O Rei E Sua Coxa De Frango: Uma Análise Da Sátira O Quinto Dos Infernos

Por Bruno Couto | 15/02/2008 | História

Resumo

Este artigo tem como objetivo desconstruir e problematizar o enfoque dado pela mídia, na minissérie "O quinto dos infernos", onde apresenta de forma sátira a presença da família real portuguesa no Brasil. O artigo irá buscar analisar os mitos construídos acerca alguns personagens históricos, tendo como base de discurso desconstrutivo das versões históricas contemporâneas.

A perspectiva historiográfica proposta pelos Annales, e uma nova transformação da ótica tradicional da história, portanto a noção de documento e fontes tendem a se ampliar dentro destas novas propostas historiográficas. Tal tendência promoveu uma aproximação da história com outras disciplinas, no âmbito de desenvolver um método que se adeque as novas produções historiográficas, sendo que inserido e vinculado às novas propostas o discurso "a história se faz com documentos escritos" acaba que sendo criticada e redefinida .

Para aqueles que ouviram o aos apelos dos Annales, logo mudaram a ótica de suas analises, tendo como suporte metodológico, uma infinidade de fontes, tais com : audiovisuais, iconográficas, objetos materiais, documentos impressos etc. Sendo que tal proposta vinculada a modelos metodológicos de analise critica, colocando as novas fontes num processo de autenticidade e adequação a produção historiográfica.

Marc Bloch e Lucien Frebvre, os fundadores dos Annales, conclamaram em 1929 os historiadores saírem dos seus gabinetes e farejarem, tal como o orge da lenda, "a carne humana", em qualquer lugar onde pudesse ser encontrada por quaisquer meio. Para os historiadores que ouviram o apelo de Bloch e Frebvre, o texto ganha contornos mais amplos, incluindo toda a produção material e espiritual humana: e preciso trabalhar. (CARDOSO. MAUAD.1997,P.401)

A proposta dos Annales de utilizar novas fontes e viável, mas, contudo requer uma gama de analise para que a mesma de fato viabilize a construção histórica , e não apenas torne o trabalho historiográfico em um emaranhado de publicações e pesquisas, visando a todo o momento a quantidade e descartando a qualidade,e não tendo um método especifico que possa contribuir para a critica de sua produções. Jose Carlos reis observa que :

"O historiador não pode se resignar diante de lacunas na informação e deve procurar preenche-las. Para isso, usará documentos não só de arquivos, mas também um poema, quadro, um drama, estatísticas, materiais arqueológicos" (Reis, 2001 p.77.).

Este artigo tem como objetivo analisar a minissérie, sendo uma produção audiovisual e passiva de analise, "O quinto dos infernos" e uma minissérie, tendo vindo ao ar em 08 de janeiro de 2002 a 29 de março de 2002 ,escrita por Carlos Lombardi, com direção de Wolf Maya.

Contou de maneira irreverente e engraçada, a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808. Uma história sobre os bastidores da Independência do Brasil, contada de maneira cômica e com muita aventura.Tudo começa em 1785, com a chegada da pequena espanhola Carlota Joaquina a Portugal para casar-se com D. João, já em 1808, após muita indecisão, D. João VI resolve transferir a corte para o Brasil, para fugir dos ataques e do poderio bélico de Napoleão Bonaparte. No Brasil, o rei D. João VI e sua mulher, a esquentada Carlota Joaquina criam os filhos Pedro, Miguel e Maria Teresa que convivem com as loucuras da avó, D. Maria, "louca", e tentam se adaptar às diferenças de hábitos da colônia. O tempo passa e Pedro terá muitas mulheres, mas somente duas oficiais: D. Leopoldina, e após sua morte, a bela Amélia. Passarão pela sua vida turbulentas paixões, como amante mais famosa do Brasil, Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. O dom de Pedro para a paixão deve ser hereditário, já que sua mãe Carlota Joaquina, preza o sangue espanhol que tem e também mantém vários amantes, não se importando em humilhar o marido sempre que pode. Segundo Mary Del Priore, "o episódio presta-se à caricatura, pois se inspira na bibliografia republicana e positivista do fim do século 19 que, para afirmar a identidade do novo regime, enxovalhou o anterior". (DUNDER.2002,p.1) a diz ainda que, "emprestando um pretexto histórico, no caso a vinda da Família Real portuguesa ao Brasil (1808), a série apenas vende ao espectador mais uma pornochanchada global". (DUNDER.2002,p.1) Podemos perceber a posição da historiadora perante a minissérie e de um certo repudio perante a versão utilizada pela mídia. A minissérie traz a tona à figura de Dom João VI um tanto que enxovalhada. Mary Del Priore acrescenta:

D. João VI podia não ter o padrão global de beleza, mas foi um soberano que muito fez pelo Brasil: fundou a Imprensa Régia, o Banco do Brasil e trouxe a missão francesa, responsável por transformações nas artes; espero que entre uma mordida e outra na coxinha de galinha se diga isso ao espectador.'(DUNDER.2002,p.1)

Outro que trabalha a imagem de D.João VI, e Gilberto freire em seu livro Sobrados e Mucambos traz uma analise um tanto que contraditora de Mary Del Priore, acredito eu sendo a influência sofrida pelo regime republicano pois retrata a imagem do monarca um tanto que parecida com a minissérie.

A presença no rio de janeiro de um príncipe com poderes rei; príncipe aburguesado, porcalhão, os gestos moles, dedos quase sempre melados de galinha, mas trazendo consigo a coroa;trazendo a rainha, a corte, fidalgos para lhe beijar a mão gordurosa mas prudente.(FREIRE.1936,P.54)

Freire acaba que por sustentar o ponto de vista da sátira , na qual o monarca e visto como um comilão, que não importa com a situação política do Brasil. O enredo proposto pela mídia, traz a tona a figura de um monarca indeciso, que vive um casamento de fachada com a rainha Carlota Joaquina, e que a todo momento tem que resolver os problemas amorosos de seu filho ,o futuro imperador do Brasil, e ainda escapar das armações de Carlota, que conspira contra ele, pretendendo destrona-lo e assumir o poder.

Contudo Renato Pinto Venâncio, co-autor do Livro de Ouro da História do Brasil, acha que escolhas menos óbvias (e problemáticas do ponto de vista histórico) por parte do autor poderiam interessar mais ao público. Ele cita, por exemplo, o fato de D. João ser adepto de algumas modas românticas, como o piquenique: "Logo que chegou, chocou a sociedade do Rio de Janeiro por comer na grama e com as mãos, um hábito dos escravos - o que resultou na sua imagem de glutão e desajeitado."(DUNDER.2002,P.1)

Arruda defende que "a imagem de D. João VI como indeciso", explorada por Carlos Lombardi, é equivocada: "D. João VI foi um sábio, que soube usar a astúcia da neutralidade para lidar com as pressões exercidas pelas potências França e Inglaterra." (DUNDER.2002,P.1).

A posição administrativa de D.João, e repleta de criticas muitos tem em mente que os tratados de 1810, no qual D. João concedia benefícios e sancionava algumas restrições alfandegárias aos ingleses, estava sob a base de temor do monarca perante a nação inglesa. Contudo e importante analisar que "as regalias que D. João concedia com uma mão ao comercio estrangeiro, procurava restringir com a outra, que estendia aos portugueses" (COSTA.1973,P.77).

O alvará de 28 de setembro de 1818 declarou livre o comercio de quaisquer gênero não vedados. Pouco tempo depois, a 19 de novembro, um decreto determinou que as embarcações que não pertencesse a portugueses, estabelecidos nos estados portugueses, navegados por mestres a três quartas partes de vassalos do rei de Portugal, não seriam admitidas a importar nos portos de Portugal, Brasil, ilhas dos Açores, Madeira, Cabo Verde, Portos da Costa Ocidental, ilhas adjacentes sujeitas a coroa, produções manufaturadas da Ásia, China, ou qualquer porto ou ilhas nacionais ou estrangeiras alem do cabo esperança e mares do sul. (COSTA.1973,P.77).

A política de D.João se assemelha bastante com a política econômica da Inglaterra no período de Oliver Crower, quando suas medias, contribuíram para que a Inglaterra exerce sua hegemonia. No entanto podemos observar o quanto que D. João se empenhava para manter uma economia favorável em favor dos portugueses.

Desde 1808 D.João oscilava entre a necessidade de liberalizar a economia, de acordo com as tendências da época e as exigências britânicas, o que levava aceitar as tendências da época e as exigências britânicas, o que levava a aceitar os princípios do livre-cambismo, e a necessidade de manter numerosas restrições indispensáveis à proteção dos interes português, o que o leva a tomar disposições nitidamente mercantilistas. Adotar em toda extensão os princípios do liberalismo econômico significaria destruir as próprias bases as quais se apoiavam a coroa. Manter inato o sistema colonial era impossível nas novas condições. (COSTA.1973,P.79).

No entanto o que pode ser analisado na minissérie e que D.João não passava de uma marionete nas mãos dos ingleses, sendo que de forma um tanto que desligada das atividades políticas do Brasil, sempre as voltas de D.Pedro e seus "rabos de saias",outra preocupação que deixa o rei um tanto que estarrecido e as intrigas causadas pela sua esposa Carlota Joaquina, na minissérie estar sempre a conspira para que seu filho Miguel tome o trono e para que D. João invada a cisplatina para que ela possa representar a corte espanhola pois sendo ela a única representante dos espanhóis no Brasil. A minissérie traz imagens e ações que criam uma visão sátira um tanto que distorcidas dos acontecimentos e analises atuais, ao ser trabalhada afigura de Carlota Joaquina, não analisam toda a sua ousadia e determinação exploram o seu lado sexual, e sua ânsia por homens. Apenas criticar a minissérie como difusora de uma imagem distorcida da família real, seria uma infelicidade, pois autores como oliveira Lima em seu livro D.João VI, retrata Carlota Joaquina com traços um tanto que peculiar da minissérie, quando ele cita: " os traços convencionalmente feminino de dona Carlota era o amor das jóias e vestidos, o franco pelo luxo.nela não havia meiguices de mulher"(Lima.1996,P.178). Podemos ressaltar que oliveira lima tem um discurso histórico um ta tanto que parecido com o da mídia que destaca a figura de Carlota Joaquina com um desejo sexual um tanto que aflorado e insaciável. O autor analisa sua desenvoltura quando a descreve "a natureza de fato enganou-se fazendo com tal alma desta filha dos Boubons uma mulher" (Lima.1996,P.177). Sendo que discurso de Oliveira sustenta o que na minissérie Carlota usava como jargão "há se tivesse nascido homem", fazendo alusão para a figura de D.João que segundo ela não passava de "frouxo" que temia os ingleses.

Outra personagem que se envolveu pelo clima tropical do Brasil, contribuído para as pesquisas e o desenvolvimento das ciências naturais e as artes , foi Leopoldina, a arquiduquesa da Áustria que vem pra o Brasil para poder se casar Don Pedro I, sendo que a minissérie retrata ela como sendo um tanto passiva e não abre espaço para mostrar ou ate mesmo falar de sua contribuição,retratando ela como uma conformada com as traições do marido, uma pessoa dócil, afável,sendo que, que as suas relações com Jose Bonifácio são praticamente nulas, o seu envolvimento no processo de independência do Brasil em momento algum fala de sua participação e o quanto foi de grande valia.

Parece que as tendências naturalistas da princesa , ou quisá, a sua própria iniciativa gerou o projeto de trazer no seu séqüito uma missão de cientistas e artistas que explorassem o país desconhecido.(FAUSTO.2004.P,124).

Com Leopoldina veio Pobi um dos mais ilustres cientistas, que e considerado o explorador de Goiás, do qual foi o primeiro a registra e extraordinária riqueza mineralógica e faunística. Este e apenas um nome entre muitos que temos Von Martius e Von Spix,Mikan, Naterer entre outros, zoólogos, entómologos, botânicos, médicos artistas que vieram na comitiva da arquiduquesa D.Leopoldina.

Podemos contudo perceber que há lacunas que precisam ser preenchidas na minissérie, e que a forma sátira como foi abordada contribuiu para que o imaginário e a falha historiográfica presente na história do Brasil continuassem a serem repassadas, sem nenhum compromisso e responsabilidades, onde o lado cômico e erótico sobrepôs o ponto histórico e critico, confirmando o que por tempos perpetuou na escola tradicional, um modelo de analise acritica, que para uma gama de pessoas leigas o posicionamento distorcido acaba que por gera uma colocação de verdade absoluta. Segundo José Jobson de Arruda, "Os adultos com boa formação conseguem entender a brincadeira, mas, para os jovens e adolescentes, a imagem distorcida pode ficar como referência, até porque o humor facilita a apreensão da história." (DUNDER.2002,P.1).

Na sua opinião, "a Globo, por seu alcance, "tem uma responsabilidade social" e não poderia estar "prestando esse desserviço à educação"(DUNDER.2002,P.1).

De acordo com Elena Correa: "Enganou-se quem pensou que vinha aí mais uma minissérie de época como todas as outras. Já que o horário permite, Lombardi vai ousar nas cenas de sexo. E parece que o público gosta. A média de audiência na estréia foi de 37 pontos. No mesmo mês, ano passado, o primeiro capítulo de Os Maias teve 32 pontos, e o de Presença de Anita, 31, em agosto. A audiência de O quinto dos infernos só não superou a média da estréia de A muralha: 44 pontos em janeiro de 2000."(CORREA.2002.p,1)

No entanto o horário em que a minissérie foi ao ar e um tanto que excludente, sendo os programas de tv que passavam ou que passam neste horário investe em discursos culturais, e discurçoes políticas que visam à construção do discurso intelectual, não sendo o meu objetivo e exaltar tais programas, mais apenas usa-los como comparativos de analise.

A minissérie no entanto mostrou, a história do Brasil um tanto que de forma deturpa de acordo com a analise de alguns historiadores que vão contra o posicionamento da minissérie, e alguns que tem o discurso parecido com o da mídia, e o caso de Gilberto Freire, quando defende o posicionamento da figura de D.João VI como sendo um comilão.

Portanto e preciso que o historiador utilize a fonte Audiovisual para uma analise ou discursão ou ate mesmo como metodologia de ensino tem que tem um certo cuidado, sabendo fazer a critica certa para com a sua fonte, procurando alguma obras e analises de historiadores, para fundamentar seu discurso pois a fonte audiovisual vem complementar o discurso histórico.

Bibliografia

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CARDOSO, Flamarion Cardoso. MAUAD, Ana Maria.historia e imagem: Os exemplos da fotografia e do cinema. In: Domínios da história.(orgs) CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS,Ronaldo.Rio de Janeiro:campus,1997.

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FAUSTO,Boris. II O Brasil monárquico, o processo de emancipação.11º ed.rio de janeiro:Bertrand Brasil,2004.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro. Liv. José Olympio Editora, 2ª edição, 1951, p. 1095-1150.

LYRA, Maria de Lurdes Viana. Memória da independência: marcos e representação simbólicas. In: revista brasileira, vol 15, nº 29. São Paulo,ANPHU, contexto 1995.

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Anais eletrônicos

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp160120029.htm. Acesso em 18/10/2007 as 9:30.