O PROJETO DO ESTATUTO DO NASCITURO E O CRIME DE ABORTO NO BRASIL

Por Fabiene de Jesus Ferreira Pavão | 08/03/2017 | Direito

O PROJETO DO ESTATUTO DO NASCITURO E O CRIME DE ABORTO NO BRASIL: O NASCIMENTO DO FETO COMO PRESSUPOSTO DE GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA¹

 

André Rodrigues França ²

Fabiene de Jesus Ferreira Pavão²

Gabriel Ahid³

 

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Resgate histórico-cultural sobre o crime de aborto em diferentes países: Como esses países tratam o tema. 2.1 O crime de aborto no Brasil: Religião versus Aborto; 3 O projeto de lei nº 478/2007 e a possibilidade de criação do estatuto do nascituro; 3.1 Mudanças que podem ocorrer caso o projeto seja aprovado e como o projeto tratará a figura do nascituro; 3.2 Dignidade como sinônimo de nascer com vida; 4 Questões práticas abortivas: fundamentos que envolvem atos sociais, morais e psicológicos da mulher e do feto ; Conclusão; Referências

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho, considerando todas as questões sociais e políticas, discuti, basicamente, a noção de dignidade da pessoa humana. Para isso usa como referência o crime de aborto e o feto potencial vítima do crime, porém, a questão se torna ainda mais especifica, ou seja, delimita-se o estudo dessa dignidade contraponto a ideia de dignidade do feto proveniente do projeto de lei nº 478/2007 que propõe a criação do estatuto do nascituro. Usando o como base, discutir-se-á, como ele poderá afetar as noções de dignidade para ambos os lados da questão, como a realidade do feto e da mulher que se submete ao aborto poderá ser transformado caso o projeto seja transformado em lei.

 

PALAVRAS-CHAVES; Dignidade da pessoa humana. Estatuto do Nascituro. Crime de Aborto.

 

INTRODUÇÃO

 

Embora não admitido socialmente, haja vista ser este um crime tipificado pelo direito brasileiro, o aborto esta presente na nossa sociedade. Porém, devido à criminalização é feito apenas de modo clandestino. Em razão da multiplicidade de questões que o tema envolve é que se tem tanta divergência sobre o mesmo, tendo como principais polos: os religiosos que se põem, terminantemente, contrários a pratica e do outro lado “as feministas” que pregam a liberdade da mulher, liberdade de agir e de ser detentora do seu próprio corpo.

Ocorre que o debate tem se configurado ainda mais acalorado nos últimos meses isto em decorrência da tramitação do projeto de lei nº 478/2007 que visa instituir o estatuto do nascituro. Tendo isso como base e a sociedade como pano de fundo, este estudo propõe fazer uma amostra a cerca das discussões levantadas por este projeto. Mostrando, não só o panorama brasileiro, mas, também, o de diferentes países do mundo, isso para que se possa fazer um contrapondo entre realidades, ou seja, como as leis desses diferentes países tratam sobre o aborto e como isso pode ser uma construção do reflexo sociocultural de tal população.

Isso se justifica para que se possa entender a realidade brasileira de forma alargada, não restrita apenas ao cenário nacional, logo, além das questões supracitadas mostrar-se-á dados históricos a cerca de como essas populações viam o aborto ao longo dos séculos e se isso foi fator determinante para o tratamento que ele tem nas suas realidades atuais. Mostrando, também, se a legalização trouxe como consequência a banalização do aborto e consequentemente a banalização da própria “vida” do feto.

Obviamente, não se poderá concluir tal estudo histórico-cultural sem que se análise o crime de aborto no Brasil, não só no aspecto legal, mas também no sociológico, qual a realidade brasileira, qual a realidade dos Estados brasileiros, a manutenção da criminalização é realmente a melhor medida? E a ética religiosa, qual sua influência nessa manutenção?

Feito tal apanhado analisar-se-á, então, o projeto de lei que pretende criar o estatuto do nascituro. Mostrando quais suas propostas, quais as mudanças poderão ocorrer na realidade das brasileiras que por ventura vierem a praticar o crime de aborto caso o projeto de lei seja aprovado. Quais mudanças ele poderá trazer para a dignidade do feto? Garantir que ele viva, ou seja, garantir a vida do feto é realmente o primordial? A realidade dos lares adotivos representa realmente dignidade para essas crianças? E as mães que não desejam esses filhos, devem ser obrigadas a gerar essas crianças e ainda viver com os seus fantasmas, haja vista que embora não fiquem com os filhos irão saber de sua existência. E quanto as que ainda assim resolvem abortar, elas também não deveriam ter suas necessidades garantidas? Estas questões, basicamente, permearão todo o desenvolvimento desse trabalho.

Por fim, discutir-se-á, o papel da mulher que aborta em face da realidade proposta pelo projeto de lei nº 478/2007, que visa instituir o estatuto do nascituro, discutindo-se como ficaria a dignidade dessa mulher e qual sua realidade atual. Questões que envolvem o meio social e psicológico permearam a discussão haja vista serem essências para que se compreendam os possíveis impactos que poderiam ocorrer caso o projeto de lei seja aprovado.

Logo, o presente estudo servirá como uma analise dessa realidade que se impõe, a partir da aprovação ou não do projeto de lei. Sendo que independe da decisão que se tome sobre o projeto. Ainda assim será possível, por meio desse estudo, se perceber qual o cenário político-cultural brasileiro e até que ponto ele é determinante para instituir ou manter a criminalização de determinada conduta.

 

2 RESGATE HISTÓRICO-CULTURAL SOBRE O CRIME DE ABORTO EM DIFERENTES PAÍSES: Como esses países tratam o tema

 

O termo aborto tem sua etimologia do Latim e no Grego, respectivamente, que vem das palavras “ab” = privação e “ortus” = nascimento, significando, a “privação do nascimento”. Em outras palavras, vira a ser, a rigor, a designação de “matar alguém”, o que caracteriza crime de acordo com o Código Penal Brasileiro nos artigos 121 a 128. Desse modo, o aborto no Brasil se tornou uma prática ilícita e tendo caráter reprovativo, mas no decorrer da história civilista essa prática era comum.

Ainda que no Brasil, o aborto, essa prática clandestina por excelência, carregue a marca da reprovação, certamente não terá sido assim no decorrer da história da humanidade. Sabe-se que desde os povos da antiguidade este era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio (SCHOR; ALVARENGA, 1994, p. 19).

 

Na Grécia Antiga, a limitação e equilíbrio da sociedade eram comuns pelo exercício do aborto, encarado de modo natural e praticado em especial pelas meretrizes. Defendendo tal ato, Platão afirma que o aborto deveria ser praticado a qualquer momento em que as mulheres se permitissem, e obrigatório a mulheres  com mais de 40 anos, além de preservar as características das raças. Por sua vez,   Hipócrates se nega a auxiliar as mulheres na prática do aborto devido a um juramento. (SCHOR; ALVARENGA, 1994, p. 19).

Em alguns países, o aborto estava caracterizado como um direito natural, e julgado pelo patriarca da família o domínio da vida e da morte de seus filhos, por exemplo, em Roma. Outro ponto a ser destacado é que no início da República, o aborto foi permitido na época em que a taxa de natalidade estava alta, e logo em seguida, no Império, o aborto foi oficialmente punido pela legislação, pois estava indo de encontro com a segurança do Estado.

Ao longo do tempo, precisamente no Século XIX, por consequência do êxodo da área rural para área urbana devido às condições de vida, a prática abortiva se apropriou das classes mais populares, enfraquecendo, assim, as classes dominantes, pois estas se utilizavam da exploração da mão-de-obra para as áreas industriais.   

O aborto, juntamente à prática do coito interrompido, tem sido durante os séculos XIX e XX o método de controle de natalidade mais utilizado e difundido. Em nome disso, as taxas mundiais de aborto são bastante elevadas, tendo como recordistas alguns países da América Latina e África. Apesar de difícil mensuração, uma vez que o aborto é considerado crime em inúmeros países, calcula-se que a taxa mundial de abortos por ano esteja entre 32 e 46 abortos por 1000 mulheres na idade de 15 a 44 anos, havendo uma enorme variação entre os países, a depender da prevalência dos métodos anticonceptivos, de sua eficácia e das leis e políticas relativas ao aborto. Nos países ocidentais, o pico etário do aborto ocorre entre as mulheres de 20 anos, como, por exemplo, na Inglaterra, onde 56% dos abortos são praticados por mulheres com menos de 25 anos, ao passo que nos Estados Unidos este número é de 61% na mesma faixa etária. (ALMEIDA; DINIZ, 2013)

 

Pesquisas realizadas pelo Instituto Alan Guttmacher a respeito do aborto na América Latina, revelaram que a quantidade de mulheres pobres e ricas rurais e urbanas que abortaram. Dentre elas, 5% foi direcionado a mulheres pobres da zona rural, 19% foi direcionado a mulheres pobres da zona urbana, e 79% foi direcionado a mulheres de renda superior da zona urbana. Segundo estatísticas, no ano de 1991, o Brasil foi palco de 1.443.350 em relação ao aborto induzido com taxa anual por 100 mulheres de 15 a 49 anos, de 3,65. Fazendo uma analogia, a taxa dos  Estados Unidos é de 2,73. 

Nesse mesmo sentido, a Conferência Internacional realizada em Cairo a respeito da População e Desenvolvimento foi considerada um padrão para as políticas e normas nacionais e internacionais em relação ao aborto. Pois, é válido destacar que antes da Conferência as políticas públicas de diversos países não tinham em suas listas o tema aborto para ser estudado e  tratado de modo cabível.

Segundo Kulczycki ET al apud Diniz; Almeida, 2013 “...em Cairo, pela primeira vez, um fórum interministerial reconheceu que as complicações do aborto apresentam ameaças sérias à saúde pública e recomendam que, onde o acesso ao aborto não é contra a lei, ele deve ser efetuado em condições seguras...".

 

 

 

2.1 O crime de aborto no Brasil: Religião versus Aborto

De acordo com a história, o aborto é empregado como configuração de infecundidade e sustentado como exercício particular até o século meados XIX, permanecendo ininterruptamente transcorrido por questões sociais, morais, éticas, legais, psicológicas e religiosas que perduram até hoje.

A abordagem religiosa a respeito do tema traz em seu bojo uma condenação cristã para quem interrompe uma gravidez, sendo esse ato manifestado por diversas razões. Em 1869, houve uma declaração da Igreja Católica em a mesma afirma que o feto possui alma, uma vez que esta passou a condenar o aborto e os meios contraceptivos como crime, ou seja, impedimento de uma vida.

Ademais, uma de essas restrições fundar-se nos mandamentos  e também pelas passagem fixadas no Livro do Êxodo 21:22-25, quando relata que aquele que ferisse uma mulher grávida, e tivesse como consequência o aborto, Esse pagaria ao marido da mulher uma multa; e se a mulher viesse a falecer, o agressor pagaria tal violência com sua própria vida. (BÍBLIA SAGRADA, 1990).

 

3 O PROJETO DE LEI Nº 478/2007 E A POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DO ESTATUTO DO NASCITURO

 

Tido como uma verdadeira revolução no quesito proteção do feto. O projeto de lei nº 478/2007 conhecido popularmente como o projeto do estatuto do nascituro, segundo a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que aprovou o projeto, com dezessete votos a favor e sete contrários, o projeto proposto pelos Deputados Luiz Bassuma e Miguel Martini e segundo a relatora, Deputada Solange Almeida, o intuito do projeto seria basicamente assegura os direitos fundamentais que são inerentes ao feto, ela inúmera alguns, como direito a tratamento médico, a diagnóstico pré-natal, ainda coloca que o projeto visará também garantir o direito de pensão alimentícia ao feto, o que romperia com a ideia de necessidade de alimentos, haja vista que na atualidade a lei não assegura ao feto, expressamente, tal garantia.

Em suma, a Relatora da Comissão põe que o feto teria sua dignidade garantida em decorrência inclusive da tipificação de práticas como o aborto culposo ou a apologia ao aborto. (CSSF, 2010). E continua com a justificação dos autores:

 

[Os Deputados] sustentam pretender tornar integral a proteção ao nascituro, realçando-se, assim “o direito à vida, saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar” e a proibição de “qualquer forma de discriminação que venha a privá-lo de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores”. (CSSF, p. 2, 2010).

 

Ainda segundo a relatora, o projeto de lei nº 478/2007 é essencial, pois se aprovado efetivará direitos fundamentais para nascituro, o que é tido como expectativas de direito, será, se o projeto for aprovado, direito de fato.

Entretanto, como estará exposto nos tópicos seguintes, o projeto de lei que propõe a criação do estatuto do nascituro, ora em análise não é pacifico na sociedade brasileira. Havendo ferrenho embate, entre seus defensores, popularmente conhecidos, como: “bancada religiosa” e os terminantemente contrários a sua aprovação. Sendo que tem como principais representantes o movimento feminista.

 

3.1 Mudanças que podem ocorrer caso o Projeto de Lei Nº 478/2007 seja aprovado e como ele tratará a figura do nascituro

 

Como comentado anteriormente o projeto de lei nº 478/2007 esta longe ter uma aceitação pacífica na sociedade, um dos projetos mais ousados da bancada religiosa, caso venha a ser aprovado representará, segundo defende o PSC, uma vitória da família verdadeira, ou da família tradicional, contra os vulgarmente chamados de abortistas, termo que não será utilizado no decorrer do trabalho, que não utilizará nenhum adjetivo especifico para designar aqueles que defendem a legalização do aborto.

Considerações postas tem-se que, em 05 de julho de 2013, o Projeto que propõe a criação do estatuto do nascituro recebeu parecer favorável da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

As mudanças que ocorreram caso o projeto seja aprovado dizem respeito basicamente à criação de um dever estatal, familiar e social em proteger prioritariamente direitos como a vida, saúde, entre outros ao feto; o projeto, ainda tem como expectativa garantir que o feto fique protegido de qualquer exploração, discriminação ou violência, e que se aprovado o projeto manterá o nascituro a salvo de qualquer negligencia familiar, social ou estatal. (RABELLO, 2013).

Entretanto nem todos visualizam o projeto dessa forma; os que defendem a legalização do aborto veem no projeto uma afronta à dignidade, a saúde e a vida da mulher. A Deputada Federal Manuela D’Ávila parafraseando a bancada religiosa que, diz que o projeto visa à proteção da vida do feto, disse em entrevista que se o objetivo é discutir a vida que se discuta a vida das mulheres que abortam que acabam sendo as maiores vítimas dessa história, colocando que o aborto é uma questão de saúde publica. A Deputada ainda crítica o fato de levar a questão para o lado religioso o que impossibilita que se discutam realmente os problemas que as mulheres estão sofrendo.

 Outro ponto bastante polêmico é o encontrado no art. 13 § 2º diz respeito à criação da criação de uma “bolsa gestante” popularmente chamada de “bolsa estupro”:

 

Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe. (CSSF, 2010).

 

 

O título de bolsa estupro, como é de se imaginar, é extremamente combatido pela bancada religiosa, pois segundo eles o que se quer com a bolsa a mulheres violentadas é a garantia de vida do feto. Pois além de assegurar que ela tenha meios para prosseguir com a gestação ainda garantirá ao feto a vida, haja vista que a gravidez não será interrompida.

Ivone Zanger se posiciona de forma totalmente contraria aos criadores do projeto de lei nº 478/2007, pois para ela o projeto, se aprovado, relativizara o crime de estupro, portanto, sua aprovação traria como consequências graves danos à saúde física e mental da mulher violentada, além de beneficiar o violentador. Simplificando, o projeto prever, no art. 13, supracitado, a possibilidade de o violentador ser obrigado a pagar pensão alimentícia pra criança fruto da violência sexual. A autora critica inclusive o fato de chamarem o agressor de genitor e questiona:

A pergunta que se faz especialmente a fazem as mulheres, é: uma vez identificado o genitor, não será ele o estuprador que deverá ser enquadrado no Código Penal? E, uma vez preso pagara pensão alimentícia? E mais: a quem caberá “ir atrás” do criminoso? A Assistência Social ou a policia? Uma vez que o criminoso, aqui chamado de “genitor” pagara a pensão, este poderá reivindicar visitas à criança? Alguém espera que dessa forma esteja colaborando com a recuperação moral de um criminoso? À custa da tortura mental e psicológica da mulher e, por consequência da criança? (ZEGER, p. 02, 2013).

 

Portanto, ao visar proteger o direito a vida e a dignidade do feto fruto do crime de aborto o projeto de lei, peca gravemente ao ferir os direitos de igualdade e liberdade da mulher, como bem coloca Ivone Zenger (2013, p. 02): “É bom lembrar, a prioridade deve ser a assistência integral à mulher quando ocorrido à violência [...], o aborto é, nesses casos uma intervenção medica totalmente legal”, ou seja, para a autora na pratica o que prever o projeto de lei é na verdade minorar esse direito já conquistado pelas mulheres, que em virtude de uma imposição religiosa teriam que conviver não só com o fruto de uma violência como o “genitor” responsável por tal agressão, que teria os seus deveres de pai legalmente garantidos.

Vale ressaltar que, apesar de serem aprovados na Comissão de Finanças, os artigos referentes à criação da bolsa para mulheres violentadas não recebeu apreciação, ficando determinado, por meio de emenda, que isso ocorreria um ano após a entrada em vigor da lei decorrente do projeto. (RABELLO, 2013).

Diante do exposto, vale ressaltar ainda que a ideia central do projeto de lei nº 478/2007 é tratar o nascituro como um ser humano, essa ideia pode ser facilmente visualizada no art. 2º que colocara que “o nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido” e no parágrafo único que dirá que “o conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos ainda que “in vitro”, mesmo antes da transferência para o útero da mulher.”. 

 

3.2 Dignidade Como Sinônimo De Nascer Com Vida

 

Uma das principais discussões levantadas a cerca do projeto é a cerca da garantia da dignidade da pessoa humana do nascituro. Ao garantir que ele nasça com vida, principalmente, mas não apenas, nos casos referentes a violência sexual. Será mesmo que a bancada religiosa está com razão ao defender esse direito de viver acima de tudo? Será realmente que o fato do estatuto prevê uma bolsa ou a possibilidade desse feto, se vier a nascer, ser adotado antes que as outras crianças, se isso tudo lhe garanti dignidade? Será se dignidade se resume a essa questão, nascer com vida? A dignidade dessa criança não estaria ligada ao sentimento de acolhimento, de ser desejado, querido? Sem contar todo o estigma que sobre ele poderia advir, haja vista ser ele fruto de uma violência, ainda pode-se questionar o bem estar da própria mãe que mesmo não sendo obrigada a criar é obrigada a conviver com a ideia de que teve um filho que não desejava e que ele estar vagando no mundo.

Ainda segundo a Deputada, Manuela D’Ávila, na prática os abortos acontecem. Existem clínicas especializadas e bem equipadas para fazê-los, porém isso se aplica somente para as mulheres de classes sociais mais elevadas, enquanto isso mulheres das classes baixas acabam morrendo ao tentar praticar o aborto. Logo, é em decorrência dessa questão, do fato de claramente a mulher que aborta não desejar prosseguir com essa gravidez.

Que se questiona o que de fato o estatuto do nascituro, caso venha ser aprovado, provocara tanto para a mulher quando para a criança. Terá o direito de nascer com vida do feto a poder de dá a ele uma vida digna ou a bancada religiosa, preocupada apenas em garantir os dogmas da sua fé, estará preocupada apenas em mostrar aos seus fiéis que fizeram algo contra o aborto, mas colocaram essas crianças em risco ao fazê-las nascer para serem dispensadas em abrigos e submetidas aos desmandos da vida?

 

4 QUESTOES DE PRÁTICAS ABORTIVAS: fundamentos que envolvem atos sociais, morais da mulher e do feto.

 

As questões em torno dos abortos envolvem todos os segmentos da sociedade, haja vista que se trata de um problema que envolve o direito à vida, tutelada pela Constituição de 1988, como o fundamento de todos os direitos e garantias individuais.

Para reflexão da problemática, apresentam-se três motivos pelos quais a prática abortiva envolve questões de cunho social, moral e psicológicos: (a) inviolabilidade do direito à vida, pois se funda nos princípios naturais e também na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana; (b) dignidade do embrião (dignidade da pessoa humana), tendo em vista que concordamos que o mesmo seja um outro ser – um terceiro diferente da mãe e do pai; por último, (c) status jurídicos do nascituro, visto que se concebe a vida desde seu nascimento até seu declínio natural – a morte.

  • A inviolabilidade do direito à vida é uma garantia expressa na própria natureza do simples existir. Ela conceitua, simplesmente, a existência humana na sua mais simples ou complexa natureza de ser. Uma vez concebido o ser deve gozar do seu desenvolvimento natural. Não se pode transgredir essa lei da natureza humana, pois por ser um princípio universal seria imoral e ilícito matar um ser indefeso. Argumenta-se que o ser humano inicia-se no momento da concepção e sendo humano trata-se de um novo ator jurídico, independente, de suas limitações. E ainda mais, a liberdade, principalmente, da mãe não pode estar acima da liberdade da vida do filho. A posse do corpo da mãe não invalida ou descaracteriza a inviolabilidade da criança.
  • A dignidade do embrião (dignidade da pessoa humana) é um preceito universal, adquirido nas diversas legislações do mundo depois das atrocidades dos grandes conflitos mundiais sobre seres indefesos. Considerar a dignidade de alguém é respeitar e proteger, sobretudo, a vida. O ser que se desenvolve no ventre materno possui toda uma carga hereditária e genética, ele tem todos os elementos para o desenvolvimento da pessoa. É a existência em potência que depois do nascimento se transforma em ato. Nenhum ato jamais seria ato se antes não fosse uma potência. Podemos, então, concluir que o embrião é uma pessoa e nessa condição goza de garantias legais da dignidade humana da parte da família e também do Estado Democrático de Direito.

Desse modo, fazendo uma ligação entre a dignidade do embrião ao da mulher que aborta, há um parâmetro de limitação estabelecido pelo Estado por parte da questão social, e em razão aos limites da liberdade por se caracterizar em defesa daqueles e daquelas que requerem uso da proteção em detrimento de suas inferioridades.

Ramiro Avilés analisa a decorrência desses fatos direcionado a questão social:

[...] intromissão por parte do Estado na vida das pessoas através de certas políticas públicas ou de normas jurídicas que, em sua versão negativa, proíbem a realização de uma série de comportamentos, obstaculizam certas ações, desestimulam opções ou desaconselham algumas escolhas que diretamente não causam dano a terceiras pessoas, mas que podem provocar danos ou não beneficiar as pessoas que o realizam (AVILÉS,

 

Em outras palavras, denota imposição de limites à mulher que aborta por parte do Estado, positivamente ou negativamente, usando até  mesmo da coação, para se abiscoitar a prática de certas ações ou comportamentos em virtude da proteção da própria pessoa mesmo ou de outrem. Lembrando que, a  liberdade esmera-se na visão social e moral, para afirmar que toda liberdade, necessariamente é limitada.

  • Na arguição do status jurídicos do nascituro entende-se que, independente do momento do nascimento a criança tem suas garantias legais. No Brasil, o direito à vida do nascituro é tutelado no Código Civil, artigo 2º e no Código Penal, artigo 124, por assim se compreender que a criança em gestação trata-se de uma vida geneticamente em desenvolvimento. Ele goza de um status jurídico, muito embora para a própria legislação brasileira não goze de personalidade jurídica.

É nesse sentido, que pelos motivos acima mencionados, que a vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumidamente, incerto. O que não invalida o sentido da existência. Privar alguém do nascimento é um ato de tortura, crueldade e desumanidade. Ainda mais, quando o envolvido trata-se de um ser indefeso, onde, segundo a Carta Magna do Brasil toda a espécie de tortura física ou psicológica deve ser condenável.

Portanto, a análise dos fundamentos são características de legitimidade. Entretanto, é necessário ampliar o leque de diretrizes no oferecimento de políticas sociais e de saúde que levem em consideração o caso concreto e  a natureza ético-jurídicas, segundo Schor e Alvarenga.

 

Tal discussão deverá oferecer diretrizes gerais ao estabelecimento de uma política social e de saúde para o selar que contemple, não somente, as implicações dessa prática em termos concretos, mas também, as questões de natureza ético-jurídicas que permitam ao campo da saúde implementar, de fato, uma política de assistência capaz de atender as necessidades da Saúde Reprodutiva da Mulher de modo integral e desmistificada. (SCHOR; ALVARENGA, 1994, p. 22 ).

 

Por fim, há de se exigir do poder público iniciativas de políticas públicas no sentido de acompanhar os envolvidos com assistência médica, econômica e psicológica. Defende-se que uma sociedade mais justa e igualitária não se edifica com violência a seres indefesos e nem com mulheres não preparadas à maternidade. Entretanto, numa perspectiva ética, é proibido qualquer ameaça à vida, pois o aborto do feto é uma pena de morte decretada a um ser indefeso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante de tudo que foi exposto e do fato do projeto ainda não ter sido transformado em lei é que se coloca a necessidade tanto do mundo acadêmico quanto do social em discuti-lo, e de fazer isso livre de qualquer preconceito ou visão extremamente religiosa.

Ora para que se possa analisar se de fato o conceito de vida digna deve ser relativizado, não somente em referência ao feto, mas principalmente em ralação a mulher, o feto ainda esta pra nascer, a mulher já nasceu, talvez a bancada religiosa esteja mais preocupada em garantir a vida do feto e com isso não perceba que está condenando mulheres à morte. Da pra balancear qual a dignidade deva prevalecer sem que pra isso se afete gravemente os conceitos éticos e morais?

Essas são questões que deverão ser discutidas agora, antes que se aprove ou não o projeto, pois independente dos resultados haverá afetados positiva ou negativamente, leia-se as mulheres e os fetos. Dependendo da visão que se adote.

 

REFERÊNCIAS

 

AGUIAR, Priscila. Por que ser contra o Estatuto do Nascituro. JusBrasil. Disponível em: < http://priscilaaguiar.jusbrasil.com.br/politica/111686899/por-que-ser-contra-o-estatuto-do-na scituro?ref=home > Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulus, 1990.

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

BLOGUEIRAS FEMINISTAS. A mulher que aborta. Disponível em: <http:// blogueirasfeministas.com/2012/05/a-mulher-que-aborta/ > Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

BRASIL SEM ABORTO. Explicando o Estatuto do Nascituro. Disponível em: < http://brasilsemaborto.wordpress.com/tag/estatuto-do-nascituro-legislacao/> Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 478/207. Disponível em: < http://www.camara.gov .br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=345103> Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

CSSF, Projeto de lei nº 478, de 2007. Câmara dos Deputados. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/747985.pdf> Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

DINIZ, Débora; ALMEIDA, Marcos de. Bioética e Aborto. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIIIaborto.htm>. Acesso em: 26 de Out. de 2013.

 

FILHO, Gilberto de Barros Basile. O Aborto no Atual Código Penal Brasileiro. Disponível em: < http://www.tvimagem.com.br/gilberto debarrosbasilefilho/aborto.htm > Acesso em: 24 de agosto de 2013.

 

GARCIA, Edinês Maria Sarmani. Dignidade da pessoa humana e o aborto uma realidade a ser pensada. Anhanguera Educacional S.A, São Paulo. 2010.

 

GRECO, Rogério. Curso de direito penal Especial. v. 3. Niterói: Impetus, 2013.

 

ZENGER, Ivone. Estatuto do Nascituro relativiza o crime de estupro. Conjur, 28/09/2013.

 

MARIE CLARE. Se aborto é um debate pela vida, quero debater a das mulheres que morrem. São Paulo. 2013. Disponível em: <evistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo /noticia/2013/08/se-aborto-e-um-debate-pela-vida-quero-debater-das-mulheres-que-morrem-diz-manuela-davila.html?> Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

MEL, Talula. "Estatuto do Nascituro": ativistas pró-aborto temem que lei torne gravidez compulsória. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/64765/% 22estatuto+do+nascituro+tornara+a+gravidez+compulsoria%22+dizem+ativistas+pro-aborto. shtml > Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 2. São Paulo: Atlas, 2007.

 

PRAGMATISMO POLÍTICO. Quem é a mulher brasileira que aborta? Disponível em: < http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/08/quem-e-a-mulher-brasileira-que-aborta.html > Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

RABELLO, João Bosco. Aprovado Estatuto do Nascituro, sem contrapartida para “bolsa-gestante”. Disponível em: < http://blogs.estadao.com.br/joao-bosco/aprovado-estatuto-do-nascituro-sem-contrapartida-para-bolsa-gestante/> Acesso em: 30 out 2013.

 

RIBAS, Ângela Mara Piekarski. O Direito à Vida sob uma ótica contemporânea. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista _artigos_leitura&artigo _id=2986 > Acesso em: 25 agos  2013.

 

SILVA, Giselle Cristina Lopes da. O crime de aborto no Código Penal brasileiro. Disponível em: < http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2065 > Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

SCHOR, N.; ALVARENGA, A. T. O Aborto: Um Resgate Histórico e Outros Dados. Rev.

Bras. Cresc. Dás. Hum., São Paulo, IV(2), 1994.

 

The Alan Guttmacher Institute, 1994, Aborto clandestino: uma realidade latino-americana. Nova-Yorque. The Alan Guttmacher Institute.