O Testemunho do Olho Nu
Por Julio Cesar Souza Santos | 01/12/2016 | SociedadeQuais Foram as Primeiras Observações a Olho Nu Feitas Por Tycho Brahé? Qual Era a Sua Fama Como Astrônomo? Que Legado Tycho Brahé Deixou Para Johannes Kepler? Qual Era a Fantasia Geométrica Proposta Por Kepler?
As faculdades para observar o firmamento a olho nu foram levadas ao limite por um astrônomo nascido três (3) anos após a morte de Copérnico. Tycho Brahé era o primogênito de um nobre dinamarquês rico que o encorajou a desenvolver interesses que tornariam o seu nome proverbial entre europeus cultos.
Na Universidade de Copenhagen travou conhecimento com todas as sete artes liberais. Lá, ele ingeriu grandes doses de Aristóteles, foi iniciado no sistema ptolomaico do firmamento e estudou astrologia. Depois disso, foi para Leipzig a fim de completar a sua educação estudando Direito.
Uma formação livresca não sufocou sua paixão de observar o céu, pois a astronomia observacional não fazia parte do currículo da universidade. Aos 14 anos, Tycho sentiu-se encantado ao verificar um eclipse solar e acreditou que se os homens podiam conhecer os movimentos das estrelas com tanto rigor, certamente eles eram capazes de prever com antecedência os seus lugares e suas posições relativas.
Mas, sua família preferia que ele fizesse estudos mais convencionais, teve de satisfazer sua paixão em segredo. Em Leipzig fez a vontade da família ao estudar Direito durante o dia e, à noite, quando os professores dormiam, devotava-se ao seu verdadeiro interesse. Poupava o dinheiro da mesada para comprar tábuas astronômicas e aprendeu sozinho os nomes (e as posições) das constelações.
Como que para confirmar os dogmas astrológicos daquele tempo, durante uma oportuna e previsível conjunção dos planetas Saturno e Júpiter proporcionou-lhe a oportunidade para iniciar suas próprias observações astronômicas. Seu único instrumento era um simples compasso, o qual apontava um dos braços a um dos planetas e depois assentava os bicos numa folha de papel, onde traçava um círculo dividido em 360,5º.
Em agosto de 1563 registrou a 1ª das centenas de observações que viria a fazer, encontrando Saturno e Júpiter tão próximos que não existia nenhum intervalo perceptível entre eles. Para sua surpresa, as antigas tábuas estavam 1 mês inteiro erradas na sua previsão e, até as tábuas prussianas que já estavam aperfeiçoadas, apresentavam um atraso de vários dias.
Tycho foi um fenômeno não apenas como observador astronômico, mas também como a personalidade mais extravagante de sua época. Quando era estudante da Universidade de Rostock, ele discutiu com outro estudante sobre quem seria melhor em matemática e decidiram a disputa em um duelo.
Tycho perdeu parte do seu nariz, reparando o estrago inventando uma prótese de ouro e prata. Isso se tornou apenas uma das suas muitas extravagâncias, pois quando seu túmulo foi aberto em 1901 encontrou-se uma mancha verde no crânio, indicando que a tal prótese nasal deve ter sido adulterada com cobre.
As observações de Tycho contribuíram mais à reserva de fatos astronômicos do que as de quaisquer de seus antecessores, reunindo-os durante os 20 anos em passou na Ilha de Hven – na divisa da Dinamarca e Suécia – que Frederico II transferiu para ele todas as rendas de seus locatários. Ele construiu uma grande instituição científica, o Castelo Celeste, uma comunidade devotada ao estudo do céu com uma oficina para os artesãos produzirem seus instrumentos.
Havia também um laboratório de química, uma fábrica de papel, 60 tanques de peixes, jardins, herbários, um viveiro com 300 espécies de árvores, um moinho, uma biblioteca com um globo celeste de 1,50 m, estúdios, salas de conferências e vários quartos para acolher os sábios. Todos os instrumentos eram dispositivos simples para efetuar observações a olho nu, embora fossem o que de melhor havia na sua época.
Tycho catalogou as posições de 777 estrelas fixas a fim de ajudar os outros observadores, incluindo na sua obra descrições dos seus métodos e seus próprios instrumentos. Seu abundante trabalho não tardou a substituir o clássico catálogo de Ptolomeu, quando acrescentou mais 223 estrelas formando assim um impressionante catálogo de mil estrelas.
Antes de chegar a Hven descobriu uma estrela na constelação de Cassiopeia, o que exigia a revisão das antigas teorias sobre esferas celestes. Suas observações não foram ultrapassadas, mas a teoria que elaborou para explicá-las não se lhes comparou em qualidade. Seu sistema do firmamento atestava tanto a falta de adequação do antigo sistema ptolomaico, como a insuficiência de provas do novo sistema heliocêntrico de Copérnico.
Tycho se recusava a abandonar a crença na Terra imóvel ao centro do Universo, pois ele estava preso à física aristotélica com a Terra parada e pesada. Se a Terra girasse realmente, pensava ele, então uma bala de canhão disparada na direção da sua rotação iria mais longe do que se fosse na direção oposta. Mas, tal não acontecia e, além disso, havia o claro argumento das Escrituras porque o Livro de Josué dizia que o Sol parava no Céu.
No entanto, vendo como um sistema heliocêntrico poderia simplificar a imagem do mundo, ele elaborou uma solução com uma simplicidade própria. Deixou a Terra imóvel no centro, enquanto o Sol continuava, como no sistema ptolomaico, a girar à volta dela. Mas no novo plano de Tycho os outros planetas giravam à volta do Sol, seguindo-lhes os movimentos em redor da Terra.
Em seu leito de morte, Tycho Brahé legou seus registros ao jovem Johannes Kepler, expressando suas esperanças de que este utilizasse seu legado para provar sua teoria. Mas, enquanto Copérnico ousara mudar as relações celestes, Tycho não ousara modificar a forma circular de todo o sistema. Kepler deu esse passo seguinte e, procurando uma simetria matemática mais sutil nas órbitas dos corpos celestes, ele ousou abandonar a perfeição circular de Aristóteles nos movimentos celestes.
A era moderna da astronomia é geralmente datada a partir da enunciação por Kepler das suas leis do movimento planetário. Mas ele chegou às suas investigações convencido de que era dever do cientista demonstrar uma harmonia que, com certeza, existia. Foi em demanda não dos modos da Natureza, mas sim das harmonias.
Johannes Kepler nasceu no Sul da Alemanha quando a Guerra dos Trinta Anos (1618/1648) dizimou a população, devastou a agricultura, arruinou o comércio e torturou os campesinos. Sua família luterana sentiu-se desonrada quando seu pai foi combater como mercenário contra o levantamento protestante nos Países Baixos.
Até os 22 anos Kepler se preparou para ser ministro da Igreja Luterana, recusando ofertas em dinheiro que o teriam levado ao catolicismo e permaneceu um luterano apaixonado. Se a sua família fosse rica talvez ele nunca tivesse se voltado para a astronomia e, somente com muita relutância, desistiu da sua preparação para ministro da Igreja a fim de ganhar a vida como professor de Matemática. Completava seus proventos publicando calendários astrológicos que previam o tempo e o destino dos príncipes. A astrologia continuou a ser a sua fonte de rendimentos, quando tudo o mais falhou.
Sua fantasia geométrica bateu efetivamente certa e, se contarmos com a excentricidade dos caminhos planetários e fecharmos os olhos a um pequeno problema sobre Mercúrio, todos os planetas se ajustam com margem de apenas 5% no esquema de Kepler. Pensemos o que pensemos do método de Kepler, seu produto foi impressionante. A ele, pareceu-lhe justificar a sua mudança da teologia para a astronomia.
Este livro de Kepler – publicado ½ século depois de “De Revolutionbus” de Copérnico – foi a 1ª defesa do novo sistema. No sistema de Copérnico, que desalojou a Terra e colocou o Sol no centro, o Sol continuava a desempenhar a função ótica de iluminar todo o universo de planetas. Mas não era o Sol que causava os seus movimentos. Kepler deu um passo gigantesco em frente, quando viu o Sol como um centro de força.
Kepler observou que, quanto mais distante um planeta se encontra do Sol, mais longo era o seu período de revolução. Para este fato, os astrônomos tinham apresentado apenas explicações místicas. Acrescentou que todo o seu sistema de física celeste tinha uma lógica perfeita “se a palavra alma (anima) for substituída por força (vis)”. Assim, ele apontou o caminho que passava de uma explicação orgânica para uma explicação mecânica do Universo. “Espíritos” e “inteligências celestes” seriam substituídos por forças.
Para Kepler, o sistema exposto por Copérnico não era de fato suficientemente espiritual. Preferia ver o Sol imóvel, fonte de luz, força e esclarecimento, como Deus-Pai, enquanto as imóveis estrelas fixas, para além dos planetas, representavam o Deus-Filho. A força motora do Sol que permeava o espaço intermediário era o Espírito Santo e, sobre esse alicerce sagrado, Johannes Kepler construiu a sua teoria das forças do Universo.