O que esperar do cartão de crédito com prazos menores
Por Central Press | 26/12/2016 | Política* Françoise Iatski De Lima
Diante da crise econômica atual e tentativas de retomada do crescimento, o Governo Federal propõe mudanças nos cartões de crédito e meios de pagamentos, e, como parte do pacote de estímulo, almeja provocar a redução dos juros ao consumidor final. Quanto aos varejistas a medida proposta poderia melhorar o caixa via a redução de despesas.
Nos últimos dias anteriores ao feriado natalino, foram anunciadas ações que estão sendo elaboradas pelo Ministério da Fazenda e do Planejamento, juntamente ao Presidente Michael Temer, que pretendem reduzir o número de dias que as administradoras de cartão de crédito têm para pagar o lojista, sendo esta uma das medidas principais do citado pacote de estímulos. Hoje em dia, o comerciante leva em torno de 30 dias para receber o dinheiro após a aquisição do cliente.
Em uma rápida análise, se o prazo for reduzido, o varejo vai diminuir o custo do dinheiro. Em outras palavras, com o prazo menor, o varejista deixaria de utilizar o instrumento financeiro de antecipação de recebíveis, no qual os comerciários pagam uma taxa aos bancos múltiplos para que possam receber valores do cartão de crédito antecipadamente.
Consultando o mercado consumidor e considerando o desejo dos varejistas, há a certeza de que caindo o prazo, inclusive próximo ao padrão de países desenvolvidos pelo resto do mundo (entre dois e três dias), o consumidor terá ganhos em relação ao preço final dos bens e serviços, dado que a necessidade de antecipação de recebíveis eleva, consideravelmente, as despesas financeiras, gasto representativo nos resultados da conjuntura comercial brasileira, diante das taxas internas de juros praticadas, que acaba impactando o preço ao consumidor final. É como uma transferência da renda que foi gerada aos bancos para os empresários do setor de varejo, que terão, possivelmente, seu capital de giro reforçado.
Embora alguns analistas assinalem que grandes firmas poderiam usar de seu poder de negociação e posição de caixa estável para aspirar essa vantagem de não ter que antecipar os recebíveis, por outro lado, qualquer captura de ganho depende da relação estabelecida com os bancos e dessa melhoria em relação as despesas não ser contrabalançada por elevações de outras taxas de financiamento.
A grande preocupação está no fato da possibilidade do aumento das taxas de juros cobradas pelas operadoras de cartão de crédito. O Governo, pelo o que foi anunciado, espera uma pequena reação, sem aumentos abruptos. Porém, essa preocupação poderia ser evitada por meio da regulação desse mercado, evitando assim, que varejistas e consumidores sejam prejudicados.
Outra questão levantada, diz respeito as fintechs, termo que surgiu da junção de duas palavras em inglês: financial (finanças) e technology (tecnologia). Dessa forma, uma fintech pode ser a empresa que oferece serviços financeiros diferenciados pelas facilidades tecnológicas (pela internet). Sendo no Brasil, esse segmento representado pelas startups, como a conhecida Nubank.
Analisando dessa forma, uma fintech não tem nada de diferente a oferecer que um banco não ofereça, entretanto, observando mais de perto, pode-se verificar que o setor financeiro passa por profundas transformações e a internet veio para ficar, tornando as agências bancárias menos necessárias e, juntamente a esse mundo globalizado, surgiram ameaças de ataques a contas bancárias e fraudes, que obrigaram a rede bancária a se preocupar com segurança digital e seguir novas tendências. As fintechs vieram para ficar e aqui no Brasil foram regulamentadas pelo Banco Central.
De acordo com estudos apresentados, esse novo modo de emprestar dinheiro surgiu há mais ou menos seis anos no mundo e na economia brasileira a partir de 2013. Esses investimentos veem aumentando e atingindo a casa de bilhões. Em regiões como Europa e Ásia-Pacífico, o investimento em fintechs tem sido muito promissor e expressivo.
Empresas como essas são caracteristicamente aquelas que usam tecnologia de forma intensiva para oferecer produtos na área de serviços financeiros de uma forma inovadora. Podem oferecer empréstimos entre R$ 500 e R$ 2,5 mil e utilizar mais de 200 fontes diferentes para fazer a avaliação de crédito com cliente, desde cadastros tradicionais, como também o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e o Serasa (Centralização dos Serviços Bancários), até as redes sociais do usuário (facebook). Essas empresas crescem fortemente no Brasil dado o amadurecimento do sistema de inovação e investimento que ampara a chegada de startups ao sistema financeiro. Outro motivo é a própria regulamentação do sistema de pagamento pelo Banco Central, que teve início em 2013 e facilitou pagamentos por meio de celular e serviços como cartões pré-pago, tudo sem a intermediação de instituições financeiras e taxas bancárias.
As vantagens para o consumidor são notáveis. Os serviços são prestados online e com rapidez; não há cobrança de anuidade e taxas de manutenção. O principal diferencial está focado na simplicidade, transparência e redução da burocracia. Segundo usuários, o contrato de adesão é pequeno e escrito em termos que fogem a linguagem extremamente jurídica, facilitando o entendimento. No entanto, o demandante do serviço deve possuir um smartphone Android ou iOS, que são as plataformas onde as empresas atuam.
Analisando economicamente, o fator mais relevante é que nessa operação não há cobrança de anuidade e nenhuma outra taxa, possibilidade gerada pelo modelo de negócio totalmente digital, que permite cortar custos com agências e estruturas caras, além da papelada, dada a menor burocracia. Fator essencial em momentos de crises econômicas.
Como não há a cobrança de anuidade e nem taxas, as fintechs ganham dinheiro de duas maneiras: em cada compra que o cliente faz usando o cartão, recebem uma pequena porcentagem do estabelecimento comercial, e, quando o usuário opta por financiar o valor da fatura, cobram juros sobre o valor da compra (crédito rotativo). No entanto, essas empresas têm um ponto fraco: a formação de seu capital.
Por esse motivo, as fintechs podem ter problemas se o Banco Central confirmar a mudança nas regras de pagamento para lojistas. Como inicialmente mencionado, hoje o consumidor faz uma compra no cartão de crédito, o estabelecimento recebe o dinheiro em 30 dias. Com os novos termos, esse prazo pode diminuir para até dois dias, como já acontece nos Estados Unidos, o que inviabilizaria esse novo modo de fazer negócio, dado o baixo capital a ele pertencente.
O atual prazo de 30 dias funciona porque os consumidores pagam uma compra feita no cartão de crédito, em média, 26 dias após. Em um mês, essas empresas recebem os pagamentos das faturas e repassam o dinheiro para as máquinas de cartões, como Ciele e Rede, que então pagam ao lojista. Em um mês, as firmas tecnológicas conseguem formar caixa e repassar aos cartões.
Se o governo brasileiro seguir em frente com a medida de redução do prazo de pagamento para lojistas, as fintechs, como por exemplo o Nubank, teriam que buscar recursos no mercado financeiro, em busca de dinheiro para repasses antes de receber os pagamentos das faturas dos usuários de seu sistema. Nota-se que todos os emissores de cartão de crédito sofreriam algum impacto com a medida, sendo que os menores seriam os mais prejudicados por não terem a capacidade de financiamento dos grandes bancos, que aliás, trabalham com diversos outros produtos.
Ainda assim, observa-se que mesmo se a nova regra for mais afável que o esperado, redução de por exemplo 15 dias no prazo, a existência do novo modo de emprestar dinheiro ainda estaria ameaçada. O recebimento das faturas ainda aconteceria em 30 dias e os repasses teriam que acontecer em 15 dias, apresentando-se um gargalo de pelo menos 15 dias para formação de caixa.
Para essas empresas a mudança trará um custo adicional, assim como para todos os emissores de cartões de crédito, do Nubank aos bancos maiores, que dominam o mercado. A diferença está no fato de que o Nubank e os emissores menores não têm a mesma capacidade de financiamento de gigantes como Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, citados como exemplo.
Reforça-se que para empresas de aportes de capital menores, se o prazo for abreviado para dois ou três dias, o pagamento do adquirente acontecerá antes do recebimento da fatura pelo cliente, o que não gerará caixa, mas sim dívida e um custo mensal sobre a dívida, dado que será preciso captar recursos juntamente aos grandes bancos.
No entanto, na terça-feira anterior ao feriado do Natal (20/12), o Banco Central não anunciou nenhuma mudança no prazo de pagamentos das startups, apenas sinalizou que pretende estudar e dialogar com as fintechs e definir como regulamentar o setor.
Para o mercado brasileiro acredita-se que uma mudança como essa trará benefícios aos varejistas que terão custos menores, dado a formação de capital de giro em menor tempo e extinção da necessidade da antecipação de recebíveis e suas taxas. Por outro lado, os prazos dificultariam a continuidade das fintechs, dado seu pequeno aporte de capital e a diferença entre os prazos de pagamentos e recebimentos. Basta saber, se essa mudança agradaria consumidores finais.
Diante de tantos possíveis impactos analisados, as informações levantadas sobre a questão do prazo para pagamento aos varejistas, mostrou que o governo ainda estuda a problemática.
*Françoise Iatski De Lima, mestre em Desenvolvimento Econômico e professora do curso de Economia da Universidade Positivo (UP).