O Sentido Linguístico: Muito Além das Palavras

Por wallas cabral de souza | 03/04/2025 | Educação

O Sentido Linguístico: Muito Além das Palavras

Compreender é mais do que ouvir; é interpretar com consciência

Wallas Cabral de Souza (Linguista, USP)

As palavras não têm um significado único e fixo. O que realmente define seu sentido é o contexto, a intenção do falante, a relação entre os interlocutores, o ambiente em que são ditas e até mesmo o tom de voz. Não basta conhecer um termo; é necessário compreender tudo o que está ao seu redor para interpretá-lo corretamente.

Uma mesma palavra pode ter inúmeros sentidos, dependendo de como, onde e por quem ela é usada. Pegamos, por exemplo, a palavra "gatinho", que pode carregar significados completamente diferentes.

Elogio e carinho: Dois amigos próximos conversam e um diz ao outro, sorrindo:

— Olha só esse visual novo! Tá um gatinho!

Aqui, a palavra expressa um elogio sincero e amigável.

Amizade e brincadeira: Durante um encontro entre colegas, um deles comenta, em tom descontraído:

— Você viu como ele foi fofo agora? Muito gatinho mesmo!

O termo aqui reforça um sentimento de proximidade e afeto entre os amigos.

Ironia e soberba: Em um ambiente competitivo, alguém diz, com desdém:

— Ah, se acha o gatinho agora, né?

O tom de voz e a expressão facial indicam ironia e desprezo.

Sofrimento e frustração: Uma pessoa rejeitada em um relacionamento suspira e comenta com amigos:

— Pois é… fui só mais um gatinho que ela dispensou.

A palavra, nesse caso, traduz um sentimento de desilusão.

Apelo e sedução: Em uma tentativa de flerte, alguém diz:

— Ei, gatinho, me dá atenção aqui!

Agora, o termo assume um tom sedutor.

Perceba que o mesmo termo pode assumir significados opostos, dependendo do contexto. Se uma pessoa apenas escutasse a palavra "gatinho" fora da situação em que foi dita, poderia fazer interpretações completamente equivocadas.

A Armadilha das Interpretações Maliciosas

Em tempos de julgamentos rápidos e cancelamentos instantâneos, palavras e expressões têm sido distorcidas para criar acusações graves contra inocentes. Um exemplo comum é quando uma simples fala é interpretada como assédio sexual, sem qualquer intenção real por parte do falante.

Imagine a seguinte situação:

Um grupo de colegas está em um almoço. Um deles comenta, de forma espontânea:

— Fulana sempre se veste muito bem, combina as cores direitinho.

Alguém, por malícia ou interesse, distorce a fala e espalha que houve um comentário inadequado sobre a aparência da colega, insinuando assédio. A pessoa que fez o comentário pode sofrer cancelamento, denúncias e até perder seu emprego injustamente.

Agora, compare com um caso real de assédio:

Um chefe diz para sua funcionária:

— Você devia usar vestidos mais curtos, combinam mais com você.

Aqui, a intenção é claramente inapropriada, pois há um abuso de poder e um tom de constrangimento.

Outro exemplo ocorre quando uma expressão religiosa é mal interpretada como intolerância.

Uso sem intenção ofensiva:

— Deus me livre desse problema!

Uso ofensivo e intolerante:

— Deus me livre desse tipo de gente!

Apenas uma palavra muda completamente o sentido, e o julgamento apressado pode arruinar vidas.

A Responsabilidade na Interpretação e as Consequências da Má-Fé

O mau uso da interpretação linguística pode causar danos irreversíveis. Difamar alguém, acusando-o injustamente de crimes como assédio, racismo ou intolerância, não é liberdade de expressão. É calúnia, injúria e difamação, crimes previstos na lei e passíveis de punição.

Não basta apenas entender as palavras, é preciso interpretar a intenção por trás delas. O verdadeiro sentido linguístico nasce da relação entre palavra, contexto, intenção e interlocutores.

Aqueles que manipulam a linguagem para destruir pessoas inocentes não estão impunes. Há consequências jurídicas e sociais para esse tipo de comportamento. Interpretar mal pode não apenas destruir o outro, mas também levar o difamador a enfrentar a própria destruição. E esta é a única certeza que temos diante dessa triste atitude.