O que é que eu estou fazendo aqui?

Por Wagner Correa Munhê | 14/02/2011 | Adm

Quando Edilberto entrou na adolescência e seus primeiros pelos faciais começaram a pipocar entre as dezenas de espinhas que ele temia nunca iriam deixar seu rosto liso como antes, ele até que sabia o que queria da vida.

Quer dizer? achava que sabia.

E hoje começa a achar que não sabe.

Mas sua cadeia de lojas Abigail do Norte vai bem apesar do shopping center que abriu na cidade ter arrastado vinte seis porcento de sua clientela.

Edilberto era organizado. Tinha as estatísticas na ponta da língua.

Mas por que essa dúvida agora?

A interrogação começou de manhã logo depois que ele queimou sua garganta num gole desnecessariamente apressado de seu café acompanhado de biscoitos e de Abigail - sua esposa, que foi obrigada a sair de sua apatia para ajudar o marido.

- Você está bem?

- N?cahhhá?ão foi nada.. cahhá?

E não foi apenas Abigail que saiu de sua pasmaceira. De repente as coisas ficaram claras para Edilberto também, que parecia ter acordado de um sono de trinta anos com esse golpe na garganta.

Mas essa clareza ia durar apenas uns dois minutos. Logo o telefone iria tocar anunciando que o Jorjão tinha se bandeado para os lados do shopping para ser gerente geral de uma loja concorrente.

Aí a realidade fez Edilberto esquecer esse seu estalo de lucidez quase mística.

- Mas aquele miserável! - espumou ele ao telefone, desligando com raiva e saindo da cozinha como um vento.

Abigail se levanta para limpar a baba deixada no telefone com um pedaço papel toalha que estava jogado em cima da mesa do café.

- Vinte e seis porcento mais um gerente.

Apesar da insistência do filho promovido por laços familiares a diretor administrativo em afirmar que o Jorjão estava em seu direito, que isso um dia iria acontecer e que semana que vem é lua nova, e que vai ser bom para pescar, Edilberto só conseguia pensar que fora traído.

- Espera!

Momento de clareza de novo.

A história da pescaria vinda do meio do nada quebrou a rotina da conversa e, assim como o acidente pela manhã, produziu um instantâneo de lucidez inesperada de novo.

- Eu não falei em pescaria - diz o filho.

Que voz misteriosa teria sido aquela que veio quebrar a rotina de mais de trinta anos de novo? Que mão misteriosa teria sido aquela que o fez engasgar com o café?

Dois momentos de lucidez em um só dia. Isso até que é um bom sinal.

- A gente tem que se modernizar.

Sabia que se não fizesse nada ele poderia perder mais funcionários. Ou pior. Perder clientes - fregueses, no seu linguajar agradavelmente antiquado.

- Espera!

- Tradição!

- Prá que loja com nome estrangeiro e que chama liquidação de "sale" ou "off".

- Tradição!

- A prosa com os fregueses.

- Vamos mudar a loja.

- Mas de novo? - reclamou o filho.

- Mas agora eu entendo por quê.

Edilberto finalmente encontrara sua missão. Aquele ponto imutável tão necessário para que as mudanças possam ser feitas sem que se perca o rumo.

E para que não seja preciso mudar o tempo todo.

Encontrou a razão da existência das Lojas Abigail do Norte no planeta Terra.

Wagner Munhê

Presença - Soluções para uma Equipe Ideal

http://www.apresenca.com.br presenca@apresenca.com.br