O riso virtual

Por Osorio de Vasconcellos | 08/01/2014 | Crônicas

Resumo: No espaço de um correio eletrônico encaminha-se uma compreensão do riso estruturado na dimensão virtual das redes sociais.     

O riso virtual 

De: Luca Matéria

Para: Milton (um amigo) 

Em tua mensagem, com a argúcia que te é peculiar, dizes notar algo diferente no riso das pessoas. Não no trato direto com elas, mas no âmbito das redes sociais. Se bem entendi o teu reparo, descobres sob o gesto de quem ri na dimensão virtual uma nota destoante do padrão regulador dos teus modos de entender.

Chegas a cogitar de fraude social. Lanças sobre o riso virtual a suspeita de pertencer ao plano comum dos acontecimentos históricos.

De mim, se me permites, não seria tão taxativo, pelo menos antes de examinar  alguns aspectos teóricos da situação.

Até onde possa imaginar, a impressão de fraude que suscitas decorre de uma compreensão estritamente lógica do riso.

Para ti, todo riso há de ter uma causa perceptível e catalogável, uma razão de ser familiar à inteligência do observador.  Como não identificas nenhuma coerência no que vês, cogitas de riso fraudulento, hipocrisia social.

Não ignoro que há risos assim, estruturados em nítidas relações de causa e efeito. O riso da comicidade, por exemplo, decorre sempre da percepção de um mau jeito, uma queda, um tropeço, uma distração, etc.. O riso irônico nasce invariavelmente de uma operação intelectual sofisticada. O riso solidário costuma brotar da simpatia universal. Mas se prestares atenção, verás que a lógica  não constitui elemento indispensável ao riso. Rir, o mais das vezes, culmina um movimento intuitivo intimamente ligado aos domínios da arte. Se me perguntares que arte é essa que se materializa no riso, eu te responderei que essa arte é a arte de estar no mundo. E logo te dou dois exemplos. O riso lúdico das crianças, e o riso caótico dos loucos e dos devassos. Vá lá que seja, dou-te mais um exemplo, o riso enigmático, aquele mesmo que Da Vinci imortalizou no rosto de  Mona Lisa.  

Pois calha de ser nessa mesma categoria da intuição artística que eu pretendo alojar o riso estruturado na dimensão virtual, colocando-o no mesmo patamar das obras de arte. Com uma diferença. Enquanto a obra de arte tem forma e conteúdo, isto é, matéria e espirito, o riso virtual, por ser virtual, vagueia indefinidamente entre um fundamento e outro.

De todos os modos pesa a seu favor o mérito de aliviar o fardo da existência.

Com efeito, o riso virtual tanto dispensa a mediação enfadonha da lógica, quanto ignora livre de remorso  o massacre ambiental.  

Para encerrar este correio, copio Machado de Assis: Se a minha explicação te agradou, pago-me do esforço, caso contrário, pago-te com um piparote e adeus.