O SIGNIFICADO DA INFÂNCIA
Por Maria Anunciação Souza | 10/03/2009 | EducaçãoO SIGNIFICADO DA INFÂNCIA
Resumo de texto de Miguel Gonzalez Arroyo
• Quando pensamos em Educação Infantil como prioridade, quando falamos de INFÂNCIA,
de que infância estamos falando?
Cada idade tem as suas especificidades.
• O que entendemos por Infância enquanto objeto ou sujeito de um projeto
educativo prioritário?
• Quando formulamos a nossa proposta de Educação Infantil que concepção de
infância nós temos? Será que teremos que mudá-la?
E, outras perguntas:
• Que concepção de EDUCAÇÃO nós temos?
• Será que a concepção de educação que temos para a infância é a mais
apropriada?
Vamos tentar refletir sobre estas perguntas:
Todos nós fomos crianças. A infância não é algo estático, sempre igual. É algo
em permanente construção. Estamos falando da concepção de INFANCIA, é
esta concepção que está em permanente construção. A concepção que nossos pais
tinham de infância, não é mais a que nós temos. A infância rural é diferente da
urbana.
Atualmente esta concepção está mudando muito. Quanto mais o trabalho é de
responsabilidade exclusivamente do adulto, a criança é menos inserida no mundo
adulto, logo a concepção muda.
Antigamente a criança era logo inserida no mundo adulto através do trabalho.
Ainda é assim nas regiões rurais. Por este motivo a infância é mais curta.
Já nas cidades, onde acontece o oposto, a infância é mais longa, conseqüentemente
cresce em termos de relevância social. Por este motivo passou a participar de
um conjunto de lutas pelos direitos. Hoje já temos o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Durante séculos a infância não foi sujeito de direitos. Ela era simplesmente
algo à margem da família, considerada como um "vir a ser". Só era
considerada sujeito quando chegava à idade da razão.
A construção da infância, historicamente, depende muito de outros sujeitos.
Qual é o sujeito mais próximo à construção da infância? É a mãe, a mulher.
Mulher e infância sempre estiveram próximos, porque a mãe na nossa cultura é a
reprodutora: não só aquela que gera, que dá luz. Mas também a que continua
gerando, produzindo, reproduzindo a infância: na saúde, na socialização, na
moralização, nos cuidados, etc...
DEPENDENDO DO PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE, VAMOS ENCONTRAR UM PAPEL
DIFERENTE PARA A INFÂNCIA.
O trabalho feminino, seja por necessidade, seja por opção, traz como
conseqüência a necessidade de tornar coletivo o cuidado e a Educação da criança
pequena. Surge, portanto, a Infância como categoria social e não mais como
categoria familiar.
Estes fenômenos, estes fatos sociais, são fundamentais para que o educador
tenha consciência de seu papel enquanto educador na infância. Infância que
muda, que se constrói, que aparece não só como sujeito de direitos, mas como
sujeito público de direitos, sujeito social de direitos.
A nossa preocupação com a política de educação da infância não é por caridade,
por amor, por afetividade, não é só isso. É por consciência da obrigação
pública que nós temos frente a Infância, diante da Infância que passou a ser
sujeito de direitos públicos e conseqüentemente, criou obrigações públicas por
parte do Estado.
Temos também consciência das especificidades de cada idade. Sempre se falou da
infância como o tempo da educação, da preparação. A infância condensava o
momento dos cuidados. Não é assim que pensamos hoje. Sabemos que cada idade tem
sua identidade. Cada idade não está em função da outra idade.
Cada idade tem, em si mesma, a identidade própria,
Que exige uma educação própria,
Uma realização própria enquanto idade e
não enquanto preparo para outra idade.
Isto tem revolucionado incrivelmente a concepção de infância.
Cada fase da idade tem sua identidade própria, suas finalidades próprias, tem
que ser vivida na totalidade dela mesma e não submetida a futuras vivencias que
muitas vezes não chegam. Em nome de um dia chegar a ser um grande homem, um
adulto perfeito, formado, total, sacrificamos a infância, a adolescência, a
juventude. Hoje não é essa a visão.
A visão é que a totalidade da vivência tem que estar em cada fase de nossa
construção enquanto seres humanos.
Agora vamos falar um pouco de Educação.
Inicialmente a infância não era objeto de educação, mas somente de cuidados. A
infância era objeto de assistência. Ainda é assim em muitos lugares. A
preocupação fica por conta de suprir carências: carência de moradia, de
carinho, de médico e de saúde, de alimentos, etc ...nesta concepção a Educação
assume uma finalidade meramente supletiva: educar para evitar carência na
infância. Queremos superar esta concepção.
Outra concepção a ser superada é a de preparar as crianças pobres para o
trabalho. (lembram do programa do Sarney. O Bom Menino?). Não queremos que as
crianças se atirem precocemente ao trabalho, ainda que tenhamos a concepção de
que o trabalho é, em princípio, educativo.
Outra concepção muito freqüente no projeto educativo para a infância: a criança
enquanto sujeito de domínio de atividades letradas. A pré-escola, o que
significa esta palavra? Significa que entre os cinco/seis anos de idade a
criança já tem que estar pré-escolada, já tem que dominar, se possível
habilidades de leitura e escrita porque assim evitamos a reprovação na primeira
série.
Não queremos escolarizar precocemente.
A idade de zero a seis anos tem uma identidade em si mesma, ela não está apenas
definida pela inserção na escola.
Outra direção da educação muito freqüente, na década de 80: a infância, somente
do futuro cidadão. Começamos a prepará-la na arte da democracia, na arte do
diálogo, na arte da cooperação, na arte de um dia ter consciência de seus
direitos.
Eis a linha tão presente na década de 80 e 90: a idéia de que a função principal
da escola é preparar a infância e a adolescência para a cidadania consciente. É
aceitável, mas temos que voltar a refletir que visa o preparar para o futuro.
A proposta hoje deve ser a escola enquanto serviço público, permitindo a
vivencia de todas as dimensões da pessoa no presente. Não queremos uma escola
para "um dia ser". Queremos uma escola onde na infância a cidadania
seja uma realidade.
A idéia fundamental é que a escola de educação infantil dê condições materiais,
pedagógicas, culturais, sociais, humanas, alimentares, espaciais para que a
criança viva como sujeito de direitos, se experimente ela mesma enquanto
sujeito de direitos. Permita ter as dimensões, ações, informações, construções
e vivencias.
Queremos ter uma escola viva, em que se viva a cidadania e não uma escola onde
se sonhe um dia ser cidadão. Enquanto ser social que já é, na medida em que ela
viver com mais intensidade e que ela é, estará se preparando para um dia viver
com intensidade futuras idades, futuras fases de sua vivencia, de sua formação.
Construamos o dia a dia da escola de uma maneira digna de cidadãos, de sujeitos
de direito. Considerando a escola como espaço de vivencia da cidadania. Implica
em não estar apenas preocupados com as habilidades e conhecimentos que vai adquirir
par um dia ser trabalhador, se profissional, vencer na vida, vencer no
vestibular, viver na cidadania.
Na última década houve uma preocupação com conteúdos, para torná-los mais
críticos. É necessário, mas não é suficiente. A preocupação de aprender
habilidades e dominar conteúdos sobrepôs-se a outros aprendizados. E, ouviu-se
muito dizer que o lúdico ajuda a aprender matemática, que através das
brincadeiras se aprende muito mais do que se planeja numa sala de aula. De
acordo. Mas a brincadeira não pode simplesmente ser um instrumento para que a
aula seja mais eficiente. A brincadeira tem sentido em si, porque somos seres
lúdicos, tanto quanto seres conscientes, intelectuais, conectivos, etc...
Temos a linguagem corpórea tanto quanto a escrita e ambas tem que ser
aprendidas, e não uma só em função da que é prioritária.
Há uma super alfabetização e matematização de nossas crianças. A escola
superestima o domínio da linguagem escrita porque esquece outras linguagens.
Esquece outras dimensões. O teatro não é válido só enquanto ajuda a decorar
textos ou coisas parecidas. O teatro faz parte da nossa construção tanto quanto
a leitura para um dia ler e inserir-nos na sociedade.
Há questões muito sérias a serem discutidas quando pensamos na infância como
direito de vivencias e não apenas como preparo para a adolescência, a juventude
ou a fase adulta.