O SACRAMENTO DA EUCARISTIA - PARTE II
Por João Valente | 13/07/2009 | ReligiãoA Santa Eucaristia é um sinal extraordinário de Deus. É também um gesto extraordinário e nobre do homem, pelo qual conversaremos agora. Para sermos mais práticos e didáticos, vamos dividir este último assunto em duas partes.
O SINAL EXTRAORDINÁRIO DE DEUS
A maior e mais desconcertante virtude de Deus é a Sua incrível humildade. Tão sublime e até "inconcebível" virtude é tão elevada que chega a constituir-se em algo sobre-humano, no sentido de que se situa longe ou infinitamente longe de onde homem algum jamais chegaria. Com estas características "exóticas", o melhor modo de torná-la menos incompreensível é usando um exemplo. E o melhor exemplo é...
O EXEMPLO DO AMANTE DESPREZADO: Todos nós sabemos do que se trata quando o assunto é o amor entre amantes, e as situações-limite de ciúmes e desprezos são também muito freqüentes em nossas experiências de vida. Mas há uma conduta-padrão que em 99% dos casos ocorre com todos nós ou que todos nós retiramos dela as mesmas conclusões. Lembremos agora de uma situação-limite muito comum: a da moça bonita que despreza e rejeita o amor de um paquera apaixonado, simplesmente porque ele é "diferente" dos rapazes de sua turma da moda. Ora; a tal moça anda à vontade, paquera à vontade, beija uns e outros, fica com todo mundo, coleciona namorados mas nunca deu uma chance ao "cara diferente". E ainda mais, diz mesmo que "ele seria o último homem do mundo com quem eu sairia, e mesmo assim só se estivesse louca". Pois bem. É exatamente aqui que se exemplifica a humildade de Deus. Isto é: Iaveh é tão humilde, mas tão humílimo mesmo que se uma alma o tratar exatamente do mesmo modo como aquela moça tratou o "cara diferente que a ama", Deus ainda assim a aceita ao final, quando ela cair em si e perceber que ele era e é o homem ideal para ela, e tudo isso como se Ele nunca tivesse sido vítima de desprezo tão cruel. Ora; qualquer um de nós homens, mesmo se fôssemos "caras diferentes", jamais iríamos aceitar casar com uma mulher que tivesse passado a vida inteira nos rejeitando e que só nos aceitasse quando já estivesse envelhecida e feia! Ora: isto fere o nosso orgulho! Principalmente, aceitar "de mão beijada" uma mulher que nos tratasse tão mal e nos desse tamanho desprezo! Claro que não! O que todos nós faríamos era no mínimo exigir uma prova de sacrifício real dela, como que cobrando "compensações" pelos longos anos de sofrimento! Então, o mais espiritual de nós talvez dissesse: "eu aceitaria sim, mas DE MÃO BEIJADA nem pensar!. Aqui chegamos na conduta de Deus. Isto é: Iaveh é aquele cara diferente que não apenas aceitaria aquela moça já velha e feia, mas a aceitaria de mão beijada, e ainda trabalharia para restaurar-lhe a beleza e a auto-estima. Isto, portanto, é um exemplo de humildade sobre-humano, porque homem algum jamais se submeteria a uma humilhação dessas, principalmente havendo tantas mulheres bonitas, simpáticas e acessíveis à sua volta.
O SINAL DE HUMILDADE NOBRE DO HOMEM
Dissemos no início que iríamos dar apenas um exemplo da humildade de Deus. Mas isto é impossível. Pois falar do gesto nobre da humildade humana acaba revelando outra incrível humildade do Senhor. Vejamos onde e como o homem pode ser tão humilde quanto nobre, por aceitar o gesto de humildade infinita da Santíssima Eucaristia.
Na Bíblia Sagrada está escrito que foi o próprio homem (cada um de nós e todos nós ao mesmo tempo) quem cravou o Cristo na cruz, afixando-o com os pregos enormes de nossos pecados. Por isso a cruz ficou tão pesada e a via crucis tão dolorosa!. Quando Ele foi levantado da terra e erguido no madeiro ao lado dos dois marginais, estava ali também revelando a maior prova de que ninguém está isento de qualquer pecado, o que em bom português significa que cada um de nós possui em si todos os pecados da humanidade, e Ele foi quem teve que carregá-los nas costas. Foi ali, foi na cruz que o seu gesto bradou em alta voz a seguinte sentença: "Ei, vocês pensam que só o ladrão da minha esquerda foi assaltante e assassino? Não, não e não. Todos vocês são assassinos porque todos vocês me crucificaram! E são ainda piores do que os piores homicidas, porque vocês mataram o próprio Deus!".
A nossa culpa individual na morte de Jesus fica bem clara no livro de Hebreus (Hb 6,1-6), pois ali o autor sagrado diz que para cada pecado atual nosso, estamos levando o Cristo de novo à cruz e matando-O novamente!. É preciso provar mais alguma coisa?...
Assim chegamos ao texto de Isaías, relacionado à Eucaristia. O grande profeta um dia falou as seguintes palavras: "Mas Ele foi triturado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (Is 53,5). Em nossa boca existem pelo menos 10 dentes chamados "molares", i.e, "moedores", "trituradores" de alimentos sólidos. E Isaías diz que Deus, em sua humildade infinita, foi "moído" pelos nossos pecados!.
Mais tarde, no Novo Testamento, Jesus institui a Santíssima Eucaristia, dizendo as seguintes palavras: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Pois a minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida" (Jo 6,51-55).
Jesus assim deixava clara a Eucaristia. Era preciso "comer" a carne dEle e beber o Seu sangue. Mas o gesto nobre de humildade do homem só se faria presente se este, ao comungar, lembrasse todo tempo que foi ele mesmo – o comungante – o responsável pela morte do Senhor ("Fazei isto em memória de mim, todas as vezes que comerdes e beberdes o pão e o vinho"). E nada seria mais eficaz para fazer lembrar todo tempo a nossa culpa na morte de Jesus do que sentir que estávamos "comendo" – isto é, MASTIGANDO – o corpo de Jesus, exatamente como Isaías ensinou pelos verbos "moer e triturar". Assim, quando disse "Ele foi triturado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades" estava dando uma instrução didática para a perfeita liturgia da Comunhão.
Isto significa que quando os primeiros cristãos participavam da Eucaristia, todos recebiam uma caneca de vinho e um pedaço de pão de massa grossa (como é o pão ázimo judeu), MASTIGANDO BEM o alimento para lembrar a culpa na crucificação de Jesus! Infelizmente, a grandeza do gesto completo da Santa Ceia se perdeu na noite dos tempos, e a própria liturgia atual eucarística não possui hoje os mesmos sinais penitenciais da sua instituição, e até a nossa Hóstia atenua a dureza daquilo que foi chamada a representar, pois é muito mais fácil que a mastigação de um pão comum nos faça lembrar que trituramos o corpo de Cristo do que a fineza e delicadeza de nossas hóstias oficiais, que muitos nem chegam a mastigar!.
A suprema humildade do homem está em se lembrar constantemente que ele mesmo foi um dos assassinos de Jesus, e a suprema humildade de Deus está em Jesus aceitar o sacrifício constante de Seu Corpo e Sangue, reduzindo-se a "mero pedaço" de pão na boca dos Seus assassinos. Nada neste mundo é mais valioso do que "entender" os dois gestos subjacentes na Eucaristia, e, até onde podemos suspeitar, é o único meio de termos 100% da verdade, daquela que é capaz de nos restaurar a saúde e nos fazer felizes na caminhada do Reino.
Prof. João Valente de Miranda. ______________________________________________
Nota: Nas palavras da Eucaristia, quando Cristo diz: "Isto é o meu corpo que será entregue por vós", os exegetas revelam que subsiste o sentido didático da mastigação, porquanto o original grego permite entender, no lugar de "será entregue", a expressão "será mastigado (despedaçado) por vós"...