O RESGATE DA AUTORIDADE EM EDUCAÇÃO
Por José Paes de Santana | 10/01/2015 | Educação
GUILLOT, Gérard. O resgate da autoridade em educação; tradução Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2008. 192 p.
José Paes de Santana[1]
O autor é professor de Filosofia na Universidade de Lyon, França, e escreve sua obra em três partes abordando o assunto “o resgate da autoridade em educação,” partindo entre outras, da premissa de que “a crise da autoridade é uma crise da humanidade. Sair da crise é sair da inumanidade,” (p. 9) abordando a partir daí a crise da autoridade vista através de várias lentes, ressaltando na primeira parte de sua obra, aspectos propedêuticos da autoridade e afirmando que a autoridade implica firmeza de interditos, pautados no respeito, e no reconhecimento de seu verdadeiro sentido, para assim alcançar uma autoridade de bons tratos.
A obra é dividida em três partes, sendo abordado na primeira parte o sentido da autoridade; na segunda parte o porquê de a autoridade educativa está em pane, e na terceira parte o autor elenca algumas questões principiológicas, que nos dão elementos para alcançarmos, segundo ele, uma autoridade de bons tratos.
O autor nos apresenta a autoridade numa perspectiva etimológica na primeira parte de sua obra, deixam claro que autoridade (do latim auctoritate), como autorização, vem do verbo augere, que significa aumentar. Logo, quem tem autoridade, tem o direito ou o poder de mandar, ou de autorizar a: existir; crescer; aprender; ser reconhecido e respeitado em sua dignidade humana; criar; amar, e até a se enganar! Quem tem autoridade, portanto, deve abrir os horizontes e não fechá-los, no sentido freudiano de que a autoridade é um ato de confiança na humanidade e no outro.
Ainda sobre o sentido etimológico da palavra autoridade, este não deve ser visto apenas no seu aspecto negativo, enquanto: de obrigação; proibição; superioridade; obediência, e poder, entre outros, pois, desta forma entenderíamos a autoridade apenas como a autoridade que reprime e destrói, razão porque o autor apresenta ainda nessa parte de sua obra a autoridade que destrói, como sendo aquela proíbe, coíbe, e não permite sentir, pensar e existir por si mesmo, onde o corpo e as emoções da criança se projetam na repressão sofrida, ao mesmo tempo em que “[...] a autoestima e a autoconfiança [...], como a imagem do corpo se estrutura pela comunicação entre sujeitos, [...] se torna então o vestígio memorizado dia após dia do usufruto frustrado, reprimido ou proibido.” (p.17)
Em oposição à autoridade que destrói, o autor cita a autoridade que constrói como sendo a que revela o verdadeiro sentido da autoridade, induzindo à construção da autonomia por ser mais autorizativa, em que o aluno e/ou o filho não seriam mera projeção de um objeto de desejo de seus professores e/ou pais, mas sentiriam, pensariam e existiriam por si mesmos.
Quanto à necessidade e a função dos interditos, estes seriam proibições ou oposições de uma palavra a um ato, que deveriam ser estruturantes das liberdades a serem conquistadas pela criança, ao mesmo tempo em que deveriam recair sobre as ações e não sobre a pessoa, pois, pais e professores devem fazer o aprendente “tomar consciência do direito inalienável de existir e de ser respeitado como pessoa” (p. 55). Os interditos se remetem a um “nós” e não a uma criança em determinado, como excludentes de certas ações a todos proibidas, pois “saber dizer não a uma pessoa é respeitá-la, desde que se saiba dizer não ao que ela faz, sem dizer não ao que ela é: recusar uma conduta sem rejeitar a pessoa.” (p. 53)
Mais renomadamente o autor menciona como interdito, os simbólicos, da violência e do incesto, e os legais, que mesmo sendo prescrições dos grupos dominantes, devem ter cunho republicano.
Quanto ao contrato nas regras de convivência entre professor e aluno em sala de aula, a posição do professor deve ser a de garantidor da lei como também a de aplicador as normas decorrentes das decisões coletivas apuradas em sala de aula. As proibições nesse contexto são vistas como o antecedente lógico do aprender a autorizar.
Sobre a segunda parte da obra “porque a autoridade está em pane” o autor atribui tal ocorrência à existência atual de uma sociedade “adolescêntrica” (p. 69), em que não são mais os adultos os modelos de identificação ou de autoridade, e sim os adolescentes, jovens muitas vezes indisciplinados, imediatistas e em busca de uma satisfação pessoal, cujo grande desafio da escola e dos professores é o de reordenar o déficit de autoridade existente, para não ser coveiro dos sonhos das gerações futuras, neste caso sendo indispensável a boa gestão dos conflitos.
No âmbito familiar, profissional e educacional é mencionada existência de um adulto que pode apresentar-se como: captador; fusional; dogmático; indiferente, e adulto propriamente dito.
O adulto captador “acredita saber o que seu filho deseja ou teme e decide em seu lugar” (p. 76), fazendo o filho cativo de suas emoções; o fusional apresenta no relacionamento com os adolescentes, “cumplicidade recíproca na autoridade com fusão de papéis” (p. 78), este impede a criança de viver seu próprio mundo ao mesmo tempo em que deseja mergulhar no mundo adolescente por temer as intempéries do mundo adulto; o dogmático imagina que tem sempre a razão porque sabe o que é bom para a criança; o indiferente é aquele que não quer problemas e pouco se envolve, administrando as situações apenas como provedor e se contentando com o mínimo que cada um pode dar de si, inclusive ele; o adulto propriamente dito, que o autor chamou de adulto “adulto,” este seria aquele que assume a autoridade que constrói respeitando as fases de desenvolvimento da pessoa humana, no que Piaget chamou de fases psicogenéticas, numa esfera de empatia, e de escuta ativa das palavras da criança, “sem julgamentos irrefletidos, “sem críticas irônicas ou conselhos para endireitar.” (p. 25)
Enfim nesta relação de pane, a explosão da família nuclear também contribuiu para tal crise de autoridade, pois, muitas vezes na família monoparental o medo de pai ou mãe, de aplicar interditos, pode dar lugar ao instinto consumerista dos filhos, e como afirmou o autor que “o autoritarismo mortífero tem por simétrico a afetividade sufocante” (p. 27), o medo do autoritarismo por parte dos pais, dá lugar à confusão dos papéis na família e “o infantil reina cada vez com mais frequência em casa,” (p. 89) dando a permissão lugar à permissividade.
Afora o discurso entre permissão e permissividade, os papéis sociais da escola e do professor também se incluem entre os fatores apontados nessa crise de autoridade, ante as inovações que ocorrem nas escolas e à delegação do Estado de dar cada vez mais atribuições ao professor, que se sente no exercício de sua autoridade e de sua responsabilidade “[...] ao mesmo tempo juiz e parte, daí a importância do diálogo, da discussão argumentada, [...] de colegialidade de sabedoria,” como chamou o autor.
Ante a essa necessidade de diálogo entre as partes em crise, o autor chama atenção para “[...] a substituição do individualismo e da competição por um modelo de relação cooperativo [...]” (p. 131) onde, em suma, na atividade pedagógica, entre professor, saber e aluno, agregaria um quarto elemento, qual seja, o da parceria e “o triângulo didático [...], que correlaciona três pólos em interação no ato de ensino [...] abre-se, portanto para um [...] retângulo cooperativo.” (p. 137)
Na terceira parte da obra, “por uma autoridade dos bons tratos,” o autor apresenta a realidade dos maus-tratos consubstanciada em “tratamentos nocivos à saúde, violências físicas, assédio moral ou sexual, humilhações, exclusões, confinamento, escravidão, prostituição, etc.” (p. 139), ao mesmo tempo em que suscita que a autoridade que destrói deve dar lugar à autoridade que constrói “por meio de uma atitude educativa que respeita a pessoa da criança ou do adolescente (do adulto também), sem exercício de um poder destruidor, mas também sem tolerância cega.” (p. 139)
No desenvolver da terceira parte o autor chama atenção para a “cultura do instante” (p. 141) que deve dar lugar à cultura do projeto, inclusive ao projeto de vida.
Na primeira parte do livro, ao comentar sobre os interditos simbólicos, o autor comentou que “o retraimento identitário obedece a uma lógica da exclusão,” (p.59), numa metáfora em que deixou claro que a proibição do incesto deve estimular a troca, para evitar que as pessoas fiquem apenas dentro de si mesmas. Agora o autor esclarece que a cultura midiática associada ao “consumo de imagens não levanta somente um problema de influência e de fascínio, ele corta as asas da imaginação,” (p.142) de modo que a criança e o adolescente saem completamente de si, indo para o extremo oposto do ensimesmar-se, e não criam nem reproduzem projetos de vida para si, apenas vivem o hoje, o agora, se projetando em astros que a mídia lhes oferece, esquecendo-se até mesmo que envelhecem, de modo que tal imediatismo obscurece o que o jovem deve esperar de si e para si amanhã.
O autor ainda lança mão dos quatro modelos de autoridade, conforme sua legitimidade, segundo Max Weber, a saber: a autoridade tradicional que se fundamenta no caráter sagrado da tradição, a autoridade carismática pautada na afeição entre líder e liderados, a legal que a lei assim o fez, e a racional que emerge da eficácia do líder. Tais modelos nos inspiram a uma autoridade pautada no diálogo, na parceria e na ética.
Conclui-se assim a obra com a aspiração de que a ética da autoridade deve conduzir o caminho da construção pessoal, nos capacitando para viver e conviver “respeitando a Lei e aos valores fundadores de uma humanidade pacífica e sem exceção” (p.175), colocando-nos em lugar do outro (sim), não para sentir, pensar e existir pelo outro, mas, com os outros ou como se fôssemos o outro.
No mesmo diapasão, a conclusão pessoal da obra deixa claro que a sedução pelo ter parece ser e um liame de incompatibilidade entre aspirações e realidade e a não satisfação das necessidades materiais e mesmo das pós-materiais, parece ser a grande causa não só da crise de autoridade, mas um antecedente que compunge a sociedade ao conflito, e por outro lado a quem detém a autoridade, de ver-se em crise ante os conflitos gerados pelas frustrações e pela exclusão social. Associado a isso a autoridade que deve mediar à crise não se deve reduzir a preceitos, mas deve mediar pela palavra respaldada por exemplos, como princípios de ação concreta, que suscitem no liderado a autoridade do líder, capaz de “autorizar a ser, a crescer, a aprender, a se tornar uma pessoa responsável” (p. 185 – 186), numa perspectiva de alteridade.
[1] Mestre em Educação. Graduado em Ciências, Matemática, Bacharel em Direito e atualmente é Diretor do Centro de Ensino Fundamental 02 do Guará - Secretaria de Estado de Educação do DF - Brasil. Trabalha com Educação, com ênfase em Educação Matemática, Mediação de Conflitos, e Direito. jose.santana@professor.unidesc.edu.br