O Terceiro Mandato Consecutivo

Por Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho | 21/10/2008 | Direito

O TERCEIRO MANDATO CONSECUTIVO

Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho – Advogado e Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Introdução

Na República Federativa do Brasil, o Presidente da República é eleito concomitantemente com o Vice-Presidente (art. 77, § 1º, da CF/88), não havendo necessidade de ambos pertencerem ao mesmo partido político.

Uma vez na direção superior da administração federal, ou seja, após empossado em sessão conjunta do Congresso Nacional, comprometendo-se a manter, defender e cumprir o comando constitucional, sem preterição do ordenamento legal, e assumido o cargo no prazo de 10 (dez) dias da data fixada para a posse, o Presidente da República, chefe de Estado e chefe de Governo, é livre para escolher seus auxiliares, os Ministros de Estado, dentre brasileiros maiores de 21 (vinte e um) anos, natos ou naturalizados, salvo com relação ao Ministro da Defesa - que é cargo privativo de brasileiro nato, consoante estatui o art. 12, § 3º, inc. VII, da Carta Republicana de 88.

O mandato

Quando da promulgação da Carta “Cidadã” de 1988, o ordenamento constitucional fixava um mandato de 05 (cinco) anos para o Presidente da República - não permitindo reeleição para período subseqüente.

“São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”, disciplinava a atual Constituição, quando de sua promulgação pelo “Senhor Diretas”, deputado Ulysses Guimarães.
Não se permitia, portanto, a reeleição para período subseqüente.

Alguns anos depois, por força da Emenda Constitucional de Revisão n. 05, de 07 de junho de 1994, o mandato executivo foi reduzido de 05 (cinco) para 04 (quatro) anos. A propósito, é importante lembrar que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1994, foi eleito Presidente da República para o mandato abreviado de 04 (quatro) anos.

Durante a gestão de “FHC” foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 16, de 04 de junho de 1997 (DOU 05.06.1997), que, mantendo o mandato executivo de 04 anos, permitiu uma única reeleição para período subseqüente.

Hoje, o mandato presidencial é de 04 (quatro) anos - permitida a reeleição para um único período seqüencial, conforme prevê o art. 14, parágrafo 5º, da CF/88.

Veda-se, portanto, três mandatos consecutivos.

Segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso

Durante o primeiro mandato de “FHC”, considerado o 38º presidente da República Federativa do Brasil, a EC 16/1997 possibilitou uma reeleição para período subseqüente (art. 14, § 5º, da CF/88). Ficou entendido que somente o Presidente da República eleito em 1998 é que poderia usufruir do instituto da reeleição para um período seqüencial.

Não obstante, o tucano Fernando Henrique Cardoso conseguiu se reeleger, tornando-se o primeiro presidente da história da República (forma de governo adotada desde 1891) reeleito para um período seqüencial.

De se notar que quando eleito em 1994 (início do mandato em 1º janeiro de 1995), “FHC” sabia, antecipadamente, que não poderia se reeleger para o cargo presidencial, visto que o texto constitucional vedava a reeleição para período subseqüente. Ainda que aprovada durante a sua gestão a possibilidade de reeleição, ela só poderia ser aplicada futuramente.

Entretanto, como já salientado, a reeleição para um período subseqüente foi posta em prática pela primeira vez na história política brasileira, assumindo Fernando Henrique Cardoso a direção superior da administração federal por dois mandatos sucessivos.


“Lula” no poder


A EC n. 16, de 04 de junho de 1997, possibilitou uma reeleição para período subseqüente, dando nova redação ao art. 14, § 5º, da Constituição Federal de 1988.

É importante notar que a referida emenda não criou limite para que a mesma pessoa seja eleita diversas vezes Presidente da República.

Ou seja, nada obsta que o atual Presidente, Luiz Inácio “Lula” da Silva, exerça a Presidência da República Federativa do Brasil por três, quatro, cinco, ou mais vezes.

O que é vedado é o exercício do mandato executivo por meio de duas reeleições seguidas.

Não se admite, em outras palavras, três mandatos consecutivos.

Note-se, “Lula”, hoje cumprindo seu segundo mandato presidencial, tem por certo que sua chefia, simultaneamente, de Estado e de Governo, findará em 31 de dezembro de 2010.

Contudo, alguns temem que o feito concretizado por “FHC” também seja realizado pelo atual Presidente da República, permanecendo este à frente do poder por mais um mandato presidencial.

É notório que o terceiro mandato consecutivo de “Lula” está na “boca do povo”. Ele, Presidente, já revelou que pretende fazer o seu sucessor, no entanto, os nacionais do país acreditam que o que “Lula” deseja, realmente, é permanecer mais um tempo à frente da administração do Estado, mormente porque as derradeiras pesquisas têm lhe sido favoráveis no que concerne à sua continuidade na chefia do Executivo nacional.
Em que pese o desejo de alguns, que já têm por certo o exercício do “terceiro mandato consecutivo”, é importante notar que a forma de governo republicana tem por característica a temporalidade do mandato. Ou seja, não pode haver perpetuação no exercício do poder.

Vitaliciedade é uma característica da Monarquia, e não se coaduna com a forma republicana implantada pela Constituição de 1891 e adotada pelas demais constituições subseqüentes, inclusive pela Carta “Cidadã” de 1988.

Embora “Lula” já tenha pronunciado que a idéia de um terceiro mandato consecutivo indica “brincar com a democracia”, fato é que muitos parlamentares já ambicionam a mudança no texto magno, visando a permitir que o atual Presidente da República possa concorrer a um terceiro mandato em 2010.

À vista disso, urge salientar que a Constituição Federal não pode ser alterada para se adaptar à conveniência de cada governo. Isso afronta, inclusive, a impessoalidade.

O próprio Presidente “Lula” já assentou: “Pobre do governante que começa a achar que é insubstituível ou imprescindível. Está nascendo, dentro dele, uma pequena porção de autoritarismo ou de prepotência. E isso eu não carrego na minha bagagem política".

“Eu tenho na minha biografia gestos que me fazem não ficar embevecido por um mandato” – pronunciou Lula em entrevista ao programa 3 em 1, da TV Brasil.

Deveras, como afirma “Lula”, democracia é coisa séria e é inadmissível qualquer tipo de brincadeira visando a pôr cobro ao Estado Democrático.

Na referida entrevista ao programa 3 em 1, acrescentou o Presidente “Lula”:

“Com a graça de Deus, sou agradecido todo dia por estar dando certo as coisas. Que venha outro e que faça mais. A única coisa que vou dizer é o seguinte. Quando eu terminar o meu mandato, tudo o que nós tivermos feito, eu vou registrar em cartório. Quem entrar no meu lugar vai receber tudo o que foi feito no meu governo, tudo que está contratado, quantos metros de obra estão feitos. Vou deixar lá sabe por quê? Porque eles vão dizer assim: 'Se aquele torneiro mecânico que não foi nem à universidade fez tudo isso, eu tenho que fazer mais'”.

Louvável!

É bom saber que o Presidente “Lula” encara com seriedade a necessidade de alternância no poder e de temporalidade no exercício do mandato - princípios estes característicos da nossa república constitucional.

Enfim, tendo em conta as declarações do atual Presidente da República, declinadas em diversos meios de comunicação, o que se espera é que, de fato, no dia 1º de janeiro, após encerrado seu segundo mandato presidencial, “Lula” passe a faixa para o próximo cidadão democraticamente eleito.

Não há dúvida que inconstitucional seria a concretização do terceiro mandato consecutivo, muito embora alguns estudiosos refutem essa tese.

Mas inconstitucional ou não, o fato é que “Lula”, em diversas oportunidades, deu a sua palavra ao povo brasileiro, não se negando, inclusive, se necessário, a registrar em cartório sua veemente oposição ao terceiro mandato sucessivo.

Bom para o atual Presidente da República e, principalmente, para os cidadãos do País - que não obstante o tenham colocado na direção superior da administração federal, ambicionam, agora, que outro “companheiro”, “cria” ou não do vitorioso ex-metalúrgico de Garanhuns/PE, faça mais pelo país e, sobretudo, pela pessoa humana, há muito tempo preterida e segregada nos “guetos da perseguição social” – vítima do desajuste político no Brasil.