O TELETRABALHO E A AFRONTA AO DIREITO À DESCONEXÃO: análise do conflito entre o poder de subordinação do empregador e os direitos do empregado

Por Alana Sara Rocha Araújo | 16/08/2013 | Direito

O TELETRABALHO E A AFRONTA AO DIREITO À DESCONEXÃO: análise do conflito entre o poder de subordinação do empregador e os direitos do empregado[1]

 

Alana Rocha Araújo

 Anna Carolina Matos[2]

Ana Carolina Cardoso[3]

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Teletrabalho e a flexibilização da permanência no ambiente laboral; 2. O Direito à desconexão e o novo regime de trabalho; 3. Telessubordinação X Proteção à esfera privada do empregado; Considerações Finais, Referências.

 

 

RESUMO

No presente trabalho apresenta-se o que vem a ser o Teletrabalho, como nova forma de exercício da atividade laboral, bem como sua influência na relação empregador/empregado e na garantia dos direitos básicos dos trabalhadores. Posteriormente será analisado o direito à desconexão e sua importância frente ao novo regime de trabalho surgido a partir dos avanços na tecnologia da comunicação. E por fim, será feita uma investigação a respeito do teletrabalho como instrumento de intensificação do controle do empregado por parte do empregador.

Palavras-chave: Teletrabalho. Direito à desconexão. Flexibilização do ambiente laboral. Subordinação do empregado.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Sabe-se que os avanços tecnológicos proporcionaram diversas mudanças no Direito e também no âmbito específico do Direito do Trabalho. Sendo assim, tais avanços foram fundamentais para o aparecimento de novas modalidades de trabalho, dentre elas, o Teletrabalho, forma de trabalho já utilizada em vários países, principalmente nos países mais desenvolvidos. No Brasil, apesar dessa nova forma de prestação de serviço ser mais tímida, tem-se observado um crescimento na utilização do teletrabalho, e dessa forma, sua conceituação e debates acerca das vantagens e desvantagens ao trabalhador se fazem necessários.

Como bem comenta Marcelo Ribeiro Uchôa (2009, p.85), os fatos sociais e econômicos das ultimas décadas repercutiram fortemente sobre o mundo do trabalho, imprimindo substanciais mudanças no âmbito das relações trabalhistas. Nas palavras do autor:

Os impactos da globalização envolveram todas as economias do mundo, provocando revisão na forma de estruturação das empresas e no modo de desenvolvimento do trabalho, gerando por sua vez, indiscutível mutação no perfil do trabalhador, que cada vez mais se vê distanciado do padrão fordista projetado nos tempos remotos do trabalho industrial (UCHÔA, 2009, p.85).    

Fabian Viégas (2013, p.06), no artigo O Teletrabalho como forma laboral na era digital afirma que a dinâmica do mercado atual impõe às empresas uma organização tal que possibilite o acompanhamento das informações de forma que a produção acompanhe a agilidade necessária para atender clientes e mercados no menor tempo possível, disponibilizando informações para a cadeia produtiva de forma rápida, dirigida, clara e precisa. Dessa forma, o modo de prestação dos serviços teve que se adaptar as novas exigências econômicas e a rápida circulação de informações da sociedade moderna.

Conforme assevera Iury Magalhães Rampanelli (2013, p. 12), “embora a tecnologia em si não gere nem elimine empregos, ela, na verdade, transforma profundamente a natureza do trabalho e a organização da produção”. Sendo assim, essa nova modalidade de trabalho apresenta alguns de seus elementos essenciais mitigados, de modo que tais características envolvem a compreensão da tendência globalizante do mercado e da crescente evolução tecnológica dos meios de comunicação e da informática.

O teletrabalho surge como fruto das novas tecnologias telemáticas, porém aparece no cenário juslaboral como alternativa do empregador frente à nova configuração da divisão internacional do trabalho. Entretanto, não deve servir o novel instituto do teletrabalho como instrumento de exploração do trabalhador, merecendo este a aplicação dos princípios protetivos próprios do sistema jurídico trabalhista (RAMPANELLI, 2013, p.01).

 

1 O TELETRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DA PERMANÊNCIA NO AMBIENTE LABORAL

 

O trabalho à distância foi reconhecido através da Lei 12.551/2011 que modificou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho. De acordo com a sua disposição, não se distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregador do executado no domicílio ou realizado à distância, desde que caracterizados os pressupostos da relação de emprego. O parágrafo único, acrescentado, afirma que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. Sendo assim, o Teletrabalho passou a ser reconhecido de forma expressa.

O Teletrabalho, segundo entendimento de Denise Pires Fincato (2009, p.80), no artigo Teletrabalho: Aproximações Epistemológicas consiste no “trabalho humano desempenhado de forma subordinada, porém fora dos limites físicos da empresa, priorizando o uso de meios de telecomunicação para o recebimento, trato e transmissão de informação”. Ou seja, o teletrabalho possui algumas características próprias como a realização de atividade fora da sede da empresa, a existência de uma relação de coordenação, e não necessariamente de mando intermitente, entre empresa e trabalhador e o emprego de tecnologias da informação, sendo esta característica absolutamente necessária para a distinção de teletrabalho frente outras espécies (UCHÔA, 2009, p.86). 

De acordo com Fabian Viégas (2013, p.07), o teletrabalho é um meio de desconcentração da mão de obra produtiva da empresa, possibilitando aos trabalhadores estar em locais diversos fora da empresa para a realização de suas tarefas, para a autora, o teletrabalho foi inspirado no trabalho em domicílio e pode ser exercido total ou parcialmente distante da empresa de forma telemática. Como bem analisa a mesma, alguns grandes fatores suscitaram o surgimento do teletrabalho, como a criação de ferramentas como o fax, e-mail, além da diminuição do custo tecnológico, o aumento da capacidade de processamento, transferência e armazenamento de dados dos computadores.

 Conceituação parecida é a que traz Salomão Resedá no artigo O direito á desconexão: uma realidade no teletrabalho, segundo o referido autor, “pode-se dizer que o teletrabalho nada mais é do que uma forma de trabalho à distância exercido mediante o uso das telecomunicações”. Nas palavras de Resedá (2007, p.06):

A interferência tecnológica é uma das características centrais do teletrabalho, posto que para ser concretizado deve ser exercido com ferramentas próprias, tais como computadores, telefones ou quaisquer outros aparelhos que sejam classificados como pertencentes à TIC (Tecnologia da Informação e da Comunicação). Vale destacar que o teletrabalho não é uma profissão, mas sim uma forma de desenvolver atividades laborais que requer uma reorganização cultural, visando a eficiente aplicação desta inovação.

O referido autor conclui que a inclusão da informática nas relações laborais provocou uma flexibilização no ambiente de trabalho e hoje é possível estar trabalhando em qualquer lugar ou em qualquer horário, “basta apenas que haja uma conectividade através de um microcomputador ligado a um sistema de rede de transmissão de dados” (RESEDÁ, 2007, p.06).

Observa-se que as inovações tecnológicas permitiram que o trabalhador pudesse exercer suas atividades fora do ambiente laboral. Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2012, p.120):

Na atualidade, o rápido avanço da tecnologia permite o labor fora do estabelecimento do empregador, embora mantendo contato por meio de recursos eletrônicos e de informática, com ênfase nos canais de comunicação decorrentes do computador e da Internet.

É preciso ainda destacar quais seriam as vantagens do teletrabalho. Como comenta Marcelo Ribeiro Uchôa (2009, p.78), o teletrabalho possui alguns pontos positivos aos trabalhadores como o aumento de seu tempo livre, devido a diminuição do tempo gasto com o trajeto casa-empresa/empresa-casa, a flexibilidade na organização do tempo e no local de trabalho, a redução de custos com transportes e combustíveis, maiores possibilidades de inclusão no mercado de trabalho de mulheres, de trabalhadores que precisam cuidar dos filhos ou de pessoas sobre os seus cuidados, entre outras vantagens.

Dessa forma, ao realizar a atividade laboral no próprio ambiente familiar, o teletrabalhador poderá escolher o melhor horário para executar suas tarefas, além disso, estará mais próximo da família, podendo prestar maior assistência a ela. As empresas, por sua vez, diminuem gastos com transporte, alimentação, planos de saúde, água, eletricidade, limpeza, segurança, entre outras despesas com a infraestrutura.

No entanto, a dissolução espacial também permite aumentar o número de horas trabalhadas, pois “se o teletrabalhador não souber administrar o seu tempo, ele pode ultrapassar as horas previamente estabelecidas em seu local de trabalho que estaria dedicando à execução de suas tarefas” (VIÉGAS, 2013, p.16). Sendo assim, apesar do teletrabalho possibilitar esse afastamento do ambiente da empresa, ele acaba por aumentar o número de horas trabalhadas, dentre outras desvantagens como falhas no desempenho do empregado, isolamento social e redução de oportunidades profissionais.

2 O DIREITO À DESCONEXÃO E O NOVO REGIME DE TRABALHO

 

 

O direito a se desconectar do trabalho ou de não trabalhar busca assegurar a dignidade da pessoa humana, visto que apenas ao desvincular-se de suas atividades laborais, o trabalhador poderá preservar seus momentos de relaxamento, bem como sua saúde física e mental. Jorge Luiz Souto Maior (2003, p. 01) define o direito à desconexão como “direito fundamental do trabalhador ao repouso e à privacidade, uma vez que o total afastamento do ambiente de trabalho e dos problemas decorrentes preserva os momentos de relaxamento, de lazer, o tranquilo convívio familiar, o ambiente domiciliar etc”.

Ao garantir o direito ao não trabalho, objetiva-se evitar que sejam cometidos abusos por parte do empregador, protegendo assim o trabalhador de técnicas que possam invadir sua vida privada ou prejudicar sua saúde. De acordo com Vólia Bomfim Cassar (2010, p.162):

O direito à desconexão ou ao não trabalho perpassa por quatro elementos: o estresse enfrentado pelo trabalhador por ter que se manter o tempo todo atualizado, causando além da fadiga mental, em alguns casos, o vício (doença relacionada ao trabalho); o direito ao descanso sem reflexos do trabalho (reposição das energias e higiene mental); o direito à privacidade e intimidade; direito a trabalhar menos, ou ao limite de trabalho (direito à saúde).

      Dessa forma, percebe-se que o mesmo encontra-se intimamente ligado à saúde e qualidade de vida do trabalhador, sendo necessário um período de descanso e desligamento do trabalho para concretizá-lo. A legislação trabalhista buscou efetivar tais garantias, sobretudo, ao impor limites ‘a jornada de trabalho, períodos de descanso, descanso semanal remunerado, evitando então jornadas excessivas que possam interferir no âmbito privado do empregado.

     A globalização e os avanços tecnológicos, entretanto, têm permitido que os trabalhadores continuem a exercer suas funções ainda que longe do ambiente físico do trabalho e após o final da jornada, uma vez que por meio de celular e computadores é possível ficar o tempo todo conectado e a disposição dos empregadores. De acordo com Jorge Luiz Souto Maior (2003, p. 01), “ao falar em desconexão faz-se um paralelo entre a tecnologia, que é fator determinante da vida moderna, e o trabalho humano, com o objetivo de vislumbrar um direito do homem de não trabalhar”. Nesses casos, a modernidade facilita a vedação da desvinculação plena do trabalho, alem de possibilitar a mistura entre a vida pessoal e profissional e não sua ruptura.

Um perfeito exemplo de mudança nas relações de emprego advinda das transformações tecnológicas é o teletrabalho, trabalho a distância sustentado no uso nas tecnologias de informação e comunicação. Segundo Salomão Reseda (2007), o fortalecimento do teletrabalho, num primeiro momento, pode transparecer que há uma desconexão entre o empregado e as ordens do empregador, porém tal fato não é verdadeiro, visto que através da própria máquina o trabalhador passa a sofrer constantes cobranças.

No mesmo sentido, Jorge Luiz Souto Maior (2003, p.12) afirma que “este tipo de trabalho, no entanto, agride, sensivelmente, o direito ao não-trabalho, eis que a própria vida privada do trabalhador se perde no fato de se transformar a sua residência em local de trabalho, com prejuízo para o próprio convívio familiar”. O autor esclarece ainda que:

O não-trabalho aqui referido não é visto no sentido de não trabalhar completamente e sim no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação  da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução da tecnologia, pela deificação do Mercado e pelo atendimento,  em primeiro plano, das exigências do consumo (SOUTO MAIOR, 2003, p. 03).

             

        Os princípios protetivos consolidados pelas leis trabalhistas, dentre eles o direito a desconexão, também deveriam ser observados no teletrabalho, de modo que o próprio artigo 6° da CLT dispõe que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. 

Como citado anteriormente, ao contrário do que deveria acontecer, o teletrabalho agride o direito ao não trabalho. Nessa espécie de relação, o espaço familiar e laboral coexistem, fazendo com que o empregado fique conectado com o trabalho quase que de forma permanente em momentos que deveriam estar sendo destinados ao lazer, à família e à preservação da saúde, entre outros direitos.

       Ocorre também que, no teletrabalho, o empregado realiza suas funções fora do ambiente da empresa e, teoricamente, longe dos olhos do empregador. Entretanto, o avanço tecnológico apresenta o paradoxo de que ao mesmo tempo em que permite que o trabalho se exerça à longa distância possibilita que o controle se faça pelo mesmo modo, pelo contato “on line” ou outros meios, sendo que até mesmo pela mera quantidade de trabalho exigido esse controle pode ser vislumbrado (MAIOR, 2003, p.12).

      Considerando a facilidade de controle e monitoramento constante pelo empregador, Salomão Reseda (2007, p. 11) observa que:

se a subordinação e fiscalização do empregador ultrapassaram os horizontes da empresa e atingiram o âmbito privado do empregado, nada mais justo do que este possuir o direito de se desvincular virtualmente da empresa. É, portanto, neste sentido, que se direciona o direito à desconexão, ou seja, é o direito do assalariado de não permanecer “lincado” com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso.

 

       Sendo assim, também teria direito à limitação da jornada de trabalho aquele que trabalha à distância, sobretudo, porque nessa modalidade, as funções são exercidas na maioria das vezes dentro da residência do empregado. Conforme assevera Vólia Bomfim Cassar (2010, p. 161), “tem o trabalhador o direito fundamental ao descanso, sem os incômodos da modernidade nem de ter sua intimidade e privacidade invadida”, devendo, portanto, ser preservado.

Em razão do limite imaginário que distinguia o tempo utilizado para lazer e para o cumprimento de atividades profissionais encontrar-se mitigado no teletrabalho, é necessário que o empregado seja acobertado por um direito que lhe garanta a revitalização desta divisão e o respeito do seu período de descanso. É necessário que seja respeitado tal direito, na medida em que, submetido ao teletrabalho, ele estará mais exposto à penetração da sua vida profissional no âmbito da sua vida particular (RESEDÁ, 2007, p.12).

 

3 TELESSUBORDINAÇÃO X PROTEÇÃO À ESFERA PRIVADA DO EMPREGADO

    

O artigo 3° da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”. Depreende-se assim que, os pressupostos para que esteja caracterizada a relação de trabalho são: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

Conforme observa Iury Magalhães Rampanelli (2013, p. 18), “no teletrabalho esses mesmos elementos estão presentes, mas não na forma tradicional na qual costumam ser observados nas relações trabalhistas que se estabelecem na sede da empresa”. No mesmo sentido Denise Pires Fincato (2009, p. 80) observa que “o teletrabalho será o trabalho humano desempenhado de forma subordinada, mesmo que necessária a revisão conceitual de subordinação, já que exercido fora dos limites físicos da empresa”. Sendo assim, nota-se que o elemento mais modificado nessa relação foi o da subordinação, que tem seu fundamento decorrente do poder diretivo, tendo como espécies o poder fiscalizatório, disciplinar e regulamentar do empregador.

No teletrabalho, como já mencionado, existe certa flexibilização quanto ao horário de trabalho, em especial quando este é realizado na própria residência do trabalhador. Entretanto, como comenta Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2012, p.92) também podem surgir desvantagens no teletrabalho, como a maior dificuldade de integração do empregado no grupo dos demais trabalhadores, bem como na sua participação em atividades coletivas e sindicais.

Destaca o referido autor que é possível ainda se falar em prejuízos à vida privada, íntima e familiar do empregado, bem como eventuais situações de cansaço e esgotamento daqueles que apresentem maior dificuldade em delimitar o período de trabalho e o de tempo livre, por estarem constantemente “conectados” com o empregador (GARCIA, 2012, p.123).

Observa-se que o empregador, mesmo que a distância, tem tido cada vez maior controle sobre o empregado, visto que os instrumentos tecnológicos tem facilitado o poder de direção, muitas vezes, excessiva por parte do empregador. Em virtude disso, em algumas situações, direitos fundamentais e de personalidade do empregado acabam sendo desrespeitados.

 De acordo com Fabian Viégas (2013, p.01) o uso das novas tecnologias de comunicação de dados fornecidas pela tecnologia da informação e comunicação possibilita aos trabalhadores e empresas manterem contato em locais distantes. Essas tecnologias, quando bem empregadas, possibilitam um resultado melhor com mais produtividade, e, “o controle, embora possa ser questionado neste instante, passa a ser muito maior, pois os sistemas informatizados passam a exercer esses controles outrora exercidos pelos chefes”.

Para o teletrabalhador empregado, nota-se uma maior carga de subordinação imposta pelos empregadores, pois “com a ajuda de softwares, pode-se precisar quantas horas, em que, e em qual momento se estava trabalhando, reprogramando-se metas automaticamente, quando já cumpridas as antecedentes” (VIÉGAS, 2013, p.16).

De acordo com Vera Regina Loureiro Winter (2005, p. 93):

As tarefas que eram fragmentadas passaram a ser reagrupadas e realizadas por um empregado fora da sede da empresa e, conseqüentemente, com poder de decisão mais forte em alguns aspectos, como a jornada de trabalho que é cumprida como melhor convir ao telempregado, limitada apenas pelo prazo final estipulado pelo empregador. Assim, a tecnologia traz uma nova forma de subordinação, pois o empregado fica apenas indiretamente ligado ao empregador, passando a existir a chamada ‘parassubordinação’ ou‘telesubordinação’, quando ocorre à distância, de maneira menos acentuada que a dos contratos de trabalho normais”.

Ainda segundo a autora Denise Pires Fincato (2003, p.54), a subordinação no teletrabalho deve ser entendida como “como a inclusão do trabalhador no âmbito de direção e disciplina do empregador, mesmo que de maneira distante e não intensa”. Acontece assim, a chamada telessubordinação, onde o empregado não fica diretamente ligado às ordens do empregador, possuindo certa autonomia na execução de suas tarefas (RAMPANELLI, 2013).

Ao tratar dessa possibilidade de subordinação do empregado por parte do empregador no teletrabalho e dos direitos privados do empregado, Salomão Resedá faz a seguinte observação:

O direito ao descanso, ao lazer, e à desvinculação completa ao trabalho são requisitos necessários para a manutenção da vida saudável do empregado. O teletrabalho surge como uma provável ameaça a estes direitos, visto que a partir de um computador o funcionário poderá estar conectado à empresa em qualquer local que se encontre (RESEDÁ, 2007, p.3).

Segundo o mesmo, se há uma maior flexibilização no tocante à permanência dos seus funcionários na sede, há também uma maior subordinação destes ao cumprimento de metas e outras obrigações de meios. “O fantástico mundo da tecnologia passa a transformar-se no vilão do próprio homem”. A tão perseguida ideia de desenvolver as atividades em seu próprio domicílio pode vir a imprimir ao trabalhador maior dedicação da sua capacidade intelectual ao âmbito profissional por muito mais tempo do que quando laborava no interior da própria empresa. A facilidade de comunicação e de localização poderá fazer ressurgir uma nova idéia de escravidão: a tecnológica. (RESEDÁ, 2007, p.07).

Quando o trabalhador realiza suas atividades fora do ambiente da empresa, este acaba por não contabilizar o tempo gasto diante dos afazeres profissionais. Dessa forma, de acordo com Salomão Resedá (2007, p.06) “a linha entre o lapso temporal destinado ao lazer e ao trabalho passa a ser tênue demais implicando na confusão entre estes dois ambientes, o que certamente ocasionará uma real possibilidade de prolongamento da jornada de trabalho”. O referido autor destaca que:

Realmente o teletrabalho caminha para o estabelecimento de uma fiscalização do empregador a partir do cumprimento de metas e não do tempo gasto, o que se torna bastante perigoso para o empregado. Isto porque, como o trabalho será desenvolvido na residência do próprio funcionário, alguns custos da empresa serão reduzidos, como por exemplo, a energia elétrica. Neste sentido, o empregador ficará muito mais confortável para exigir maiores metas aos seus empregados sob o argumento de da disponibilidade tempo para fazê-lo. (RESEDÁ, p. 09).

Sendo assim, é evidente que aquele que trabalha sob o regime do teletrabalho terá uma interferência na sua vida particular por parte do empregador, e possivelmente, ainda maior do que o “empregado normal”, pois como exposto, a tecnologia possibilitou a realização do trabalho pelo empregado em qualquer ambiente, bastando estar conectado, no entanto, também permitiu que o empregador pudesse exercer um controle mais efetivo sobre o empregado.

Ao permitir o trabalho em casa ou em qualquer outro lugar, desde que haja um computador conectado à rede de informações, também será possibilitado o controle do superior hierárquico da mesma forma, ou seja, em qualquer lugar que ele se encontre. Em outras palavras, a suposta flexibilização da relação de trabalho pode acarretar em abuso dos direitos e garantias do empregado, a mesma tecnologia que possibilita uma maior viabilidade para o funcionário, também o submeterá a uma vigília maior do empregador (RESEDÁ, 2007, p. 16).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Observou-se que o Direito, como forma de controle e concretização dos anseios sociais, deve seguir os avanços da sociedade, adaptando-se as inovações tecnológicas e da mesma forma, o Direito do Trabalho deve manter essa postura. O Teletrabalho, trouxe a possibilidade de flexibilização da permanência dos empregados no ambiente de trabalho, mas juntamente, acarretou uma maior subordinação dos mesmos ao controle do empregador, que ultrapassou o ambiente laboral e chegou à esfera privada, prejudicando o convívio familiar.

Como visto, a tecnologia tem trazido novos modos de trabalho, mas esta situação está longe de produzir uma ruptura dos padrões jurídicos de proteção do trabalho humano. Este tipo de trabalho, embora tenha seus aspectos positivos, não poderá agredir a própria vida privada do trabalhador, prejudicando sua saúde física e mental, além do convívio familiar, uma vez que transforma a sua residência em local de trabalho (MAIOR, 2003, p. 11).

Portanto, se de um lado, o teletrabalho admite um afastamento físico do ambiente laboral, de outro, permite que o empregador detenha maior controle sobre o seu empregado, em virtude do aumento da intensidade da subordinação nessa relação de emprego. Verificou-se, então, que os mecanismos de controle aumentaram e, hoje, o trabalho a distância possui muitas especificidades que precisam ser analisadas criteriosamente, sob pena de haver um contrato de trabalho omisso em muitas dessas questões, dando ensejo a posteriores reclamatórias trabalhistas. (VIÉGAS, 2013, p.26).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

CASSAR, Vólia Bomfim. Reflexos do avanço da tecnologia e da globalização nas relações de trabalho: parte II. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região: Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 21, n. 48, p. 161-169, jul./dez. 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed. São Paulo: LTr, 2013.

FINCATO. Denise Pires. Teletrabalho: aproximações epistemológicas. In Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. Porto Alegre: Magister, v.31, jul, 2009. p.77-84

FINCATO, Denise Pires. Teletrabalho: uma análise juslaboral. In Revista Justiça do Trabalho. n. 236, agost. 2003.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Trabalho a distancia e teletrabalho: considerações sobre a Lei 12.551/2001. In Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,v. 145, jan. 2012. p. 119-128.

RAMPANELLI, Iury Magalhães. Globalização, revolução informacional e teletrabalho. Disponível em: <www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/.../tcc/.../iury_magalhaes.pdf‎>. Acesso em 15 mai. 2013.

RESEDÁ, Salomão. O direito à desconexão: uma realidade no teletrabalho. In Revista do direito do trabalho, nº 126, 2007.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003. Disponível em: <http://trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev23Art17.pdf>.  Acesso em: 20 mai. 2013.

UCHOA, Marcelo Ribeiro. Teletrabalho: vantagem ou dumping social?. In Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. Porto Alegre: Magister, v.31, jul, 2009. p.85-95

VIEGAS, Fabian. O teletrabalho como forma laboral na era digital. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/o_teletrabalho_como_forma_laboral_na_era_digital.pdf>. Acesso em 05 mai. 2013.

 

WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: Uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005.



[1] Paper desenvolvido como requisito parcial para aprovação da disciplina Recursos no Processo Civil.

[2] Graduandas do 6º período do curso de Direito (noturno) da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[3] Professor da disciplina.

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