O TRANSEXUAL E SEU REGISTRO CIVIL...

Por Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho | 05/04/2017 | Direito

O TRANSEXUAL E SEU REGISTRO CIVIL: UM DIREITO ASSEGURADO PELO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1 INTRODUÇÃO 

O transexualismo, é um fenômeno cuja principal característica é o “choque” entre identidade e gênero, ou seja, o desejo de pertencer ao sexo oposto ao seu.

A possibilidade de fazer modificações corporais com o intuito de alterar a identidade, reacendeu debates sobre a liberdade da autonomia do próprio corpo e a legitimidade dessa prática.

A prática dessa modificação corporal esta condicionada a confirmação psiquiátrica e deve obedecer critérios. “No Brasil os requisitos para a cirurgia foram expedidos pelo Conselho Federal de Medicina, a definição de transexualismo deverá obedecer: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.” (BORGES 2012)

Partindo-se da idéia de que a sociedade não é estática, pretendemos demonstrar que o Direito deve atender seu fim que é o de recepcionar as inovações científicas para proporcionar uma melhoria para a sociedade, e, que o Estado deve cumprir seu papel de assegurar os direitos do cidadão. 

2 TRANSEXUALISMO 

Uma definição científica faz-se necessária, como forma de afastar preconceitos que estão na mente humana a respeito do indivíduo transexual, portanto, antes de adentrarmos aos aspectos jurídicos, é de suma importância conceituarmos o transexualismo.

O termo transexualismo foi utilizado pela primeira vez na década de 40, por um médico norte-americano Henry Benjamin. Os seus pacientes iam descrevendo como se sentiam em relação ao seu corpo. “Sem uma terminologia adequada, na época, suas descrições precoces deste fenômeno são idênticas às atuais: reconhecimento precoce, tentativas de se vestir como o sexo oposto secretamente, a culpa, as tentativas sem sucesso de mudar seus desejos e sentimentos e tentativas de "purificações" episódicas ou contínuas.”4

Portanto, o transexualismo é uma condição em que uma pessoa se identifica como sendo do gênero oposto ao sexo refletido pelo corpo (sexo psicológico oposto ao sexo biológico). Pessoas de sexo masculino que mesmo sabendo que são homens e biologicamente normais, encontram-se inconformados com seu sexo biológico, alguns tem o desejo de modifica-lo e consequentemente alteração no registro civil, já outros apenas querem alteração do registro sem precisar se submeter ao processo cirúrgico.

É importante destacarmos que o sufixo ismo é utilizado na medicina para designar doenças, “por isso o transexualismo está catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) como doença ou algum problema relacionado à saúde mental do indivíduo”5 _____________________________________

  1. Extraído do artigo de Amanda V. Luana de Athayde (pág 02) que aborda o tema Transexualismo Masculino.
  2. Citação do artigo de Michelle de Souza Borges ( ano 2012, pág  04)

Partindo da afirmativa de Henry Benjamin que o transexual era um indivíduo do sexo masculino que tinha o desejo de se tornar do sexo feminino, no entanto, o CID não faz nenhuma referência ao sexo anatômico do transexual, podendo também ser enquadrado com transexual aquela pessoa que tem o sexo anatômico de uma mulher, mais que se comporta como homem.

Existe ainda a classificação do transexual primário e secundário. O primeiro é aquele individuo que desde muito cedo já apresenta desconforto com seu órgão genital, o segundo é aquele que apresenta essa repugnância tardiamente, em alguns casos depois de já ter casado e constituído família.

Uma história interessante é a de João W. Nery, que no livro Viagem Solitária escreve suas memórias infantis, sua relação com os pais, amigos e relacionamentos amorosos. Ele também conta que teve que abrir mão de toda sua carreira e conquista, abriu mão do diploma de psicólogo e da profissão de professor, tendo ainda que conviver com o medo de ser descoberto já que em um subúrbio do Rio de Janeiro, ele procurou um cartório e falsificou o nome.

João Nery passou de professor de universidade, a um analfabeto desempregado que necessitava fazer bicos para poder sobreviver, mesmo assim, ele estava se sentindo realizado, já que estava vivendo com uma identidade que queria. 

3 PROCEDIMENTOS  MÉDICOS  PARA  INSTRUIR  A JUSTIÇA  SOBRE UM  INDIVÍDUO TRANSEXUAL 

O transexual possui o corpo de um determinado sexo, mas sua alma pertence ao sexo oposto e, ao se deparar com seu registro civil, ou seja, com seu nome é obrigado a atuar na sociedade de forma contrária ao que deseja. O transexual feminino, por exemplo, deseja ser um homem, quer ser tratado como tal e deseja se relacionar com mulheres, ela sente-se aprisionada e angustiada por estar em um corpo que não condiz com sua alma e quer, intensamente, libertar-se deste corpo e desta identidade estranha.

Com a ausência de leis que tratem especificamente dos transexuais, a atual situação é que mesmo o ordenamento entendendo que o individuo transexual tem direito ao acesso à modificação corporal e a alteração de sua identidade sexual, a legitimidade dessa prática está condicionada a confirmação de critérios estabelecidos pela instituição médica.

Portanto, só é possível o acesso aos recursos disponíveis para melhoria de vida dos transexuais com a tutela da Medicina e do Direito, não sendo essa, uma escolha livre do sujeito muito menos como um acordo entre as partes, já que todo individuo que deseja alterar “sua vida” tem que passar por esses critérios.

A principal justificativa para essa restrição normativa é a intenção de beneficiar e proteger o indivíduo considerando as modificações corporais irreversíveis e seu estado metal. No entanto, esse tipo de tutela normativa representa uma forma de controle que reduz a autonomia dos sujeitos com seu próprio corpo. Percebe-se a necessidade de ir além das normais tradicionais, que se dizem “proteger” a pessoa, e avançar na elaboração de normas que possam promover o direito das pessoas, principalmente quando se refere àqueles que não se “enquadram” na lei. 

4 A LUTA POR DIREITOS 

A fim de satisfazer seus desejos e necessidades, o homem torna-se um sujeito de direitos e deveres. No entanto, o direito da personalidade como direito subjetivo é relativamente recente, mais foi na Declaração dos Direitos de 1789 que impulsionou a defesa dos direitos subjetivos e a valorização da pessoa humana, e, após a Guerra Mundial a dignidade humana passou a constar em Códigos Civis na grande maioria dos países do mundo.

No entanto, muitos transexuais tem sofrido com o preconceito tanto da  sociedade como de familiares e com a forma de tratamento que são dados a eles. E o judiciário, como sendo uma única saída para os transtornos vividos pelos transexuais, muitas vezes tem negado esse papel de defender o direito dos indivíduos.

O nome civil da pessoa é a sua “marca”, é a forma de individualizar o sujeito no meio familiar e social é também, um meio de receber proteção do Estado. Como afirma (BORGES, 2012, pág 14) “O fato da alteração do nome e sexo do transexual não estar previsto na lei não implica no anonimato dos transexuais, porque o Estado deve devolver aos seus indivíduos o completo exercício da cidadania, independentemente da existência ou não de norma específica.”

Diante da não existência de lei específica para alteração do registro do tansexual, as decisões estão sendo tomadas mediante ações ajuizadas individualmente, o que demonstra como a jurisprudência tem sido bem mais rápida e eficaz do que a própria lei. O juiz, ao se valer das analogias, costumes e princípios gerais de direito está na verdade legislando, já que o legislativo não acompanha a velocidade com que a sociedade vem mudando.

 O Código Civil brasileiro prevê a alteração do prenome do individuo caso ele sofra algum tipo de discriminação e/ou constrangimento. Percebe-se que a alteração do nome para os transexuais que preferencialmente não fizeram a cirurgia de transgenitalização é bem mais delicado, como é o caso de Yamê, uma transexual de Belo Horizonte que foi a um fórum para dar entrada na alteração de seu registro:

Procurei o fórum de Belo Horizonte, mas, eles simplesmente não souberam como encaminhar-me ou dar-me qualquer informação. Saí totalmente decepcionada, pois, para mim, o nome do meu registro nem de longe é meu. Ele não condiz com o que sou, é humilhante e constrangedor quando me chamam no masculino.

 A rejeição de um pedido legal como o de alteração do prenome no registro, não pode existir em nosso ordenamento, já que o principio da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da intimidade, são consagrados na Constituição Federal, no art. 1º., III, art. 3º., IV e art. 5º., X, são fundamentais para promoção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação.

Nossas leis não acompanharam o avanço da medicina, e o judiciário ainda tem muito preconceito quando se trata desses casos já que no Brasil não existe legislação específica que trate da mudança de nome do transexual no registro do seu nascimento. A sociedade está em constante mudança, e o direito não pode contribuir para a infelicidade dessas pessoas.

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