. E como se pode observar, como as demais, ferem os direitos dos consumidores.

 

3.3 OUTRAS PRÁTICAS

Existem práticas que não se enquadram nem como parte do contrato e nem como publicidade ou oferta. Temos como exemplo, a venda casada.

Acerca do tema vislumbramos a prática de venda casada quando por exemplo, se adquire um bilhete aéreo e automaticamente está marcada a opção de seguro de viagem ou poltrona maior com cobrança adicional. O correto seria que o consumidor manifestasse a sua vontade para aderir a tais serviços adicionais, porém o que ocorre é que o consumidor precisa desmarcar a opção, na maioria das vezes, marcada automaticamente nos sites no momento da compra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 RESPONSABILIDADE

A responsabilidade é o dever de assumir as consequências de um ato praticado. Um mesmo ato poderá acarretar a responsabilidade civil, penal e administrativa de forma simultânea e independente. Cada uma tem âmbito de competência e procedimentos distintos.

Quanto à responsabilidade no âmbito do Código de Defesa do Consumidor existem dois tipos de responsabilidade, uma causada por defeito (ou fato) do produto ou serviço, e a outra por vício. A primeira diz respeito à segurança e incolumidade física ou psíquica do consumidor, enquanto a segunda, se relaciona com a frustração econômica e dano patrimonial do mesmo.

No caso de fato do serviço decorre o direito de pleitear indenização por danos materiais e morais, enquanto no vício do serviço em regra não há esta indenização visto que o consumidor tem o direito de pleitear o saneamento do vício e em última esfera a reparação por prejuízos causados.

Nesse sentido Marcelo etc (2009, pg. 157) parafraseia José Guilerme Vasi Werner;

Se um dano moral surge da mera existência de um vício de qualidade ou de quantidade que deixa o produto ou serviço impróprio para seu uso normal ou diminuía seu valor, é porque esse vício deixou de se referir ao âmbito da funcionalidade do produto ou do serviço para alcançar o âmbito da segurança, o que o transforma em um verdadeiro defeito, a ensejar a responsabilidade do fornecedor (...)

Os vícios podem ser de quantidade ou de qualidade. Os vícios de quantidade estão elencados no artigo 19 do CDC, enquanto os vícios de qualidade estão elencados no artigo 20 do CDC. Quando tratamos de transporte aéreo destacamos o foco para os vícios de qualidade do serviço.

Segundo GARCIA (2012, pg. 181) os vícios de qualidade dos produtos ou serviços se dividem quanto os vícios que geram a impropriedade ao consumo, os que diminuem o valor do mesmo e os que contem falhas de informação.

Acerca do tema GOMES (2009, pg. 151) ensina,

O vício no fornecimento de serviços é a prestação insatisfatória dos mesmo, deixando o consumidor frustrado em relação ao contrato ou em relação ao que se podia esperar daquela prática comercial. Isso implica dizer que o serviço prestado é falho em algum aspecto ou elemento a ele inerente, e essa falha é classificada como vício do serviço.

(...)

O fornecimento satisfatório dos serviços é um valor imperioso no ordenamento jurídico brasileiro, e qualquer incorreção na sua prestação deve ser imediatamente combatida. Com a edição do CDC, o consumidor passou a ter o direito subjetivo à correta prestação de serviço.

 

 

Nessa linha de raciocínio podem-se destacar os julgados da Turma Recursal do Distrito Federal;

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE BAGAGEM EM TRANSPORTE AÉREO. ABALO MORAL INDENIZÁVEL. NEGLIGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APLICABILIDADE DOS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, E NÃO, DO CÓDIGO BRASILEIRO AERONÁUTICO. SENTENÇA MANTIDA. 1 - O EXTRAVIO DE BAGAGEM EM TRANSPORTE AÉREO, AINDA QUE POSTERIORMENTE RECUPERADA, CAUSA ABALO EMOCIONAL E INCONVENIENTES DIVERSOS AO PASSAGEIRO, QUE DEVE SER RECOMPOSTO, EM VIRTUDE DA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO COLOCADO A SEU DISPOR, QUE INCLUIU, TAMBÉM, O TRANSPORTE INCÓLUME DE SEUS PERTENCES. 2 - TRATANDO-SE DE RELAÇÃO DE CONSUMO, IMPÕE-SE A APLICAÇÃO, IN CASU, DOS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, QUE POR SE TRATAR DE LEI POSTERIOR, PREVALECE, NESTE PARTICULAR, EM DETRIMENTO DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA. 3 - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

(Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF Acórdão nº 169638 do Processo nº20010111175095 acj 03/12/2002 )

 

Como podemos vislumbrar a falha na prestação do serviço acarretou em responsabilidade por dano moral para o fornecedor independente de recuperação posterior da bagagem, visto que foi frustrada a expectativa do consumidor em ter o contrato executado conforme o avençado.

 

4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL

Para Maria Helena Diniz (2010, pg. 34) responsabilidade civil consiste na;

aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoas por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.

Observamos, portanto que a responsabilidade civil consiste no dever de reparar um dano causado pela prática de um ato ilícito (ação ou omissão), podendo ser de cunho patrimonial ou moral.

Para sua caracterização é necessária presença de três elementos básicos que são; conduta, dano e nexo causal. Quando tratamos de responsabilidade subjetiva podemos falar em um quarto elemento, que é a culpa.

Em sua origem, a responsabilidade civil pela teoria clássica civilista se fundamentou no elemento culpa, na forma de dolo ou culpa stricto sensu, que envolve negligência, imprudência ou imperícia. Porém, com o progresso das relações sociais, propiciada pelo desenvolvimento industrial, observou-se a necessidade de expansão do conceito de responsabilidade civil, ocasião em que surgiram outras teorias com fulcro em promover maior proteção às vítimas.

Nesse contexto surgiu a Teoria do Risco, que sem excluir a originária teoria da culpa, protege alguns casos específicos em que a teoria da culpa se mostra impotente, e aplica a teoria objetiva de responsabilidade.

A Teoria do Risco, uma das teorias que busca justificar a ideia de responsabilidade objetiva, se fundamenta no exercício voluntário de uma atividade que previamente pode saber que o risco a ela é inerente.

Nessa senda é pertinente o aduzido por Carlos Roberto Gonçalves (2003, pg. 7);

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos)



O Código Civil Brasileiro adotou a teoria subjetiva de responsabilidade, pois como prevê em seu artigo 186, para haver o dever se reparar é necessário prova de negligência, imprudência ou imperícia. Há, porém casos específicos em que se tem culpa presumida devido à situação de fato ou por mera determinação como, por exemplo, a adoção da responsabilidade objetiva (quando há dispensa da demonstração do dolo ou culpa) no Código Brasileiro de Aeronáutica no que diz respeito a acidentes aéreos.

O CBA em seu artigo 256 257 prevê objetivamente a responsabilização do transportador por acidentes aéreos, excluindo-se apenas em caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e estado de saúde preexistente. Tal entendimento é expresso por Gonçalves (2003, pg. 21)

Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigada reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura)

 

Nesse sentido podemos entender que quando há responsabilidade objetiva o ônus da prova é invertido em prol da parte contrária, visto que cabe a ela demonstrar que há alguma causa de excludente de culpa.

No que tange a formação da responsabilidade civil, ela pode ser de índole contratual ou extracontratual (aquiliana). A primeira deriva da transgressão de uma norma contratual, logo quando há uma relação jurídica estabelecida entre as partes; já a segunda nasce da pura transgressão da lei.

Para Morsello, a responsabilidade civil exerce quatro funções, o qual destaca a função de prevenção de comportamento, a indenização da vítima, diluição do encargo dos danos e garantia dos direitos dos cidadãos. Ou seja a de obrigar o causador do dano a reparar a vítima visa reprimir posteriores comportamentos semelhantes, a de reparação do prejuízo patrimonial ou abalo moral da vítima, e de garantia à toda a sociedade de que há direitos que quando violados ensejam em reparação por toda e qualquer pessoa.

 

4.1.1 Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo

Em sentido diverso à regra geral do Direito Civil, quando tratamos de relação de consumo, a teoria aplicada é da responsabilidade objetiva, ou seja, a mera demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano pelo consumidor é bastante para que se faça jus ao direito de ser indenizado.

Vale ressaltar que tal regra é aplicada tanto para vício quanto para fato/defeito do produto ou serviço.

A adoção da responsabilidade objetiva nas relações de consumo se justifica pela Teoria do Risco do Negócio ou Risco da Atividade aplicada aos fornecedores, devido explorarem atividade econômica no mercado de consumo.

Vale ressaltar que o CDC não adotou a Teoria do Risco Integral, ou seja, na Teoria do Risco da Atividade há possibilidade de se invocar excludentes tais quais culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, porém cabe ao fornecedor provar as excludentes, vez que a sua responsabilização é presumida.

Nesse sentido se mostra a ementa da decisão abaixo;

CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. ATRASO E CANCELAMENTO DE VÔO. APAGÃO AÉREO. DANO MORAL. 1. A RESPONSABILIDADE DA EMPRESA AÉREA POR CANCELAMENTO DE VÔO E EVENTUAL DANO CAUSADO AO CONSUMIDOR É OBJETIVA. A CONFIGURAÇÃO DE DEVER DE INDENIZAR INDEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE DOLO OU CULPA, CONFORME DISPÕE O ART. 14, § 3º, DO CDC. 2. O LONGO ATRASO NO EMBARQUE E CHEGADA DO PASSAGEIRO AO DESTINO CONFIGURA O DANO MORAL PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. 3. NÃO TENDO SIDO COMPROVADA A CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO, PREVALECE A RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO DE INDENIZAR OS PASSAGEIROS PELOS DANOS MORAIS CAUSADOS. 4. APELAÇÃO PARCIAMENTE PROVIDA, POR MAIORIA.

(Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF Acórdão nº 346490 do Processo nº20070110091054acj Data:17/02/2009)

 

Por se tratar de relação de consumo, a responsabilização é objetiva.

4.1.2 Teoria da Perda de uma Chance

Dentro do assunto responsabilidade, é bastante interessante a análise da Teoria da Perda de uma Chance, que em alguns casos vem sendo aplicada pelo Judiciário.

A Teoria da Perda de uma Chance, com origem no Direito Francês, no Brasil é uma construção jurisprudencial e doutrinária moderna acerca de indenização, vez que possibilita o dever de indenizar mesmo quando não um dano concreto imediato e sim um dano por não ocorrência de um possível lucro ou possível tentativa de evitar um dano.

A referida teoria presa pela mensuração de um dano pela não ocorrência de uma situação que poderia concretamente trazer uma vantagem, ou seja, é um dano inverso.

A perda de uma chance está sendo admitida no ordenamento jurídico brasileiro em sede de responsabilidade civil tanto na seara de direito privado quanto na de direito público, por responsabilização do Estado.

O Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento que para a aplicação desta teoria é necessária comprovação efetiva que a houve concreta chance de obtenção da vantagem perdida, e que a perda dessa oportunidade acarretou dano à pessoa. O STJ mostra posicionamento claro em fixar que não é qualquer expectativa subjetiva de êxito ou esperança desarrazoada que enseja em dever de reparar dano inexistente.

No caso de transporte aéreo vejamos a decisão do STJ,

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. TRANSPORTE. AÇÃO ORDINÁRIA. EXTRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM. PERDA DE UMA CHANCE NÃO DEMONSTRADA. 1. Tendo sido comprovado o extravio da bagagem do passageiro, resta caracterizada a falha na prestação do serviço de transporte aéreo, ensejando a condenação da companhia aérea à reparação dos prejuízos materiais e morais pleiteados pelo autor. 2. Ainda que não tenha sido apresentada a tradução dos comprovantes de despesas redigidos em língua estrangeira, mostra-se possível aferir os gastos realizados pelo demandante. Hipótese em que incumbia à demandada demonstrar que o autor recebera a bagagem intacta, ônus do qual não se desincumbiu. 3. Não restou demonstrado nos autos o nexo causal entre o evento (extravio da bagagem) e o resultado danoso consistente na perda da chance de concretização da venda de dez mil garrafas de vinho, não merecendo reparo a sentença que repeliu, no ponto, a pretensão indenizatória do autor. 4. Diante das especificidades do caso sob comento, vai confirmada a verba indenizatória arbitrada a título de danos morais, de modo a compensar o abalo experimentado, sem gerar enriquecimento sem causa, e alertar a empresa requerida para a necessidade de tomar as providências cabíveis a evitar a repetição de situações similares. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70052125366, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 13/12/2012) (grifo nosso)

A decisão acima não aplicou a teoria por não entender estarem presentes os requisitos necessários para sua aplicação, qual seja a demonstração do nexo causal entre o extravio da bagagem e o resultado danoso.

Outra situação em que se pleiteia responsabilização civil das empresas aéreas com base na teoria da perda de uma chance é no caso de passageiro inscrito em concurso público, que deixa de realizar a prova devido problemas com o transporte aéreo. Vejamos decisão do STJ,

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. VOO DOMÉSTICO. FALHA DO SERVIÇO. ATRASO E POSTERIOR CANCELAMENTO DE VOO. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE NA REDUÇÃO DO QUANTUM. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ.

2. Contudo, em hipóteses excepcionais, quando manifestamente evidenciado ser irrisório ou exorbitante o arbitramento da indenização, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão.

3. No caso concreto, o Tribunal a quo manteve em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a indenização fixada em razão de atraso de voo e posterior cancelamento, o que impediu a autora de participar de concurso público para o qual havia se inscrito.

4. Nesse contexto, a indenização foi reduzida para R$ 10.000,00 (dez mil reais), a fim de adequar o valor à jurisprudência desta Corte.

5. O prequestionamento é pressuposto de admissibilidade do recurso especial. Aplicação das Súmulas ns. 282 e 356 do STF.

6. O acórdão recorrido, ao arbitrar o quantum indenizatório, não

enfrentou o tema da teoria da perda de uma chance, portanto aplicáveis as Súmulas ns. 282 e 356 do STF.

7. Agravo regimental desprovido

(AgRg no AREsp 167480 / GO
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2012/0079169-2 DJe 27/09/2012)(grifo nosso)

A decisão acima transcrita não pôde analisar o mérito da questão pleiteada como aplicação da teoria da perda de uma chance, devido não ter sido ventilada em instância inferior. Porém, a decisão é de grande valor a título de demonstração de quais situações é possível invocar a teoria em discussão.

4.1.3 Dano Moral Coletivo

Quando estudamos responsabilidade é igualmente relevante tratar da responsabilização por danos a coletividade. Nesse assunto temos o dano moral coletivo, que após a Constituição Federal de 1988 vem sendo aplicado quando há dano na esfera moral da coletividade.

O dano moral pode ser conceituado como um dano de natureza extrapatrimonial que afeta a dignidade do indivíduo e frustra o grau de tolerabilidade de conduta esperada. Para Nehemias (2011, pq 8) dano moral é;

 

toda agressão injusta aos bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, assim como da coletividade, insuscetível de quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade: satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a sociedade.

 

O dano moral pode se apresentar da forma individual ou coletiva, sendo esta última quando há violação de valores de toda uma comunidade.

O dano moral coletivo é caracterizado quando há violação de direitos coletivos latu sensu , tais quais, à normas de direito do consumidor, ambientais, patrimônio historio, por exemplo.

No que cinge as relações de consumo este possui base de fundamentação no artigo 6º inciso VI do Código de Defesa do Consumidor, o qual trata da ampla e efetiva reparação dos danos causados.

Nehemias de Melo conceitua dano moral coletivo (2011, pg 30) parafraseando João Carlos Teixeira;

injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinja a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhe sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sentimento psicofísico

 

Vejamos a decisão do STJ que aplicou indenização por dano moral coletivo;

 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE TELEFONIA – PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA - DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS - DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.

1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.

2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).

3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.

4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.

5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos:

a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares;

b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso;

c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina;

d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas;

e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.

6.- Recurso Especial improvido, com determinação.

REsp 1291213 / SCDJe 25/09/2012 (grifo nosso).

 

Como observamos, o STJ entende que para a aplicação do dano moral coletivo é necessário mais que a demonstração de mera infringência aos direitos dos consumidores, sendo necessária a demonstração de grave violação a direitos que cause abalo de ordem extrapatrimonial coletiva.

 

4.2 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

A responsabilização administrativa é aplicada pelos órgãos e entidades da administração tais como, PROCONS estaduais e municipais, agências reguladoras, e demais órgãos fiscalizadores ou auxiliares de fiscalização.

No artigo 55 ao artigo 60 do CDC, observamos as sanções administrativas existentes e a competência para sua aplicação. O CDC reconheceu como competência da União e Estados legislar sobre normas de produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços, enquanto atribuiu concorrentemente à União, estados e municípios editar normas no que tange a fiscalização e controle de produção, distribuição e publicidade dos produtos e serviços.

As sanções podem ser de ordem pecuniária (multa), pessoal ou subjetiva do fornecedor (revogação da concessão ou permissão de uso) ou ainda objetiva (suspensão de determinado serviço ou proibição de fabricação de produto).

Vale destacar o artigo 59 parágrafo 1º do CDC, quando trata da cassação da empresa concessionária de serviço público quando houver violação de obrigação legal ou contratual. Quanto aos serviços públicos, o artigo 22 do CDC, garante que os mesmos devem ser “adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais, contínuos”. Essas características são corolários do princípio da racionalização e melhoria dos serviços públicos, previsto no artigo 4ª, inciso VII do CDC com artigo 6º inciso X, que prevê como direito básico do consumidor, a adequação e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Sobre o tema de transporte aéreo de passageiros, é válido ressaltar a possibilidade da agência reguladora ANAC, aplicar sanções às empresas desde a mais branda com aplicação de uma multa, até a mais grave que seria a medida extrema de revogar a concessão do serviço público de transporte aéreo.

Acerca da sanção de multa vejamos a afirmação do Ministro Teori Zavascki;

A multa prevista no art. 56 do CDC não visa à reparação do dano sofrido pelo consumidor, mas sim à punição pela infração às normas que tutelam as relações de consumo. (STJ, RMS 21520/RN, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17/18/2006)

 

4.2.1 Ação Preventiva Mandamental

O artigo 102 do CDC prevê a possibilidade da propositura de Ação Preventiva de Natureza Mandamental pelos legitimados do artigo 82 (Ministério Público, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta e associações constituídas há pelo menos um ano que tenha incluído entre seus fins institucionais a defesa dos direitos protegidos pelo CDC). A referida ação tem como escopo forçar o poder público a fiscalizar os fornecedores. A sentença proferida em uma ação mandamental consiste na determinação de fazer algo, no caso do artigo 102 do CDC é para que se realizem as medidas preventivas pleiteadas. Para forçar o cumprimento o juiz pode ainda estipular multa diária (astreintes) e o descumprimento poderá incorrer em crime de desobediência.

 

4.2.2 Agência Nacional De Aviação Civil – ANAC

Antes da criação da ANAC, quem regulava o serviço aéreo nacional era o Departamento de Aviação Civil, entidade ligada ao Ministério da Aeronáutica.

No ano de 2005, a lei 11.182 criou a ANAC, a qual possui natureza jurídica de autarquia especial, com personalidade jurídica própria e independência administrativa, vinculada ao Ministério da Defesa, e possui a função de fiscalizar e regular o serviço aéreo de aviação civil, bem como a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do país.

A ANAC possui como função a regulação técnica e econômica. A primeira diz respeito aos requisitos de segurança da aviação civil, a qual se destina a normatização e fiscalização de produtos e treinamento de funcionários, por exemplo. De outro lado, a regulação econômica se destina a intervenção no mercado para garantir aos usuários e a prestação não abusiva de um serviço público.

A ANAC possui função de; manter a continuidade na prestação de um serviço público de âmbito nacional; zelar pelo interesse dos usuários; cumprir a legislação pertinente ao sistema por ela regulado, considerados, em especial, o Código Brasileiro de Aeronáutica, a Lei das Concessões, a Lei Geral das Agencias Reguladoras e a Lei de Criação da ANAC. Informações retiradas do site: http://www2.anac.gov.br/anac/atribuicoesAnac.asp)

Como se observa, a função da agência reguladora em questão é de fiscalizar, ou seja, agir proativamente, podendo caracterizar em omissão responsabilizável a sua inércia.

A responsabilidade da ANAC, devido ser uma agencia reguladora, ocorrerá nos termos da responsabilidade do Estado. Logo, quando se dá por omissão, é responsabilidade subjetiva, em que pese se tratar de uma relação de consumo.

 

4.2.3 Procons

No âmbito da responsabilidade administrativa outro órgão que possui fundamental importância é o PROCON. Os PROCONs são órgãos executivos que exercem o poder de polícia, podendo aplicar multas, autuar, conciliar.

Nesse sentido é pertinente a leitura de trecho do julgado do STJ;

Quando as condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse do consumidor, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido pelo sistema nacional de defesa do consumidor. Tal atuação na se confunde com a atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária. (REsp 1.138.591/ RJ. Rel. Min. Castro Meira. Dj 22/09/2009)

 

4.3 RESPONSABILIDADE PENAL

 

A responsabilidade penal encontra previsão no CDC além de outras leis esparsas, como por exemplo, a lei 8.137/1990.

O sujeito ativo dos crimes é o fornecedor, conceituado no artigo 3º do CDC. Há de se ressaltar que no âmbito penal a responsabilidade é subjetiva, e não objetiva como na seara cível.

No Código de Defesa do Consumidor as infrações penais estão dispostas no Título II.

O CDC tutelando o direito à informação, no artigo 63 do CDC, prevê como crime a conduta omissiva de não informar acerca da nocividade ou periculosidade de produtos nas embalagens ou publicidade.

Em sentido semelhante, o artigo 66 do CDC, tipifica como crime a conduta de omitir ou fazer afirmação falsa de infiormações relevantes do serviço ou produto.

Além destes existem outros crimes, que tem como bem jurídico tutelado o direito a informação, a dignidade da pessoa humana (artigo 71 do CDC), a isonomia (artigo 7º inciso I da Lei 8.137/90), a icolumidade do consumidor (artigo 7º inciso IX), etc.

 

4.4 PERSPECTIVAS DE ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS PARA O TRANSPORTE AÉREO

Atualmente como perspectivas para o contrato de transporte aéreo, tem-se o projeto nº 24/2012 de autoria da Senadora Ana Amélia, que foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, porém foi remetido à Câmara dos Deputados em 30 de novembro de 2012 e ainda não foi apreciado.

O projeto prevê a alteração do artigo 228 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986) para fazer incluir neste, dois parágrafos.

O primeiro parágrafo trata da limitação da cobrança de taxa de serviço no patamar de 10% do valor do bilhete para o passageiro que não utilizar o bilhete aéreo, independentemente do tipo de tarifa negociada. Já o parágrafo segundo, determina a aplicação da taxa anterior também para os casos de remarcação. Vejamos o texto final do Projeto de Lei do Senado;

 

Art. 228. O bilhete de passagem do transporte aéreo regular terá a validade de 1 (um) ano, a partir da data de sua emissão.

§ 1º O passageiro que, por qualquer motivo, não utilizar o bilhete de passagem terá direito, independentemente do tipo de tarifa, à restituição da quantia efetivamente paga, descontada uma taxa de serviço correspondente a, no máximo, 10% (dez por cento) desse valor.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se igualmente ao caso de remarcação de voo. (grifo nosso)

 

Na justificativa do projeto, a nobre senadora fundamentou a necessidade da previsão legal da limitação de 10%, devido à observação da abusividade das multas cobradas pelas empresas aéreas. Salientou ainda, que o disposto no artigo 7º § 1º da Portaria n. 676/2000 da ANAC, que estipula a limitação da multa em 10% do valor pago, excetua os bilhetes adquiridos na tarifa promocional, logo releva a aplicabilidade devida, tendo em vista que a maioria das passagens ofertadas são adquiridas na modalidade de tarifa promocional.

Quanto a este projeto, entendo ser uma grande avanço dos direitos dos consumidores, que como já defendido ao longo do trabalho, não sofrido a cobrança de taxas abusivas.

Outro projeto que tramita no Congresso Nacional é o Projeto de Lei do Senado Federal n° 482/2011, de autoria do Senador Vital do Rêgo, que acrescenta o parágrafo segundo ao artigo 40, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).

A inclusão do novo dispositivo na lei, visa garantir a gratuidade mínima ou desconto de 50% no valor da passagem no transporte aéreo, visto que o Estatuto do Idoso dispõe apenas genericamente “transporte coletivo interestadual”, e o Decreto 5.934/06 que regula a matéria excluiu o transporte aéreo quando dispôs; “transporte coletivo interestadual, nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário”.

Segundo o projeto, o artigo 40 do Estatuto do Idoso teria o seguinte texto;

Art. 40. No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislação específica:

I – a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos;

II – desconto de 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos.

§ 1º Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II

§ 2º Para os fins da concessão dos benefícios previstos no caput, considera-se sistema de transporte coletivo interestadual aquele integrado pelos modos rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo.

 

Na justificativa do projeto de lei, o senador aduziu a necessidade de tal alteração, visto não haver justificativa para a exclusão do transporte aéreo da gratuidade aos idosos, sendo que este é, como os demais, um serviço público outorgado mediante concessão do Estado.

Além disso, aduziu ainda que, em um país de dimensões continentais como o Brasil, sem um sistema regular de trens e demais embarcações interestaduais, o transporte aéreo é uma alternativa viável aos idosos.

Com conteúdo semelhante tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n° 4313/2012, de autoria do Deputado Federal Victório Galli.

Acerca destes dois projetos de lei, entendo ser uma proposta de alteração legislativa desrazazoada, pois não há justificativa convincente, vejamos a seguir.

Tendo em vista que a razão da gratuidade nos transportes coletivos interestaduais rodoviários etc, é a de proporcionar o acesso ao transporte público aos idosos, não há necessidade plausível da extensão de tal gratuidade para o transporte aéreo, considerando também que essa atitude inviabilizaria o setor e agravaria significativamente a iniciativa privada aérea que sofreria de grande ônus. Vale ressaltar ainda que o objetivo de inclusão social dos idosos almejado já se encontra resguardado com a gratuidade nos outros meios de transporte.

Cabe, portanto analisar de forma crítica e racional estes dois últimos projetos de lei, pois a tutela do consumidor e o Estado legislando visando políticas públicas não podem suprimir a iniciativa privada. Portanto, deve-se sempre tentar viabilizar a harmonia dos interesses da sociedade, pois o direito do consumidor não deve ser um entrave às atividades comerciais.









































CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do presente trabalho verifica-se que as práticas abusivas mais comuns exercidas pelas empresas aéreas são; a cobrança de taxa excessiva para remarcação de bilhetes aéreos, ausência do prazo legal para exercer o direito de arrependimento, cobrança de taxa de emissão de bilhete nos aeroportos e via telefone, venda casada de passagens com seguros de viagem e serviço extra de poltrona diferenciada.

Visto a crescente demanda de ações judiciais e reclamações administrativas, observa-se que os consumidores estão conhecendo cada vez mais os seus direitos e recorrendo ao Poder Judiciário ou órgãos de fiscalização.

Quanto à tutela jurisdicional, vemos que os juízes e tribunais possuem posicionamentos distintos acerca de algumas matérias e que ainda não há portanto, um posicionamento uníssono.

Acerca da legislação pátria, se constatou que o Código de Defesa do Consumidor traz um vasto arcabouço principiológico-normativo que serve de alicerce para as decisões sobre os impasses do transporte aéreo no país. Ainda sobre a fonte legislativa, foi constatado que tramitam no Congresso Nacional, projetos de lei no que tange o tema que buscam trazer pacificidade e clareza para parte da discussão.

Por fim, resta demonstrado que embora exista farta fonte doutrinária e principiológica sobre o tema, o consumidor encontra-se seus direitos violados diante das diversas e reiteradas práticas abusivas das companhias aéreas. Quanto à fiscalização e controle das práticas pelos órgãos responsáveis, constatou-se que em alguns aspectos a fiscalização da ANAC, e dos poderes da federação no geral, ainda deixam a desejar em prejuízo dos consumidores.

 

 

 

 

 

 

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