O QUE É A LINGUAGEM 2 (DE 2)

Por B. L. C. | 29/01/2015 | Educação

O QUE É A LINGUAGEM II

Em O QUE É A LINGUAGEM I, tentamos mostrar como aprender uma língua, seja falada ou, até, cantada, como a Música. Aqui vamos tentar mostrar como aprender a Língua Portuguesa.

A princípio ela entraria em O QUE É A LINGUAGEM I, mas você “já sabe” Português, não precisa aprender. Mas, tem duas coisas: aprender a ouvir, falar e ser ouvido E dominar a estrutura de uma língua. Isso é igual em todas as línguas: a Gramática. Esta é a parte que os nativos devem dominar. Para que, já que não ter este domínio não te impede de falar, ouvir e ser ouvido? Serve apenas para você ser avaliado por aqueles que já dominam e, às vezes, para permitir que sua mensagem (escrita ou falada) seja compreendida. Ela não é sempre compreendida porque a maioria das pessoas não domina a estrutura inteira. Mas, há um ponto no meio do caminho que pode ser considerado o ótimo. Se você conversar muito acima dele, não será compreendido, a não ser por uma ínfima minoria; se você conversar muito abaixo dele, não será compreendido pela maioria.

Esse ponto é aquele que é ensinado no Ensino Fundamental, tanto que, no ensino básico universitário não é mais ensinado o Português.

Veja as seguintes frases (substituí uma letra em alguns palavrões mais pesados):

1 -    Ele cortou o cabelo.

2 -    Os cara tão tudo louco.

3 -    Tá tudo joia.

4 -    Tô mei gripado.

5 -    Ele é um fila da pWta.

6 -    Vem, fé da pWta, queu ti quebro todo.

7 -    “Ó bucéfalo, não é pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes e sim pelo ato vil e sorrateiro de galgares as profanas de minha residência. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares de minha alta prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica no alto da tua sinagoga e te reduzirei à quinquagésima potência, que o vulgo denomina nada”.

8 -    Está eivado de ilegalidade o recolhimento do increpado ao ergástulo público.

9 -    Cê tá mangando deu. Vou chegar. Boa noite.

10 -                       Faze o bem sem olhar a quem.

11 -                       Todos os apartamentos deste prédio foram vendidos à vista.

12 -                       PWta que o pariu, carXlho!

13 -                       Que fZda é essa?

14 -                       Não saio nessa chuva nem fWdendo.

15 -                       Isso vai dar merda.

16 -                       Kd o kra ki tava aki em tc k gnt?

17 -                       Nó! Nossa!

18 -                       Ón tu réin? Ón tu rái?

E seus significados:

1 – A maioria das pessoas entende esta frase com se referindo a alguém que teve o cabelo cortado por outro alguém (um cabeleireiro), mas nada impede que o próprio sujeito (ele) tenha praticado tal ação. Na verdade, esta frase deveria ser separada em duas:

Ele cortou o cabelo (de alguém ou o seu próprio)

Ele teve o cabelo cortado (a mais adequada por alguém que cortou o cabelo num salão e quer informar isso: Eu tive o cabelo cortado e não Eu cortei o cabelo).

É o mesmo problema de compreensão que acontece com frases do tipo Eu fiz a barba. Esta frase dá um sentido totalmente contrário ao que o verbo fazer tem. Mais lógico seria dizer Eu desfiz a barba (que a Natureza fez). Outra: Ela fez as unhas no salão.

Aí estão tipos de frases que inviabilizam totalmente a construção de um interpretador mecânico de frases (programa de computador).

Você só não vai entender essa frase se você for muito rígido.

2 – Esta uma frase típica de um adolescente paulistano. A frase, como um todo, ganha o sentido proposto, apesar da falta de concordância numérica. Claro que os cara lá da ABL fica tudo com raiva disso. Talvez porque até eles compreendem o sentido.

3 – A palavra joia aqui virou um adjetivo. Significa bem, bom, gostoso, era isso mesmo que eu esperava, estamos de acordo, etc. Joia! Todo mundo entende.

4 – Quer queiram quer não queiram (que frase é essa?) o povo sempre procura economizar palavras procurando não perder o sentido da frase. Estas abreviaturas dos tempos do verbo estar são de uso antigo e constante. A menos que exista, em algum lugar, uma bebida chamada Gripado, não vai dar para confundir estra frase com a frase Tomei gripado hoje de manhã.

5 – Fila substituindo e tendo o sentido de filho ou filha. Este tipo de construção só funciona numa frase que tenha sido usado antes corretamente (!) e seja, também, de conhecimento dos “ouvintes”. Normalmente são usadas palavras com o som parecido com aquela que é substituída. A frase “filho da pWta” é tão conhecida, que para uma outra frase parecida “fila” já não caberia: Fila do cão, querendo dizer Filho do cão.

6 – A mesma frase, com outra palavra substituindo a palavra filho. Provavelmente, todos estranharam quando esta frase foi dita pela primeira vez. Com o passar do tempo ela “pegou” e ficou.

7 – Dizem que esta frase foi dita por Rui Barbosa a um ladrão de galinhas que ele pegou em flagrante delito no seu quintal roubando alguns patos. O ladrão, como nós, não entendeu nada, se limitando a responder: Doutor, o senhor quer que eu deixe ou que eu leve os patos?

8 – Que merda é essa? É por isso que os cartórios, varas e outros lugares onde alguns falam assim para si mesmos estão cheios de pastas gordas com processos. O juiz escreve algo assim e depois não se lembra mais do que disse. Então o processo vai e volta, vai e volta. Estas palavras inúteis deveriam ser eliminadas da língua.

9 – Qualquer um em Pernambuco e região entende perfeitamente essa frase. O vou chegar está espalhado pelo Brasil. Informa exatamente o contrário do que diz: Estou indo embora, mas fica claro no contexto em que é dita: alguém que está com você e te diz eu vou chegar, claramente vai sair dali pois ali já está, assim não pode chegar ali.

10 – Uma bela frase que todo mundo entende. Esta é uma daquelas que estão no ponto que chamei de ótimo. Claro que algumas pessoas dirão que quem diz faze é pessoa chique.

11 – Esta frase está, também, no ponto ótimo. O problema é que muita gente que chega ali no ponto ótimo não sabe usar a crase. É um causo sério isso. Quando é para usar, não usam, quando não é para usar, usam. Parece que é de propósito. Alguns restaurantes colocam numa placa: Comida à kilo. Para ficar menos errado: Comida à quilo. Melhor não comer essa comida ao molho daquilo. Se fosse à francesa, pelo menos.

12 – Como usar uma frase bonita para dizer a mesma coisa que esta diz? Isso é um xingamento, uma resposta a alguma coisa que não deu certo. Se fosse: PWta que o pariu! CarXlho! seria uma admiração. Talvez Nossa! Puxa vida! substitua essa última, mas não tem a mesma ênfase. A do xingamento não tem como substituir. Há uns 40 anos uma frase como essa não saia da boca de ninguém. Hoje todo mundo fala, mesmo que seja para si mesmo. As palavras, em si, não são feias, mas o seu significado individual, principalmente quando foram criadas, é que chocam algumas pessoas. Nesta frase, porém, elas não têm totalmente o significado inicial. Quando alguém xinga usando-as, não pensa no significado inicial. A frase tem um significado próprio.

13 – O bom dos chamados palavrões (isto não é um aumentativo do substantivo; acho que é aumentativo do impacto que a palavra causa) é que eles são palavras-coringas. Uma frase como a dita neste item substitui várias outras: Que rolo é esse? Que confusão é essa? O que aconteceu aqui? e por aí vai. Frases com palavrões são entendidas por pessoas que estejam em qualquer nível. As que mais se põem contra isso são as que ficam nas pontas: os que pouco sabem e os que acham que muito sabem. Uma frase equivalente e muito usada é: Que pZrra é essa?

14 – Não sai nessa chuva nem com reza braba? Não vai funcionar mesmo. Não saio nessa chuva nem morto? Talvez não, mas podem te botar pra fora. Agora, nem fWdendo, não tem como o cara sair mesmo. Nada vai conseguir movê-lo. Outro palavrão usado como coringa e, também, sem significado chulo.

15 – Frase típica do pessimista, do negativista ou do aprendiz de quiromancia. De qualquer maneira, outra frase com sentido completo por causa de um palavrão (ou quase). Acho que só ao presidente da república, padres, etc. não fica adequado falar tal palavra. Não sei o porquê. Como se fosse mudar alguma coisa no mundo por causa disso.

16 – Isso aí é chamado de linguagem da Internet. É o povo resumindo de novo. Mas, tente mandar uma mensagem de teu celular com a frase 7. Você sentirá uma necessidade tremenda de abreviar algumas palavras.

Estranho que alguns que se acham versados na língua portuguesa tenham grandes chiliques por causa do Internetês, mas nada dizem do código Morse, dos telegramas. Será porque aqueles são oficializados? Acho que essa é a única diferença.

Traduzindo esta frase: Cadê o cara que estava aqui teclando com a gente?

17 – Outra vez resumos. Os dois são a mesma coisa. O Nossa é um pronome possessivo que, sozinho, virou uma interjeição. Também é abreviatura de Nossa Senhora X, onde X é a santa preferida de quem fala ou a que lhe vem à cabeça naquele instante. Mas, muitas vezes, o Nossa é usado para expressar uma desaprovação: Nossa, não precisa ser tão estúpido. O sentido aqui não é mais possessivo. Tem quase o sentido da expressão caramba.

18 – Antes de inventarem o internetês, o Nordeste já tinha inventado algo parecido e muito mais sofisticado, porque é português com som de inglês. Normalmente é falado rapidamente para parecer realmente estrangeiro! Na verdade, não é uma maneira de falar. É mais uma brincadeira, tipo isto: c tem bruchov? ou suzavskí sinevassaki?

A tradução para a primeira: De onde tu vens? Para onde tu vais? A tradução para as duas últimas, em que uma tenta parecer russo e a outra francês: Setembro chove? e Você usava esqui se nevasse aqui?

Não sendo um jeito de falar, também não haverá um jeito rápido de entender.

Em termos de linguagem falada e linguagem escrita, existe uma diferença entre o ver (palavras falando) e o ouvir (gente falando).

O povo, através do internetês, por exemplo, procura passar para os olhos o que os ouvidos ouvem. Os olhos então procuram ouvir com a audição mental, procurando transformar em fala o que está escrito.

O Código Morse pode ser escrito ou “falado” ou lido e ouvido. Ele não tem nada a ver com a linguagem falada em termos do som que pode-se tirar dele quando ele é lido ou ouvido. Na verdade, uma sequência de sons (um sinal curto e um sinal longo, podendo haver pausas) ou caracteres (o ponto e o traço), codifica letras do alfabeto comum.

Não haveria como criar um internetês com os sons do código Morse, pois seus “fonemas” são fixos e flats, enquanto na linguagem falada os fonemas variam, dando o que é chamado de entonação. É a partir da entonação que se pode escrever uma mesma palavra de várias formas (Cadê soa igual a KD). A entonação do código Morse é fixa, sempre a mesma para qualquer frase.

A linguagem evolui naturalmente junto com as pessoas. A boa comunicação depende da mentalidade das pessoas. Queiramos ou não, a linguagem escrita e falada acompanha e é reformulada de acordo com a evolução mental.

Por isso, querer frear ou proibir o aparecimento de variações da linguagem de acordo com as épocas é, também, atrasar a evolução mental. Quem tenta fazer isso, certamente está parado no tempo e, em vez de estender as mãos para ser elevado, as estende para puxarem para baixo aqueles que querem evoluir.

Eles tentam, em vão, controlar o uso da linguagem, porém, nunca terão sucesso, pois, a linguagem é indomável e, de certa maneira, irreal. Veja:

NINGUÉIM ISCRÉVI CÔMU FÁLA (sonoramente, é assim que a gente fala, mas, ninguém escreve assim aquilo que fala).

NIN-GUÉm FÁLÁ CÓMÓ ÉSCRÉVÊ (sonoramente, é assim a gente escreve, mas, ninguém fala assim – o som do M na palavra ninguém não é “completado com um I” como na primeira frase).

É por isso que aqueles que adoram criticar as pessoas que grafam as palavras erradamente estão em erro. O importante é passar a mensagem corretamente, mas, quem pode ser capaz de criticar uma mensagem, já que esta depende mais de quem interpreta do que de quem a lança?

O correto seria falar como se escreve e escrever com se fala, como acontece na linguagem musical.

Brasilio – Agosto/2009.

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