O Sistema Carcerário Atual e Como Isto Fere o Princípio da Dignidade Humana

Por FERNANDA MARIANA S. GOULART | 17/04/2018 | Direito

Trata a respeito de como o sistema carcerário brasileiro atual acaba ferindo o princípio da dignidade humana dos detentos.     

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios constitucionais mais importantes. É um dos fundamentos da República. Trata-se de outorgar ao Estado Democrático de Direito uma dimensão antropocêntrica, considerando o ser humano como o fim último da atuação estatal, “fonte de imputação de todos os valores, consciência e vivencia de si próprio”.

Canotilho pondera que: “perante as experiencias históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, genocídios étnicos, a dignidade da pessoa humana como base da República significa, que como indivíduo, como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a república é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político -organizatórios”.

O encarceramento de criminosos não viola a dignidade da pessoa humana, porque as penas privativas de liberdade são expressamente autorizadas pelo texto maior (C.F., art. 5º, XLVI, a), podendo ser impostas depois de demonstrada a culpabilidade do agente (C.F., art. 5º, LVII) e, mediante o devido processo legal (C.F., art. 5º, LIV). Pode-se dizer porém, que a aplicação de penas cruéis, de trabalhos forçados ou banimento o vulnera, até porque são proibições previstas na constituição.  

A doutrina tende a vislumbrar dois aspectos ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito Penal, um deles voltado ao crime, outro vinculado à pena. São eles: a proibição de incriminação de condutas socialmente inofensivas e a vedação de tratamento degradante, cruel ou de caráter vexatório.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana é qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano, que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da sociedade, implicando assim, um complexo de direitos e deveres fundamentais, que assegure a pessoa contra qualquer ato de cunho degradante e desumano e que venham lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de poder propiciar uma vida futura digna para si mesmo e em sociedade. Sua finalidade é assegurar ao homem um mínimo de direitos que devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano.

Infelizmente, o direito à dignidade humana não pertence aos mais de 600 mil presos existentes no Brasil. Estas pessoas cometeram crimes, a grande parte, mas se estão em regime de privação de liberdade, é porque já estão pagando pelo crime. Isto não implica ter que passar por este processo através de situações sub-humanas e indignas. A cadeia deveria ser um local para cumprimento de pena e também local para revitalização do preso para poder ser reinserir na vida em sociedade.

Atualmente, as cadeias brasileiras padecem de graves problemas que acabam influenciando na reabilitação do detento:

Superlotação: O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, são 622 mil detentos para 371 mil vagas. Desde 2000, a população carcerária praticamente dobrou. Hoje, as penitenciarias viraram locais para estocar gente e não promover a reinserção social.

Reincidência: A maioria dos presos ao deixarem a cadeia, voltam a praticar o crime. No Brasil, cerca de 70% dos presos são reincidentes. Assim, consegue -se perceber que as cadeias não estão atingindo seu objetivo de reeducar os presos para inseri-los em sociedade novamente. Bem pelo contrário, muitas vezes presos que ate não são detidos por crimes tão graves, acabam tendo na cadeia uma grande escola de como cometer crimes.

Saúde Precária: os presos brasileiros têm 30 vezes mais chances de contrair tuberculose e quase dez vezes mais chances de contrair HIV do que o restante da população. Também são mais vulneráveis ao uso do álcool e drogas. Não há cuidado com a saúde dos presos e prevenção de doenças.

Má-administração:  O sistema prisional brasileiro sofre de má administração. A Maioria das cadeias estão superlotadas, em condições insalubres, com rebeliões que acaba sendo consequência dos problemas anteriores.

Falta de apoio da sociedade: Grande parte da sociedade não apoia a reintegração dos presos na vida da comunidade. Estes sofrem preconceito.

Nas cadeias superlotadas, há muito calor e pouca ventilação, os presos precisam se revezar para dormir, além da falta de colchões para todos. A comida passa de mão em mão ate chegar ao preso. O acesso ao banheiro é difícil, assim muitos presos acabam fazendo suas necessidades nas embalagens das marmitas ou urinam para fora das grades, deixando um odor forte de urina pelo ambiente. Não há privacidade, não há dignidade. Como alguém nestas condições consegue se recuperar e se readequar à vida em sociedade?

Os presos também são negligenciados na saúde e na educação. O objetivo de ressocializar é ferido. Muitas vezes, na grande maioria, sob estas condições, o preso acaba saindo pior do que entrou.

Algumas medidas, se tomadas, ajudariam a melhorar o panorama do atual sistema carcerário:

• Diminuição dos presos provisórios, muito dos presos que estão encarcerados sequer foram julgados e não tem acesso à justiça. Muitos, cometeram crimes sem gravidade e poderiam aguardar em liberdade, o que desafogaria o sistema penitenciário.

• Aplicação de penas alternativas para delitos menos graves, assim, presos de baixa periculosidade não teriam contato com presos perigosos.

• Aumentar as opções de trabalho e estudo nos presídios, políticas eficientes de acesso ao trabalho e educação nos presídios são uma forma eficaz de combater a reincidência no crime. Sem estas medidas, os presos acabam sem perspectiva para o futuro e acabam indo pelo caminho mais fácil.

• Reformar os presídios, para ter um controle maior sobre os presos, mais espaço e oportunidades de dignidade para os presos.

A sociedade apesar de saber que os presos vivem sob estas condições, acreditam que por terem cometido crimes contra a sociedade, precisam passar por este “castigo” e viver sob estas condições sub-humanas. Isto não é o correto, as penitenciárias deveriam ser o espaço para cumprir pena com restrição de liberdade, além de um espaço para aprendizagem, para educação, reabilitação, o que garantiria uma perspectiva ao preso, um futuro e a sociedade também passaria a ver as cadeias e os presos de outra forma, acabando também com o preconceito que eles sofrem após a cadeia. Acima de tudo, a dignidade da pessoa humana deveria ser respeitada, o preso visto como ser com sua necessidades e deficiências, ate mesmo porque o preso está ali, por causa de deficiências que existem nas politicas publicas e sociais do Estado. Estas medidas seriam benéficas tanto aos presos como para a própria sociedade. Aplicando o principio da dignidade da pessoa humana, todos seriam beneficiados.

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