O Regime Diferenciado de Contratação (RDC) e a medida provisória nº 630/2013

Por Bianca Angícia Umburana Santos | 08/11/2016 | Direito

Bianca Angícia Umburana Santos

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa, de forma objetiva, explicitar as questões acerca do Regime Diferenciado de Contratação – RDC – feito pela Administração Pública, analisando a lei de licitações e os contratos administrativos, bem como a discursão sobre sua constitucionalidade.

Para melhor compreender o assunto a ser tratado cabe conceituar o que é licitação. Pois, esta é o procedimento administrativo, que antecede o contrato administrativo, pelo qual a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens, para, através de uma competição, escolher quem oferecer a proposta mais vantajosa.

O processo licitatório no Brasil é regulado por Leis e Decretos, dentro os quais destacamos a Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitação), que veio regulamentar o art. 37, XXI, da CF/88, e a Lei nº 10.520/02, que institui o pregão. A Lei Geral de Licitação prevê como modalidades licitatórias: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. Além das previstas em leis próprias como o pregão e a modalidade consulta, para Agências Reguladoras. Com advento da Lei 12.462/11 alguns doutrinadores classificam o RDC como uma nova modalidade de licitação.

REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas, também chamado RDC, trata-se de um conjunto de normas para contratações públicas instituído pela Lei n° 12.462/2011, que teve como origem a Medida Provisória n° 527/2011 e atualmente goza de status de Lei Ordinária. Entre suas fontes de inspiração estão as Leis que dispõe sobre o pregão, nº 10.520/02, e sobre as normas gerais de contratação de consórcios públicos, além do Decreto n° 2.745/98 que regula o procedimento licitatório no âmbito da Petrobrás.

Após a escolha do Brasil como sede da Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e os jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016 houve forte pressão para o cumprimento do cronograma de tais obras. É nesse contexto que se criou o RDC destinado especificamente a atender obras de infraestruturas de grandioso vulto, levando em consideração que a Lei Geral de Licitações, n° 8.666/93, não atenderia as demandas que os grandes eventos esportivos gerariam em decorrência, especial, de sua morosidade nos processos licitatórios.

Ante a falta da celeridade dos procedimentos licitatórios e a escassez de tempo para realização das obras destinadas aos eventos esportivos que aconteceriam no Brasil, primeiramente, foram editadas as Medidas Provisórias 488 e 489 de 2010. A primeira tinha por finalidade a criação de uma empresa pública para prestar serviços a Administração dos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para elaboração e revisão de estudos e projetos, e execução de obras e serviços constantes da Carteira de Projetos Olímpicos da Autoridade Pública Olímpica (APO). A segunda autorizava que a União integrasse, na forma de consórcio público de regime especial, a APO. Esta tinha por objetivo coordenar a participação da União, Do Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro na preparação e realização dos Jogos Olímpicos de 2016.

Contudo, tais Medidas perderam sua eficácia, uma vez que não foram apreciadas no prazo estabelecido. Assim, editou-se a Medida Provisória nº 527/11, que, inicialmente, não tratava das licitações, mas durante sua tramitação na Câmara dos Deputados foi instituído o Projeto de Lei de Conversão nº 17/2011, prevendo o RDC e mantendo as disposições do texto original. 

A principal finalidade do novo regime de contratações públicas foi estabelecer um ambiente de licitações mais célere, econômico e eficiente. Para isso o artigo 1°, § 1° da Lei 12.462/11 instituiu seus próprios objetivos, quais sejam:  ampliação da eficiência nas contratações públicas competitividade entre os licitantes; promoção da troca de experiências e tecnologias, buscando a melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; incentivo a inovação tecnológica; e garantia de tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

Verifica-se, no entanto, que, inicialmente, tal regime foi instituído para aplicação nos projetos ligados aos eventos esportivos, já comentados. Todavia seu âmbito de aplicação vem sendo alargado, já sendo aplicado, também, nas ações integrantes do PAC e para obras e serviços de engenharia no âmbito do SUS, do sistema público de ensino e para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. Assim, art. 1°, caput e incisos, específica quando será aplicada e quais são os objetos da Lei 12.462/11:

Art. 1° É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO);

II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II;

IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);

V - das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS;

VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.

O RDC diverge da lei Federal de licitações (8.666/93) em aspectos bastante relevantes, dentre as principais inovações podemos destacar a inversão das fases de habilitação e julgamento das propostas, que deixa de ser exceção e passa ser a regra. Traz de forma expressa a permissão ao sigilo do orçamento prévio da Administração para contratação do objeto, com fim de alcançar melhores propostas deixando de constar preços máximos no Edital das licitações. Há, também, novos critérios de julgamento, dentre estes o "melhor conteúdo artístico" e o "maior retorno econômico", e, ainda, a possibilidade de contratação de mais de uma empresa para execução de um mesmo objeto, a fim de que se maximize a eficiência da prestação ao Estado, com a criação de um ambiente competitivo dentro do próprio contrato.

As maiores críticas feitas ao RDC sobre sua materialidade, que insurgem na sua constitucionalidade ou não, referem-se à suposta ausência de parâmetros mínimos para identificar obras, serviços e compras que devem se submeter ao Regime; a violação da isonomia prevista no art. 37, XXI, da CF/88, por força da contratação integrada; vulneração da ampla competitividade em virtude da pré-qualificação permanente prevista no art. 29, I, da Lei em comento; e eventuais ofensas às normas protetivas do meio ambiente.

Para CARVALHO FILHO (2012), à “imprecisão do que sejam obras, serviços e compras efetivamente voltados aos eventos esportivos internacionais, já que a lei não indica os respectivos parâmetros”.

Outra impugnação recai sobre o regime da contratação integrada (art. 9º, §1º), que contempla a possibilidade de um só interessado ter a seu cargo não só a elaboração dos projetos básico e executivo, como também a sua própria execução, concentrando atividades que, por sua natureza, reclamaria executores diversos. Aqui também haveria vulneração ao art. 37, XXI, da CF, por afetar o princípio da ampla competitividade consagrado em sede constitucional.

Dentre tais discursões, é válido salientar que a contratação integrada (onde a empresa fica responsável por toda a obra) acaba se revelando um mecanismo vantajoso, de forma que inviabiliza a celebração de termos aditivos e propicia um ganho de tempo e economia ao erário, ao invés de dois processos licitatórios tem-se apenas um, onde a contratada ficaria a cargo de realizar o anteprojeto e colocá-lo em prática. Com isso a empresa praticamente assumiria todos os riscos da construção, não podendo ele pleitear reequilíbrio econômico-financeiro à Administração caso verifique, durante a execução das obras, a necessidade de aquisição de mais materiais, insumos ou recursos humanos do que o constante dos seus próprios projetos básico e executivo, exceto em caso fortuito ou força maior, ou se houverem sido motivadas por alteração posteriormente requerida pela Administração no transcurso do Contrato. No entanto, algumas pessoas defendem que sem a prévia definição do objeto por meio do projeto básico impediriam a ampla competitividade entre os concorrentes, pois o conhecimento das características e do valor das obras somente ocorreria após a assinatura do contrato, bem como o procedimento de pré-qualificação permanente.

Em relação à pré-qualificação constantes nos arts. 29, I e 30 da Lei do RDC, se mostra como uma forma de agilizar a licitação, evitando a habilitação de candidatos desprovidos de idoneidade financeira, inaptos técnicos e juridicamente ou sem regularidade fiscal para concorrerem ao abjeto da licitação. Percebe-se que atende ao princípio constitucional da eficiência, da isonomia e da moralidade, pois aberta a todos os interessados a se habilitarem, incentiva a competitividade e se obtêm preços vantajosos. É o que podemos verificar do art. 3º da Lei 12.462/2011:

As licitações e contratações realizadas em conformidade com o RDC deverão observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

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