O QUE É A VONTADE

Por B. L. C. | 19/02/2015 | Psicologia

O QUE É A VONTADE

O fisiológico afeta o psicológico ou o psicológico afeta o fisiológico?

Quando sinto uma dor de barriga repentina e constante, um pensamento começa a me perseguir: “preciso ir ao banheiro, preciso ir ao banheiro”. Assim é quando sinto sede, fome, etc. Um pensamento me compele a aliviar, a satisfazer o desejo causado pela sensação.

Quando estou excitado, não importando como isso foi causado, um pensamento me persegue: “preciso me aliviar, preciso fazer de algum jeito”. E não adianta postergar. Às vezes, parece que diminui, parece que acaba, mas não, continua lá, um pouco velado. É como se o acúmulo de “hormônios” criasse aquele pensamento, ou se transformasse naquele pensamento, ou vibrasse aquele pensamento, até que o “alivio” seja conseguido. Nesse momento, aquele pensamento desaparece junto com a excreção (ele também é excretado?). Dependendo de como é feito o alivio, há quase que um arrependimento (o que depende também da formação cultural). Alguns até dizem que não precisavam fazer aquilo. Mas isso só até a próxima vez. Será que o assassino, o ladrão, passam pelo mesmo processo? Será que eles se arrependem, até que a próxima vez venha?

Quando se trata de sexo, às vezes ocorre até uma separação psicológica, mesmo que momentânea, em alguns casos. Será que o ladrão, após roubar, perde a vontade?

Em outros casos, ocorre até uma separação física. É o caso, por exemplo, do patrão que transa com a empregada doméstica, do aventureiro que sai só em busca de prazer, daquele que vai às casas de tolerância. É o mesmo que acontece com o estuprador. Alguns até matam a vítima, não com receio de que ela o denuncie, mas culpando-a por ele ter feito aquilo.

Quanto maior o prazer, antes e durante o ato, maior será a separação?

O alívio daquela sensação fisiológica causa o sentimento de culpa, seja ele colocado no “agressor” ou na “vítima”?

E, com o passar do tempo, tudo volta a se repetir: o patrão tenta a empregada, fulano vai à zona, o estuprador procura uma vítima, etc.

Assim como a fome volta a se repetir, a sede volta a se repetir.

Por outro lado, um pensamento pode iniciar aquela vontade, mas pode não durar. Assim que o pensamento é desviado, a vontade passa também. É mais fácil controlar (não deixar a vontade passar) quando uma segunda pessoa está envolvida (como sexo), mas não quando é sede ou fome. Ou estou com fome ou não estou, não tem “eu acho”.

Será que a pessoa que rouba, que mata, que se suicida, sente uma sensação fisiológica que a compele a praticar o ato que a aliviará? Muitos já pensaram em roubar, mas não roubaram; muitos pensaram em matar, mas não mataram. Não estavam compelidos fisiologicamente?

É perfeitamente possível que remédios ou drogas criem aquela sensação fisiológica, o que leva uma pessoa “normal” a cometer atos insanos.

Tomei um remédio dia desses, chamado Cefalium, que causou em mim uma reação que tento definir como “coceira nos ossos”. A sensação é horrível. Creio que se ela for mais forte (tomei 2 comprimidos), eu seria levado ao suicídio, com certeza.

Será que a pessoa que só pratica atos bons sente, também, uma sensação daquele tipo? Será que somos dirigidos pelo fisiológico?

Na verdade, é mais fácil para nós controlarmos o psicológico do que o fisiológico. Posso pensar em roubar algo, mas não roubo; posso pensar em comer algo, mas não como. Se penso em fazer sexo e recebo uma resposta positiva de meu corpo, eu vou fazer, nem que seja sozinho. A menos que um pensamento contrário sufoque a vontade formada. Se não houver uma resposta fisiológica positiva a esse pensamento, ele é facilmente destruído.

Quando há uma resposta fisiológica, ela já estava lá ou foi iniciada pelo pensamento? Se foi iniciada pelo pensamento, por que não funciona sempre? Provavelmente porque o fisiológico é mais dinâmico do que o psicológico. Entra ano, sai ano, você é sempre a mesma pessoa, mas é um corpo diferente a cada segundo. Não adianta ter um pensamento se ele não encontra eco no fisiológico, que o amplia e o transforma num compelimento.

Se funcionasse sempre, funcionaria também para o caso do roubo ou seria seletivo?

Imagine-se sem o psicológico, sem o pensamento. Em que você se tornaria? Você teria uma dor de barriga e nenhum pensamento que te levasse a um banheiro: você se sujaria onde estivesse; você tem fome ou sede e nenhum pensamento que te levasse a buscar alimento ou água. Você seria como um repolho, você vegetaria.

Espere, mas como o repolho sobrevive?

Bom, se ele faz suas “necessidades”, ele as faz onde estiver. Bateu.

Se ele tem fome e sede, ele retira o alimento da terra. Coisa que você não pode fazer. Fome e sede para ele representa um desequilíbrio fisiológico, assim como para nós. Só que nele, esse desequilíbrio cria uma força atrativa para as substâncias que irão satisfazer suas necessidades.

Se tivéssemos a capacidade de absorver alimentos da terra através da planta dos pés seria ótimo (se bem que os governos nos cobraria impostos!!!). Nesse caso, você não viveria em uma casa, mas em uma floresta e, assim como as plantas, uma praga poderia acabar com você. Mas, temos pragas tentando acabar conosco! Sim, mas se fôssemos vegetais elas conseguiriam. Não somos.

Se você não tem o psicológico, vai precisar da ajuda de quem tem, senão as pragas vão acabar com você. Alguém vai ter que te limpar e te alimentar. Sem o psicológico aquilo não é possível para você. Então, o psicológico é essencial. O fisiológico, por si só, nada faz para preservar a vida por longo prazo.

Imagine um repolho se sentindo compelido a roubar um anel. Como ele faria isso? Vamos supor que ele possa se movimentar, como as ramas de um pé de abóboras ou de chuchu. Ele se dirigiria até o anel e o envolveria. Vamos também supor que ele não está tentando digerir o anel, mas guardá-lo para si.

E depois? Ele não vai sair para negociar o anel, vai? Bom, de qualquer maneira, ele roubou o anel. Satisfez sua sensação. Talvez daí surjam outras vontades, talvez ele o devolva, talvez ele o digira.

Mas, o que causou nele aquela sensação? Foi algo interno ou externo?

Algumas plantas se movimentam em busca de luz ou de alimento. São elas que buscam a luz ou é a luz que as atraem? Ora, a luz não atrai nada se a coisa não se mexer. Então, elas é que vão em busca da luz. Se elas buscam a luz, então existe uma espécie de vontade dentro delas que tem que ter origem em algum lugar. Provavelmente há um desequilíbrio químico que as levam a “serem atraídas” pela luz. A vibração da luz, em conjunto com a vibração de certas células da planta criam um canal de comunicação que atrai a planta para a luz.

No caso do repolho acima, talvez ocorra o mesmo. A vibração do anel o atrai. Talvez um anel de outro material não “despertasse” nele a vontade de “roubar”, como acontece conosco.

Bom, apesar das semelhanças dos atos, é necessário o psicológico para direcionar a vontade e caracterizar o ato. Então, só o fisiológico, não nos faz mais que vegetais.

Agora, imagine-se sem o fisiológico. Seria como se só tivéssemos pensamentos, como se não tivéssemos corpo.

Teríamos sensações? Dor, desconforto, fome, sede?

Imagine que não tenhamos corpo. Não teríamos a dor de barriga, portanto não seríamos compelidos a ir ao banheiro.

Como roubaríamos algo, mesmo se fôssemos compelidos por um pensamento? A menos que tivéssemos força mental suficiente para deslocar o objeto, ficaríamos apenas no desejo. Sentiríamos apenas a necessidade, aquilo que chamamos de pensamento fixo. É uma espécie de sensação, é uma espécie de dor. Esse pensamento fixo poderia perdurar por toda a vida, como uma doença incurável ou desaparecer por si só, pois não há como satisfazê-lo.

Só haveria um modo dele desaparecer por si só, porém: sendo substituído por outro que o satisfaça, ou seja, o desejo deve ser satisfeito, seja internamente ou externamente.

Poderíamos, sim, viver assim. Não acabariam os sofrimentos, mas eles não seriam infligidos de nós para os outros, o que é um grande avanço moral. E quem sofre estaria mais aberto à ajuda, pois a única diferença entre ele e o outro é o pensamento fixo, nada de material.

Não haveria fome, não haveria sede, pois estes são sinais do fisiológico para o psicológico tomar providências para sustentá-lo.

Agora, imagine que temos o corpo, mas nenhuma sensação. Vamos supor que podemos andar, falar, pegar coisas, beber e comer. Mas não haveria sinais para satisfazer a fome, a sede, e nem sinais de desconforto.

Bom, para não morrermos, teríamos de fixar uma hora certa para beber, comer e fazer as necessidades fisiológicas do corpo. Qualquer alimento teria o mesmo sabor, ou seja, nenhum sabor. Teríamos que fixar quantidades de alimentos. Teríamos que ter força mental para expulsar dejetos.

Isso também implica que precisaríamos de um monitoramento constante de nosso corpo, para evitar que ele seja destruído, seja por nossa causa ou por causas externas. Seríamos como bebês cuidando de si mesmos. A vida seria muito difícil, muito mais do que é agora.

Alguma coisa poderia te assustar, tendo só o psicológico? Não. Assim como você não consegue assustar um repolho (só fisiológico), você não consegue assustar alguém que não pode ter sensações.

Você poderia roubar alguma coisa? Se você puder pegar coisas, como dissemos, sim, você pode roubar. Mas, para pegar algo, comer, beber, andar, é preciso ter sensações, é preciso sentir, para que o processo continue.

A idéia de ter só psicológico mais um corpo exclui qualquer reação fisiológica do mesmo. Portanto, você não poderá roubar, nem comer, nem beber, nem andar, o que significa que você perderá seu corpo e será apenas psicológico.

A conclusão é simples: o fisiológico não pode existir sem o psicológico, enquanto este poderia existir sem aquele. E eles se influenciam e se alimentam um do outro: uma reação fisiológica desencadeia uma reação psicológica que pode ampliar ou anular a reação fisiológica; uma reação psicológica pode desencadear uma reação fisiológica que, normalmente, materializa a reação psicológica.

Uma reação fisiológica NUNCA age contra uma reação psicológica. Quando isso ocorre, na verdade trata-se de uma contra-reação psicológica.

Em outras palavras, o psicológico controla o fisiológico e ambos se afetam. Um psicológico forte pode controlar totalmente o fisiológico e evitar ser afetado por ele.

Uma das sensações mais famosas, que afeta qualquer pessoa, é a preguiça: “quero outra(s) opção (ões), mas não sei qual (is) é (são), e daí nada me serve”, e o tempo passa...

Será que a preguiça afeta os animais? Não há como saber. É difícil até saber se uma tal pessoa está com preguiça ou apenas não quer fazer isso ou aquilo. Será que a preguiça não existe, é apenas uma invenção daquele que chama o outro de preguiçoso?

De qualquer maneira, uma sensação que podemos chamar de preguiça existe sim.

A preguiça tem uma causa (secundária) fisiológica. Sentimos uma espécie de cansaço (sem ser cansaço) de fazer alguma coisa, antes mesmo de começá-la.

Por exemplo, na maioria das vezes que vou para a academia de musculação, à noite, depois do trabalho, não me sinto “animado”. Dá vontade de voltar para casa para fazer nada, apesar de, às vezes, surgir um pensamento de que tem algo para fazer em casa (será o fisiológico “forçando” o psicológico?). Depois de 10 minutos na esteira aquela sensação de cansaço desaparece, ou, pelo menos, a ideia de desistir desparece, como se uma alteração no fisiológico eliminasse o compelimento psicológico de desistir.

Há cerca de 1 mês comecei a ir para a academia às 6 horas da manhã e, desde o primeiro dia até hoje, não mais senti a preguiça. Se não vou super-animado, pelo menos não fico desanimado como ficava. Simplesmente o fisiológico está positivo, talvez dormindo ainda (!) às 6 da manhã. Nessa hora o “ânimo” está vindo do psicológico. Levanto-me e vou. Simples assim, sem a vontade de desistir.

Na verdade, esta mudança de horário não foi uma tentativa de eliminar a preguiça. Foi uma tentativa de dar uma rasteira nos meus ataques de enxaqueca. Tive um certo sucesso, senão um duplo sucesso, por ter eliminado aquela preguiça de ir para a academia e ter aumentando consideravelmente o intervalo entre os ataques de enxaqueca. Do mesmo modo anterior, mexi com o fisiológico, eliminando um pensamento de desistência e, de quebra, eliminando um efeito fisiológico secundário, isto é, um estado fisiológico qualquer levava a um estado fisiológico enxaquecoso. Este sim, não causava preguiça. Pior, era a própria desistência de tudo.

A preguiça deve ter uma causa, que pode ser fisiológica ou psicológica, por isso ela é uma causa secundária que nos faz pensar em desistir de fazer algo. Claro que se pode causar preguiça ou ânimo através de remédios ou drogas. Eles sempre alteram o fisiológico, para bem ou para mal. É muito mais difícil conseguir isso através do psicológico, principalmente combater a preguiça. É preciso muito da chamada “força de vontade”.

Temos mais propensão de lutar a favor daquilo que nos dê prazer do que contra aquilo que não nos dá prazer. Não tenho prazer em levantar pesos na academia. Faço porque preciso, até que a “pílula da musculação” seja inventada!

Ficar sem fazer nada dá prazer? Sim, se é uma situação contrária a outra que causaria desconforto ou dor. Nesse caso, preguiça dá prazer. Mas se uma situação muito mais prazerosa se apresentar, a preguiça vai perder a vez, com certeza.

O objetivo do ser humano na vida é buscar o prazer, é se livrar da dor e do desconforto. Isso vale para os animais também, e também para as plantas.

Ficar sem fazer nada não é prazeroso, é uma espécie de dor, de desconforto (daqui aquele pensamento de “quero fazer não sei o que”).

Só que a busca do prazer tem que ser ampla, no sentido de contemplar não só a si, mas também àqueles e àquilo que estiver ao redor. Causar dor, desconforto, destruição ao redor, de maneira nenhuma dá prazer a alguém que seja são.

A pessoa que mata, que rouba, que faz algo errado, está em busca de prazer? Ou está em busca de alívio? As leis que proíbem aqueles atos não conseguem “eliminar” esses prazeres por antecipação?

Outra sensação que deve ter origem fisiológica e que afeta qualquer um é a ansiedade. Ansiedade é esperar por algo que não se sabe se virá ou como virá.

A ansiedade bloqueia a “veia artística”, em todos os sentidos, forçando um pensamento difuso, indefinido, em busca de uma ação que satisfaça a ansiedade.

Assim como aquela “coceira nos ossos” de que falei, a ansiedade também é uma sensação horrível. Se ela for muito forte é capaz de acabar com você.

Existem milhares de outros exemplos e situações que mostram a força que o fisiológico tem sobre nossas vidas. Apesar de ele nada ser sozinho, sua influência é extremamente forte sobre o psicológico, pois é este que “sente” o desconforto, o prazer e a dor. Por outro lado, o fisiológico depende totalmente do psicológico, sendo o papel deste alterar aquele de tal modo que só o prazer permaneça. É como se o fisiológico fosse eliminado, mas eliminado sem dor e sem desconforto. E quem está no controle do psicológico é você. O psicológico é você! Apenas com a vontade (força de vontade, força mental, que seja), você é capaz de aliviar mais de oitenta por cento de suas dores e desconfortos. Um método simples, que tem custo zero, é usar a vontade para alongar cada inspiração e cada expiração (enchendo a barriga para baixar o diafragma, não o peito!). Quem perdeu o costume de respirar corretamente pode sentir um pouco de tontura, mas, passa com a insistência.

Experimente usar a vontade a seu favor (positivamente). Só assim vão acabar a preguiça, a ansiedade, o medo e as DORES DE BARRIGA!!!

Brasilio – Junho/2004.

Artigo completo: