O Suicídio, Émile Durkheim

Por Amanda Noronha Fernandes | 14/09/2009 | Filosofia

Émile Durkheim nasceu na cidade de Épinal, na França em 1858 e faleceu em Paris em 1917. Nasceu no seio de uma família religiosa, mas desde a juventude foi a favor de uma educação secular e por diversas vezes em sua obra tentou provar que fenômenos religiosos, bem como outros fenômenos (o suicídio e a criminalidade, por exemplo) tinham origem em acontecimentos sociais. Aos 21 anos de idade, Durkheim foi estudar na École Normale Supérieure e passou a dedicar-se ao mundo intelectual. Formou-se em Filosofia no ano de 1882. Cinco anos após sua formatura, foi trabalhar na Universidade de Burdeos como professor de Pedagogia e Ciência Social. Neste período, começaram seus estudos sobre Sociologia.

Resolveu estudar Sociologia porque a França não possuía um ensino regular dessa disciplina. Havia certa concepção de que a Sociologia constituía uma forma científica de socialismo. Durkheim tira então um ano de licença e vai estudar na Alemanha. Não chega a conhecer a obra de Weber, que assim como ele, ficou conhecido como fundador da Sociologia moderna. Em 1887 oferece seu primeiro curso de Sociologia.

Livro relacionado:

Suas teses mais importantes começam no doutorado com Da divisão do trabalho social. Depois escreve As regras do método sociológico, O suicídio e, por último, As regras elementares da vida religiosa, entre outras obras. Seu legado é de enorme importância para a constituição da Sociologia por regularizá-la como disciplina. Durkheim a enxergou como ciência e percebeu a necessidade de que um método fosse desenvolvido para que fosse respeitada como tal. Utilizou-se (especialmente no livro sobre o suicídio) de dados estatísticos e analisou diferentes meios e tipos individuais para embasar suas teses, criou e desenvolveu conceitos importantes como '"fato social", "anomia", "solidariedade", "coerção", entre outros. Seus escritos foram exemplo de como monografias sociológicas deveriam ser escritas, sendo mais especificamente O suicídio um modelo de trabalho científico no campo das ciências sociais e era para ele exemplo suficientemente significante para compreender cientificamente a Sociologia como disciplina independente.

O suicídio, escrito em 1897, trata de um assunto considerado psicológico abordado polemicamente por Durkheim como fenômeno social. Sua intenção era provar sua tese de que o suicídio é um fato social, forma de coerção exterior e independente do indivíduo, estabelecida em toda a sociedade e que, portanto, deve ser tratado como assunto sociológico. Suspeita-se que teria se interessado pelo assunto após o suicídio de um amigo íntimo e que isso o teria afetado também nas classificações do suicídio, pelo menos na forma que chama de egoísta.

Ao longo de seu estudo sobre o suicídio, Durkheim tenta provar sua tese de que estatísticas puras sobre o assunto são insuficientes para determinar suas causas. Para ele, o motivo da morte que se encontra em obituários de suicidas é, na verdade, a opinião que se tem sobre o fato, causa aparente, não servindo de explicação palpável. Um dos exemplos que o autor usa para embasar sua teoria mostra que, no âmbito religioso, o suicídio entre os protestantes é maior que entre os católicos, independente da região em que se encontram, como resultado de um menor controle social sobre os fiéis, causa, portanto, social.

Durkheim propõe-se a estudar as causas do suicídio classificando-as, de acordo com as características, em três tipos:

-Egoísta:

Para estudar esse tipo, Durkheim debruça-se sobre estatísticas a respeito da sociedade religiosa (já anteriormente citada), política e doméstica. Ele nota que esses três grupos possuem uma característica em comum: uma forte integração. Percebe que o suicídio varia inversamente a essa integração dentro dos grupos e que quando a sociedade se desintegra, o indivíduo se isola da vida social e seus fins próprios se tornam preponderantes aos fins sociais.

Para ele, é o vínculo que nos liga à causa comum que também nos liga à vida, não como necessidade de uma imortalidade ilusória, mas como uma razão de ser. O estado de egoísmo consiste em uma falha na integração, uma individualização excessiva com o meio social: o que há de social em nós fica desprovido de qualquer fundamento objetivo. Para o homem que se encontra nessa situação nada mais resta para justificar seus esforços e pouco importa o fim de sua vida, já que ele está pouco integrado com seu meio social.

Um dos exemplos da influência da integração social usado por Émile D. diz respeito a crises e guerras nacionais que surpreendentemente são momentos em que os índices de suicídio diminuem devido a uma excitação de sentimentos coletivos que, pelo menos momentaneamente, aumentam a integração social. Outro exemplo seria a menor incidência de suicídios em famílias mais densas (por isso, mais integradas).

-Altruísta:

Difere-se do tipo egoísta por acontecer em caso de individualização insuficiente.Esse tipo de suicídio ocorria com mais freqüência nas sociedades as quais o autor chama de primitivas. São sociedades em que os indivíduos encontram-se tão fortemente integrados que são sobrepostos pelo coletivo e por vezes sentem que têm o dever de se matar. Para o indivíduo que se sente coagido a tomar tal atitude, há certo heroísmo que a sociedade espera dele (por exemplo, sociedades em que morrer de velhice é desonroso).

Há, dentro dessa classificação, três outras menores: suicídio altruísta obrigatório (a sociedade impõe ao indivíduo),suicídio altruísta facultativo (não tão expressamente exigido), suicídio altruísta agudo (o indivíduo se sacrifica pelo prazer de fazê-lo). Em todos os casos o indivíduo aspira libertar-se do seu individual para se lançar naquilo que considera sua verdadeira essência. O altruísta acredita ser desprovido de qualquer realidade em si mesmo.

Nesse contexto, Durkheim estuda o alto índice de mortes voluntárias dentre militares. Ele conclui que esses homens encontram-se tão fortemente integrados ao meio em que vivem e se sentem tão responsáveis pelo restante da população que se desprendem de sua própria vida sem dificuldade porque aquilo que lhes é de valor é exterior a eles. Isso não implica, todavia, que se matem apenas pela pátria; o desprendimento é tanto que chegam a se matar por motivos banais. Lembrando que isso não exclui a possibilidade de haver outros tipos de suicídio entre os militares que não o altruísta.

-Anômico:

Se nada há que contenha o indivíduo nem em si e nem no exterior, é preciso que a sociedade exerça uma força reguladora diante das necessidades morais. Caso isso não ocorra, os desejos tornam-se ilimitados e a insaciabilidade torna-se um indício de morbidez.Difere-se, portanto, dos dois tipos anteriores por acontecer quando o indivíduo não encontra razão nem em si mesmo nem em algo exterior a ele e a sociedade, por algum motivo, não está em condições de controlá-lo.

É chamado de anômico porque ocorre em um estado excepcional que só se dá quando há uma crise doentia, seja dolorosa ou não, mas demasiado súbita, tornando a sociedade incapaz, provisoriamente, de exercer seu papel de reguladora. É um estado de desregramento, acentuado pelo fato de as paixões serem menos disciplinadas na altura exata em que teriam necessidade de uma disciplina mais forte. "A partir do momento em que nada nos detém," escreve Durkheim, "deixamos de ser capazes de nos determos a nós próprios." (1)

Durkheim analisa crises econômicas e conclui que têm influência no índice de suicídio por serem perturbações de ordem coletiva, não pelas más conseqüências em si (pobreza, por exemplo). Pelo contrário, no meio industrial, por exemplo, a prosperidade traz uma ilusão de auto-suficiência e insaciabilidade e a falta de um órgão regulador torna inevitável o alto índice de suicídio.

O autor também constata a anomia nos suicídios entre divorciados por representar um afrouxamento na regulamentação matrimonial.

O conceito de anomia é utilizado por Durkheim também em outro contexto, em Da divisão do trabalho social. Os conceitos relacionam-se, pois, neste caso, também é ausência de uma força reguladora. O trabalho deve gerar uma solidariedade e cooperação entre os indivíduos, mas às vezes, por alguma razão (rapidez em que ocorrem mudanças, por exemplo), a regulamentação deixa de existir ou fica prejudicada, fazendo com que a solidariedade fique comprometida e que a sociedade mergulhe em um estado de anomia.

Cada suicida dá ao ato um cunho pessoal e a forma escolhida para se matar não pode ser explicada pelas causas sociais do fenômeno. Os indivíduos também podem apresentar dois dos tipos associados como causa determinante para o suicídio.

Conclusão:

O suicídio foi exemplo de aplicação do método sociológico e sua importância é notável ainda atualmente não só por isso, mas também pelo fato de, como afirma Giddens, pouco ter se avançado no estudo sobre o tema depois de Durkheim.

Um ponto importante observado no livro é o estado de anomia - conceito já construído anteriormente e aplicado pelo autor agora em outro contexto.Durkheim enxerga além das causas que seriam mais óbvias (o tipo egoísta e o altruísta) e desenvolve o conceito de suicídio anômico.

É bastante interessante a forma como o autor utiliza-se de estatísticas, mapas e comparações, porque dão ao trabalho mais legitimidade, tornam-no mais palpável.Entretanto, ele faz muitas deduções e pressuposições para sustentar sua tese (o que até certo ponto é normal), mas talvez seja um recurso utilizado de maneira um tanto incoerente e sem fundamento em alguns casos. Um exemplo se dá em sua explicação para fato de que as mulheres divorciadas se matam menos que os homens se dever a necessidades sexuais de caráter menos mental e afirmar que a vida mental da mulher é menos desenvolvida que a dos homens.

Além disso, ele parece estar muito certo quanto à confiabilidade dos dados que utiliza, mas eles serem oficiais não implica, necessariamente, que sejam verídicos e caso não sejam, podem desconstruir sua teoria quase por completo.

Outro ponto passível de crítica é que o autor não comenta os fatores considerados não sociais, ficando, estes, portanto, de lado quanto à possibilidade de influírem sobre as taxas de suicídio, bem como o fato de ele não levar em consideração o ato consumado.

Apesar de alguns pontos que podem ser contestados na teoria de Durkheim, não podemos negar o brilho com que realizou seu trabalho e nem os críticos de sua obra negam isso.Seu trabalho foi modelo de integração de teorias e dados e surpreendeu as pessoas de seu tempo por seu pioneirismo na produção de trabalhos sociológicos científicos.

Bibliografia:

1-DURKHEIM, Émile. O suicídio. Livro II, cap. V, pág. 294. São Paulo, Martin Claret, 2008.

DURKHEIM, Émile. O suicídio. Introdução, Cap. I, II e III, Livro II, cap. I, II, III, IV e V. São Paulo, Martin Claret, 2008.

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Livro III, cap. I. Santos, Martins Fontes.

GIDDENS, Anthony. Capitalism and the modern social theory. Cap. 2, Item 6, pág. 82 a 94. New York, 1971.

RODRIGUES, José Albertino: A sociologia de Durkheim. Durkheim- Sociologia. São Paulo, Ática, 1999.

Outras fontes:

http://www.scielo.br/pdf/csp/v14n1/0199.pdf

http://www.suapesquisa.com/biografias/emile_durkheim.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fato_social

http://michaelis.uol.com.br/