O REI QUE NÃO SABIA DE NADA DE RUTH ROCHA: A CRÍTICA POLÍTICA NA NARRATIVA INFANTIL
Por Michele A Mariano de Abreu | 18/12/2013 | LiteraturaO REI QUE NÃO SABIA DE NADA DE RUTH ROCHA: A CRÍTICA POLÍTICA NA NARRATIVA INFANTIL
(1) Michele AP. Mariano de Abreu
(2) Jesuíno Arvelino Pinto
RESUMO: Este artigo visa apresentar a análise da obra infantil O Rei que não sabia de nada de Ruth Rocha, publicada em 1980, o qual relata um dos períodos mais difíceis da historia do nosso Brasil. Assim, este artigo situa na década de 70 (ditadura militar), que está inserida na obra, época muito conturbada, pois retrata as questões sociais, políticos e econômicos que surgiram durante o Regime Militar, pois durante esse período viviam em momento de repressão e de censura, e a única forma de denunciá-los era por meios das metáforas. Para argumentar a respeito da análise do livro infantil utilizamos como material de apoio a obra de Fanny Abramovich Literatura infantil Gostosuras e bobices e a obra de Antônio Candido (1976) Literatura e sociedade. Para tanto, foram realizados pesquisas e estudos do acervo bibliográfico sobre A Literatura Infantil e, A Leitura e o espírito crítico, para mostrar os fatores sociais inseridos na obra infantil e análise dos elementos da narrativa.
Palavras-chave: domínio político, literatura infantil, O rei que não sabia de Nada, Ruth Rocha.
DADOS SOBRE A AUTORA
Ruth Rocha nasceu na cidade de São Paulo, em 2 de março de 1931 é uma escritora brasileira de livros infantis e muito respeitada pela crítica, conforme alguns depoimentos como de Nelly Novaes Coelho da USP, dentre outros. É membro da Academia Paulista de Letras. Formou-se em sociologia política, trabalhou como orientadora educacional no Colégio Rio Branco. Escreveu em 1967 artigos sobre educação para várias revistas, publicou seu primeiro livro, Palavras Muitas Palavras em 1976, desde então tem 130 títulos publicados como O Rei que não sabia de nada em 1980 dentre outros, que foram traduzidos em 25 idiomas. Além disso, foi engrandecida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e recebeu outros prêmios.
CRÍTICA POLÍTICA NA NARRATIVA INFANTIL O REI QUE NÃO SABIA DE NADA
A obra de Ruth Rocha O Rei que não sabia de Nada, está inserida na década de 70, mais especificamente a Ditadura Militar, período em que foi instaurado pelo plano político marcado pelo autoritarismo, eliminação dos direitos constitucionais, perseguição, tortura e prisão dos opositores e pela imposição da censura dos meios de comunicação.
Nota-se que tal situação atinge também as obras infantis, pois a mesma deixa o moralismo, escapismo e, o didatismo e a linguagem assumem uma dimensão lúdica, com isso, a literatura infantil passa a ser encarada como um dado do real e os problemas sociais deixam de ser aliviados do universo infantil.
Mas percebe-se que com esse regime todos sofrem “de novo, há uma restrição regressiva da censura”, mas Proença Filho (2002, p. 372) diz que “a abertura para a democracia virá gradualmente e lentamente, por intermédio de alguns governadores como general Enersto (1974-1979), o Figueiredo (1979-1985) e o José Sarney (1985-1986) que buscam viver um governo democrático”.
Dessa forma, é neste contexto que enfocaremos a história do rei que “não sabia de nada”, não por ser só o rei representante do poder, mas porque nesse conto configura bem a tensão dominante/dominado.
Assim, O Rei que não sabia de nada é um conto que aborda feitos majestosos. No texto, o rei é o causador dos problemas que aconteciam, pois não se preocupava em saber o que o seu povo pensava ou sentia, e toma a decisão de colocar uma máquina para fazer todos os serviços que são feitos pelos seres humanos. A ação se passa em um tempo impreciso, mas há uma concisão que causa um efeito singular, muita excitação e emotividade. A história apresenta alguns diálogos que amparam a tensão dominante/dominado no qual, configuram melhor a posição do rei o representante do poder.
Mas antes de argumentar sobre o conto, é relevante observar que conforme Candido (1976, p.3) “deve-se examinar como a realidade social transforma-se em um elemento de estrutura literária, podendo ser estudada em si mesma, e só com o conhecimento desta estrutura permitirá a compreensão da função que a obra exerce”. Além disso, o autor adverte que é preciso dar um “tratamento dos fatores sociais analisados pela sociologia na literatura, pois deve levar em consideração se o fator social busca definir ou se ele fornece apenas matéria (política, social, econômica, costumes, ambientes), que servem de veículo para administrar a corrente criadora”.
Desse modo, o conto de Ruth Rocha trata de questões sociais, políticos e econômicos que surgiram durante a Ditadura Militar, pois durante esse período viviam em momento de repressão e de censura, e a única forma de denunciá-los era por meios das metáforas, e todos esses fatos estão presentes na ficção O Rei que não sabia de nada.
A trama põe em evidência a voz imperativa, que é capaz de arrepender-se, modificar-se. E o próprio título da história pressagia o tema, pois ao mesmo tempo em que sugere a inocência do rei, ironiza sua ignorância. O rei vive confinado em seu castelo não tendo contato com os verdadeiros problemas do povo, toma uma decisão absurda colocando uma máquina para fazer todos os serviços que poderiam ser feitos pelos próprios seres humanos, assim, isso pode representar-se como uma metáfora da autoridade exercida pelo controle da “máquina” estatal brasileira, com proibições de publicações, apresentações teatrais.
Além disso, o Rei mantém o autoritarismo, mas é capaz de arrepender-se de seus atos, e seu reino divide-se em duas categorias que são grandes e pequenos; fortes e fracos, com isso, Ruth Rocha consegue, por meio de leitura lúdica mostrar as crianças que o governo e o povo são opostos, pois coloca a população mais fraca, mas com sabedoria que pode criar soluções, além de mostrar com a participação dos povos na tomada de decisão a ideologia democrática.
No entanto, com a participação do povo nas decisões do reino no momento em que se unem para ajudar o rei a governar, consertando os estragos decorrentes da má administração da máquina, cada pessoa torna-se responsável de certa forma, contribuindo para solucionar o problema do país, pois o pai despede os ministros, a mãe fecha o castelo (símbolo da monarquia) e a irmã de Cecília resolve chamar todo mundo para dar uma idéia, pois “uma porção de cabeças trabalham melhor que uma só” (Rocha, 1980, p. 43). Além disso, a autora dá voz ao idoso, no momento em que anuncia: “Mas sabe? (...) a gente já estava juntando um grupo pra ir falar com o rei. Nós íamos lá pra dizer pra ele o que está acontecendo” (Rocha, 1980, p. 39) que muitas vezes são deixados de lado, assim como a criança e a mulher no qual ficam em segundo plano.
O texto mostra também que, no momento em que a menina Cecília, apresenta uma utilidade para a máquina transformado-a em parque de diversão, corresponde como forma de não esquecer os momentos difíceis que o Brasil enfrentou. Talvez Ruth Rocha acreditasse que quem conseguiria “derrotar” o governo militar no Brasil não seriam os próprios militares, mas o “povo”, através de lutas, de idéias e de manifestações.
É importante salientar também que, as soluções sugeridas pelo povo abordam que se a população consegue achar saída para seus problemas, às crianças após lerem o livro irá sentir estimulada para descobrir suas próprias soluções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conto O Rei que não sabia de nada, figura entre as obras-primas da literatura infantil. As questões a que o conto estabelece são os problemas que assolaram o país e, talvez seja essa uma das razões para que esse conto mantenha o seu vigor e seu impacto sobre o leitor. Pois, até hoje a história do reino muito longe daqui que ocorreu com o rei bem diferente dos reis que andam por aqui, lembra-nos de um país chamado Brasil em um tempo não muito distante, com um governo não muito diferente da narrativa.
Desse modo, Candido (1976, p.04) salienta que “o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno”. Assim, a análise crítica sobre os elementos responsáveis pelo aspecto e o significado do conto, pretende ir mais além, unificando-os para formar um conjunto, em que cada aspecto atua sobre o outro.
Enfim, pode-se notar que Ruth Rocha foi perspicaz em utilizar as figuras de linguagens para fugir da censura, pois denuncia, no conto, os problemas sociais existentes no país durante o Regime Militar. Além disso, a proposta de não alienar o leitor é o grande sucesso da literatura infantil, pois para a criança de hoje é preciso de uma história que fale como os mesmos e, mostrar a eles que a vida tem seu lado ruim, mas também tem seu lado bom.
REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS
ABRAMOVICH, Fanny, Literatura Infantil Gostosuras e bobices.
CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1976.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 15. ed. São Paulo: Ática, 2002.
ROCHA, Ruth. O Rei que não sabia de nada. 17 edição. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980.
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