O que é necessário para ser um filósofo?
Por Dionísio Areopagira | 19/04/2010 | CrescimentoO que é necessário para ser um filósofo?
O que é necessário para alguém considerar-se filósofo? Qualquer pessoa pode ser um filósofo? E quanto à educação formal em filosofia, é imprescindível para alguém ser um filósofo? É necessário construir um sistema, como realizou Platão, Aristóteles, Descartes ou qualquer um dos filósofos estudados no interior das nossas Universidades e faculdades?
Primeiramente, qualquer pessoa pode ser um filósofo, conquanto que possua suas faculdades intelectuais plenamente em funcionamento, pois se a racionalidade é a primeira exigência para que alguém torne-se filósofo, e se todos os homens possuem racionalidade, logo todo ser humano podem tornar-se filósofo. Podemos construir o seguinte silogismo para demonstrar a universalidade do pensar filosófico :
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Todo o ser humano é racional.
Para alguém tornar-se um filósofo é necessário possuir racionalidade.
Logo, todas as pessoas racionalmente normais podem ser filósofas.
Esta demonstração tão singela, segundo a qual toda a pessoa, independentemente de sua condição social e educacional, tem intrinsecamente o potencial para ser filósofo, não deve ser negligenciada, pois são justamente as pedras pequenas que nos fazem tropeçar, e são estas mesmas pedras que tem se acumulado no meio acadêmico e feito a muitos tropeçar.
E quanto a formação em filosofia, é necessária para alguém tornar-se um filósofo? Se alguém pensa desta forma, está envolta, mesmo sem saber, num emaranhado de problemas lógicos. Raciocinemos:
Se alguém quer ser filósofo, necessariamente tem de ter uma educação formal em filosofia.
Sócrates, não teve diploma de filósofo, nem fez parte de uma escola de filosofia.
Logo, Sócrates não foi um filósofo.
Este silogismo é válido logicamente? Não é, pois, não obstante Sócrates não ter freqüentado formalmente uma escola de filosofia, ninguém de bom senso dirá, que o fundador na Moral, e do método científico não era um filósofo. Isto não quer dizer que Sócrates não tinha contato com o saber de sua época, ou nunca tivesse lido tratado algum de filosofia; o erro do raciocínio em apreço, compartilhado por muitos, é reduzir o filosofar a um treinamento numa instituição educacional qualquer.
É necessário criar um sistema de filosofia, e possuir um reconhecimento canônico dado pelo tempo para que alguém possa ser considerado filósofo? Certamente não, talvez funcione desta forma entre os santos católicos, que por uma convenção clerical, foram classificados como tais. Em filosofia não é assim. O filósofo não precisa de um aval do tempo ou de uma instituição, ou o reconhecimento de uma comunidade para ser filósofo. Façamos outro silogismo:
Para ser filósofo na acepção da palavra é necessário construir um sistema filosófico; trabalhar como pesquisador e escrever centenas de artigos científicos.
Sócrates, Diógenes Laércio, Buda( histórico),Confúcio, e Patch Adams e entre outros, nada escreveram nem construíram um sistema concatenado.
Logo, Sócrates, Diógenes Laércio, Buda, Confúcio e Patch Adams não foram filósofos.
Novamente, o silogismo configura-se patentemente inválido. Sócrates, por exemplo, nunca escreveu coisa alguma, e não foi por descuido, ele tinha convicção de que sua filosofia perderia seu significado se fosse cristalizada num pergaminho qualquer, como podem agora, alguns “religiosos” da filosofia acadêmica afirmar, e não são poucos, que filósofos são aqueles que construíram um pensamento, postaram em palavras num sistema, e pelo crivo do tempo e reconhecimento geral foram classificados filósofos? Eu tenho vergonha da filosofia que é feita no meio acadêmico, principalmente nas universidades federais; já ouvi da boca de muitos professores, pobres miseráveis: “eu não sou filósofo, sou professor de filosofia, filósofo pra mim é o David Hume!” Pelo menos eles tem a coragem de confessar que não são filósofos, mas veja o lado bom, se não sabem pensar por si mesmos e se apegam a forma canônica de fazer filosofia, como o teólogo se apega ao texto de Santo Tomás como uma autoridade inquestionável, pelo menos não são hipócritas; estúpidos sinceros é que são!
Afinal de contas, o que é ser filósofo, se não é necessário possuir um conhecimento formal em filosofia, nem construir um sistema, nem ter o aval da “igreja filosófica” que lhe confere o título canônico de filósofo? Voltemos ao nosso símbolo ocidental da sabedoria humana, Aristóteles, para quem a filosofia nasce de um sentimento, não de uma formação acadêmica, ou de um título conferido por homens, conquanto, de qual sentimento fala Aristóteles? O sentimento necessário para nascer o filósofo em nós é o espanto, o espanto diante da realidade, o qual nos deve impulsionar a indagarmos o “por que?”, tal como “por que tudo isto está aí diante de mim?” Ou como Heidegger mais tarde dirá: “por que existe o ser ao invés do nada?”; ou “por que devo me basear numa autoridade da história da filosofia ao fazer um comentário numa aula de filosofia, se possuo racionalidade?” Aos professores das nossas academias, treinados em Kant, ou em Descartes, (se bem que até os macacos podem ser treinados), recomendo o novo nascimento, não o novo nascimento proposto pelo Senhor, ao mestre da lei Nicodemos no capítulos 3 do quarto evangelho, o qual não é muito diferente, quando disse: “ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer da água e do espírito”; eu diria aos “tais estúpidos sinceros”: “ ninguém pode se tornar filósofo se não nascer do espanto diante da realidade, e do pensar próprio!”