O público e o privado - um breve estudo da representação e caracterização das duas dimensões na arquitetura

Por víctor michel tomé sales | 23/06/2021 | Arte

O público e o privado: um breve estudo da representação e caracterização das duas dimensões na arquitetura.    

Víctor Michel Tomé Sales


Farias Brito – Ceará

Junho –      2021

 

RESUMO

 

Este artigo pretendeu fazer uma breve análise das dimensões pública e privada na arquitetura, bem como suas características e implicações no espaço, e como a arquitetura pode comunicar, reforçar e definir melhor cada uma delas. Para isso foi feito um estudo, sobretudo no livro Lições de Arquitetura, de Hertzberger (1999), onde trata dessa temática de maneira bem explicativa e aplicada. Este artigo se trata, portanto, de uma breve revisão bibliográfica, focando, como já mencionado anteriormente, na obra Lições de Arquitetura, especialmente nos capítulos 1 ao 7. Ao fim deste artigo pôde-se concluir que são vários os fatores que conferem o caráter público ou privado de determinado espaço, como seu grau de acesso, a visibilidade, a possibilidade de agir ativamente o modificando, a comunicação com o meio externo, dentre outros. Assim, cabe à arquitetura comunicar e transmitir essas dimensões público e privado em sua materialidade, trazendo em si esses fatores visando dotar os ambientes do caráter que lhes é requerido ou desejado, e, consequentemente, desempenhando as suas funções da melhor maneira, conforme o seu uso ou intenção.

 

Palavras chave: Público; privado; acesso; visibilidade; arquitetura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

This article intended to make a brief analysis of the public and private dimensions in architecture, as well as their characteristics and implications in space, and how architecture can communicate, reinforce and better define each of them. For this, a study was carried out, especially in the book Lessons in Architecture, by Hertzberger (1999), which deals with this theme in a very explanatory and applied way. This article is, therefore, a brief bibliographical review, focusing, as mentioned above, on the book Lessons in Architecture, especially in chapters 1 to 7. At the end of this article, it was concluded that there are several factors that confer the character. public or private space, such as its degree of access, visibility, the possibility of actively changing it, communication with the external environment, among others. Thus, it is up to architecture to communicate and transmit these public and private dimensions in their materiality, bringing in them these factors in order to provide environments with the character that is required or desired, and, consequently, performing its functions in the best way, according to its use or intent.

 

Keywords: Public; private; access; visibility; architecture.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

1. Introdução……………………………………………………………………………...…4

2. A casa e outros exemplos……………………………………………………………....4

3. As questões projetuais…………………………………………………………………5

4. A delegação…………………………………………………………………………...….6

5. A “soleira”………………………………………………………………….....................7

6. Conclusão...............................................................................................................7

7. Referências Bibliográficas……………………………………………………………..8

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. Introdução

 

Os conceitos de “público” e “privado” podem ser melhor entendidos utilizando-se de outras terminologias, o “coletivo” e o “individual” é um bom exemplo disso. Muitos projetistas erram, muitas vezes, em adotar uma visão dualista da realidade, com o “público” estando em um combate épico e constante contra o “privado”. O equívoco reside justamente na tentativa de se querer sacrificar um pelo outro, não vendo dessa forma, o lugar e o papel que os dois conceitos possuem em cada situação. Projetos não são concebidos tendo como fim a satisfação de um único usuário (salvo situações, onde de fato, o cliente é único), de forma similar, não é possível a concepção de outro onde “todo mundo”, ou a “coletividade” é o nosso alvo, mas é sempre uma junção desses dois conceitos, a interação dessas duas características funcionais, tendo como ponto base as inter-relações humanas que, não eliminam nem abarcam exclusivamente um dos dois, mas sim, um convívio harmônico entre eles.

 

2. A casa e outros exemplos

 

Tal como em uma casa, onde se apresentam ambientes de caráter mais receptivo e público, como a sala de estar, e outros de caráter mais privativo, os dormitórios. O exemplo da habitação é muito emblemático, pois exemplifica muito bem a diferença e a presença das duas características. A responsabilidade de manutenção de um espaço, onde o acesso é livre a todos, é coletivo, todos em uma casa se tornam responsáveis de alguma maneira por manter a sala em ordem, visto que todos usufruem dela. Já nos dormitórios a responsabilidade por sua manutenção é do indivíduo, ou indivíduos que lá dormem (HERTZBERGER, 1999). Apresentada essa realidade, nos cabe estabelecer o que confere “coletividade” e “privacidade” a determinada edificação ou espaço.

Seguindo com o exemplo da residência, o que confere à sala essa característica de espaço compartilhado é seu acesso irrestrito para os residentes, e deste modo, apresentando responsabilidades coletivas em seu cuidado e trato. De forma semelhante acontece aos quartos, mas de maneira inversa, se tratando de um espaço de uso mais particular.

Num mesmo lugar temos ambientes com diferentes tipos de acesso e caráter. Essas demarcações em muitos momentos não provêm de leis positivas, ou de imposições do Estado, mas de consensos da própria família ou comunidade (HERTZBERGER, 1999). É naturalmente percebido que determinados ambientes em uma residência possuem um achegamento mais íntimo e/ou privativo. Os pátios das escolas são de uso público, entretanto as salas de aula são mais restritas. Essas são regras de caráter cultural, consensual, funcional, ou apenas de bom senso. Ou seja, num mesmo espaço o público e o privado podem coexistir.

Não há, portanto, dualismo. A lógica projetual deve estar fundamentada no funcionamento das relações humanas e em seus desdobramentos dentro das possibilidades que o espaço oferece ou deve oferecer. Diante disto, é preciso discorrer em como esse entendimento afeta o trabalho dos arquitetos se materializando em decisões projetuais.

 

3. As questões projetuais

 

Espaços onde o acesso é livre para qualquer pessoa e que possui portas de vidro, a exemplo, apresenta esta característica para evitar que haja colisões entre os transeuntes, dada sua elevada circulação. A visibilidade ou transparência, reforça, assim, o caráter público do espaço. Onde este caracteriza-se como sendo mais privativo e menos acessível, costuma-se adotar portas de superfícies mais opacas, sem painéis transparentes (HERTZBERGER, 1999). As lojas, joalherias, e outros segmentos costumam explorar de forma exaustiva esse conceito, quando expõem suas peças para que, ao transitar pela calçada, o pedestre as veja e sinta-se atraído a adentrar no estabelecimento e adquiri-las. O desejo, neste caso, não é afastar as pessoas, mais fazê-las adentrar no espaço.

O grau de acesso aos compartimentos de algum lugar é determinado pelos materiais que o compõem, as cores, a localização deste na planta, sua forma, a iluminação, etc. Quando empregados de forma adequada, esses fatores irão conferir à planta ordem, facilitando a localização e a relação dos homens com os ambientes, já que esses padrões são rapidamente apreendidos pelas pessoas. Dessa forma, os materiais e componentes de um projeto também podem ser usados de forma a gerar ordenamento em seu funcionamento interno. Deste modo, uma escolha adequada de materiais, e a setorização da planta, irá acompanhar o que se espera de cada espaço, revelando seu caráter mais público ou mais restrito.

Elementos arquitetônicos também podem desempenhar esse papel e servir para revelar essa separação e definição de espaços. Ching descreve:

Além do papel estrutural que as colunas desempenham na sustentação de um piso superior ou plano de cobertura, elas podem articular os limites penetráveis das zonas espaciais, que se mesclam facilmente com os espaços adjacentes. [...] Os elementos verticais e horizontais podem, conjuntamente, definir um volume de espaço [...]. (CHING, 2002, p. 16,17).

 

4. A delegação

 

Outro fator a ser considerado é a delegação de responsabilidades. Muitos espaços, sobretudo, os de trabalho, vem acompanhando a tendência de conceder aos funcionários a responsabilidade de organizarem seu próprio espaço, possibilitando a personalização destes. Muitos escritórios, organizações e instituições diversas adotam essa política de organização interna. Além da personalização ser uma atividade onde o indivíduo tem o poder para agir no espaço deixando-o à sua imagem, ela é uma grande aliada para o aumento do bem estar em ambientes estressantes (YAN; ENGLAND, 2001).

Se, entretanto, o desejo de determinado ambiente ou organização for dar essa autonomia aos usuários, é necessário que abrigue em si as condições que permitam tal acontecimento: mobiliários modulares, aberturas móveis, a possibilidade da organização, ou exposição, de objetos ou trabalhos pessoais em mesas, paredes, ou murais, são apenas alguns exemplos dentre muitos outros, onde o espaço demonstra ser receptivo às mudanças que o usuário o queira dar, dando condições para isso acontecer (HERTZBERGER, 1999).

Porém nem sempre esse grau de liberdade sobre os ambientes será desejável, seja pela política interna da instituição, seja pela natureza do próprio espaço que torna essa autonomia algo inconveniente. Quando existe a permanência do funcionário no local de trabalho, existindo um local fixo e específico para ele, o mesmo tenderá a modificá-lo, se sentindo mais livre para intervir no espaço. Mas quando não apresenta local fixo, ou particular, com o propósito de exercer sua função, porém é dinâmico, variável, ou quando há outras pessoas no mesmo local executando seus ofícios, de forma que o espaço não é “seu”, porém de “todos”, a personalização tende a não acontecer. Nessas situações o arquiteto poderá tomar as decisões de projeto sem considerar a autonomia dos usuários em poder modificar o ambiente, já que nessa situação isso se mostra pouco relevante (HERTZBERGER, 1999).

 

5. A “soleira”

 

Falando sobre a “soleira”, o espaço de transição entre o domínio público e a propriedade privada, e que serve para receber as pessoas em determinada edificação ou local, Hertzberger (1999) argumenta sobre esta possuir funções de acolher e dar conforto ao usuário que irá adentrar ao edifício, oferecendo, a exemplo, um local coberto, para não ficar exposto ao sol ou à chuva, bancos para sentar e outros exemplos. Diz:

“A concretização da soleira como intervalo significa, em primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para as boas-vindas, e as despedidas, e, portanto, é a tradução em termos arquitetônicos da hospitalidade. Além disso, a soleira é tão importante para o contato social quanto as paredes grossas para a privacidade. Condições para a privacidade e condições para manter os contatos sociais com os outros são igualmente necessárias [...].” (HERTZBERGER, 1999, p. 35)

 

6. Conclusão

 

Concluindo, a arquitetura pode se utilizar de várias estratégias para revelar o caráter público ou restritivo de algum meio, seja pelo nível de transparência, pelos elementos verticais e horizontais definindo ou conferindo mais privacidade a esse espaço, seja através da setorização em planta, dos materiais, revestimentos ou divisórias, podendo, inclusive, servirem como um “chamado” à sua personalização e transformação. As estratégias a serem adotadas dependerão da natureza, do uso, contexto, ou intenção do projetista a respeito do local, condicionando, assim, as soluções a serem utilizadas, visando um melhor uso do mesmo.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

CHING, Francis D.K.  Arquitetura: forma, espaço e ordem. ed. 3ª. Martins Fontes. São Paulo, 2002.

HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. ed. 2ª. Martins Fontes. São Paulo, 1999.

Kuhnen, A., Felippe, M. L., Luft, C. D. B., & Faria, J. G. (2010). A importância da organização dos ambientes para a saúde humana. Psicologia & Sociedade, 23(3), 538-547.

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