O Professor Universitário e as Metodologias do Ensino Superior
Por Juliane Anjos | 27/08/2009 | EducaçãoHistórico das Metodologias
É difícil falar sobre metodologias do professor universitário de hoje, sem voltar-se ao passado. É de suma importância entender as concepções de Ensino Superior desde o seu surgimento no Brasil, pois elas ainda possuem uma enorme influência na forma como a docência é vista por grande parte dos profissionais da educação.
Segundo PIMENTA e ANASTASIOU (2008), o histórico da universidade brasileira iniciou-se com os Jesuítas, que se utilizavam das mesmas metodologias para tratar crianças e adultos. O papel principal do professor era o de detentor do saber e o do aluno, o de "desconhecedor". Ao mestre cabia transmitir todo seu conhecimento e ao aluno cabia absorver esse conhecimento como único e inquestionável. O resultado dessa estrutura rígida é um aluno "passivo e obediente, que memoriza o conteúdo para a avaliação" (PIMENTA e ANASTASIOU, 2008, p. 147).
Além dos Jesuítas, foi forte também a influência dos sistemas francês e alemão, que, de uma forma geral, pauta todo o ensino universitário na técnica. A idéia era formar apenas profissionais, deixando a questão da pesquisa somente para os alunos da pós-graduação.
Então, o Brasil entra no período da ditadura militar, onde é retomada e reforçada aquela idéia do professor como detentor do saber e do conhecimento, que é verdadeiro e inquestionável. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2008).
A Universidade Hoje
Ao pensarmos na universidade brasileira hoje, ainda vemos muitas práticas extremamente parecidas com as dos jesuítas, que não levam em consideração as capacidades e os conhecimentos prévios que o aluno possui. Mas, afinal, porque é tão importante que o professor desça de seu "pedestal do saber" e encare o aluno como ser social, que tem experiências e vivências? VEIGA (2000, p. 162) tem a resposta:
(...) quando as instituições foram pensadas, estavam imersas em um contexto bastante diferente do que aquele em que convivemos atualmente (...). Vivemos um tempo paradoxal, pois se, de um lado, estamos imersos em acelerado ritmo de transformações e inovações, de outro, encontramo-nos cristalizados, paralisados diante da impossibilidade de pensar a resolução de problemas e das crises estruturais e contribuir para a promoção da transformação social que se apresenta.
Em outras palavras, a escola "parou no tempo", pois, mesmo com o avanço assustador da tecnologia, das ciências, da medicina, etc., o professor continua "dando aulas" da mesma forma como "teve aulas". Importante destacar que nenhuma inovação, é claro, substitui o saber do mestre, porém é extremamente necessário percebermos a necessidade de colocarmos o aluno como ser de seu aprendizado.
PIMENTA e ANASTASIOU (2008) trazem um conceito muito interessante a respeito do ensino. Ao invés do termo "ensinar", utilizam o termo "ensinagem". A diferença entre esses dois termos parece nenhuma, porém, torna-se realmente claro quando pensamos na ensinagem como uma relação entre o ensino e a aprendizagem. Não existe ensino sem aprendizagem, ele deve, sempre, desencadear a ação de aprender, portanto, "ensinagem".
Devido a esse novo pensamento, de que o ensino e a aprendizagem formam uma só ação (afinal uma não ocorre sem a outra), muitas mudanças de comportamento, por parte do professor, tem sido discutidas atualmente, exatamente a fim de que o professor esclareça a concepção que possui sobre ensino e aprendizagem.
Uma das discussões mais fervorosas é a questão do planejamento do professor. Segundo SACRISTÁN (2000, p. 197), "A atividade de planejar o currículo refere-se ao processo de dar-lhe forma e de adequá-lo às peculiaridades dos níveis escolares". Ou seja, no momento em que o professor (junto com a equipe escolar) estiver planejando o currículo, é necessário voltar-se para as necessidades dos alunos e adequá-lo ao contexto dos mesmos. Não adianta definir objetivos que não conseguirão, de forma alguma, serem atingidos. A equipe deve pensar nas possibilidades do grupo que irão atender e propor tarefas complexas, que exijam reflexão e ação, mas que sejam tangíveis.
É importante destacar que o currículo, não só da universidade, mas de todos os níveis de educação, devem constar, não somente de uma sequência de temas a serem abordados por cada disciplina, mas precisa ser composto de todas as visões que a instituição possui, ou seja, a visão de ser humano, a visão de aluno, a visão de professor, a visão de comunidade, a visão de pesquisa (no caso da universidade), e outras mais que forem necessárias.
O currículo também não pode ser reducionista, ou seja, "fechado", apenas apresentando técnicas que não possibilitam a reflexão por parte do professor, pois "o ensino é uma prática que exige tomar decisões e realizar julgamentos práticos em situações concretas reais, e não uma técnica derivada de teorias" (SACRISTÁN, 2000, p. 204).
Muita reflexão ainda se faz necessária no campo do planejamento, até mesmo porque, o professor pode decidir e optar pela sua prática até certo ponto, pois está dentro de um sistema maior, que é a escola, que, por sua vez, está ligada à sociedade, portanto, sua opção está sujeita a vários fatores externos à sua prática, que são impossíveis de controlar totalmente. Apesar de tudo isso, é importante lembrar que
(...) os condicionamentos e os controles existem, mas nunca evitam a responsabilidade individual de cada docente, porque não fecham por completo as opções para uma prática pedagógica melhorada, ao permitir margens em sua interpretação e possibilidades de resistência frente aos mesmos. (SACRISTÁN, 2000, p. 207)
Além dessa discussão, alguns autores tem demonstrado completa aversão ao "modo tradicional de dar aulas", porém, "reconhecer o valor da tradição ou da cultura acumulada não significa ser tradicionalista, uma vez que há formas tradicionais de defender a tradição (...) e há formas abertas de valorizar as tradições, de maneira não tradicional" (PIMENTA e ANASTASIOU, 2008).
Isso significa que existem formas de valorizar a tradição propondo inovações. Necessitamos saber que as aulas inovadoras não são uma "moda", que logo passa, até mesmo porque, elas não devem substituir o que já foi construído em relação ao ensino. A inovação vem acrescentar novos conhecimentos aos já utilizados pelos professores e propor caminhos resultantes de reflexões sérias.
VEIGA et all (2000) propôs uma pesquisa na universidade a fim de pontuar ações não-convencionais e bem-sucedidas. É possível perceber que sua pesquisa deu-se num local onde as estruturas dos cursos já são pensadas de forma diferente, mais abrangente, pois "o êxito atingido pelos professores é fruto de um trabalho intencional que veio se construindo dialeticamente ao longo dos cursos." (VEIGA et all, 2000, p. 187).
Porém, independente do sistema em que o professor está inserido, ele pode colocar em prática as idéias de inovação no Ensino Superior. Podemos subentender, pela pesquisa, inclusive, a questão de que os professores podem encontrar brechas até nas estruturas mais rígidas de educação e que devem utilizar essas brechas a fim de promover uma aprendizagem mais autônoma aos alunos.
Obviamente, todos os professores encontram alguns obstáculos para sua prática, porém, segundo VEIGA et all (2000), é extremamente perceptível que os professores que trabalham de formas inovadoras, propondo situações-problemas, trazendo a realidade para dentro de suas aulas, possuem um profundo conhecimento teórico a respeito dessa questão. A utilização dessas novas metodologias foi um ganho que se apresentou através de muito esforço e estudo, a fim de possuir uma base teórica sólida que pudesse permear todo esse trabalho inovador.
Após toda a discussão a respeito de novas concepções metodológicas, é imprescindível destacar alguns pontos sobre a avaliação, afinal, é ela quem nos apresenta os resultados de todo o processo educativo.
Avaliar na Universidade
Falamos de inovação nas aulas, nos cursos, então, por que não falar de inovação na forma de avaliação também? Já sabemos que nas aulas tradicionais, "o tempo deve ser gasto para ensinar as respostas certas, impedindo as zonas de incertezas e desequilíbrios (...). A ordem é ensinar com eficiência, de modo a gerar produtividade, bons resultados nos processos avaliativos" (VEIGA et all, 2000, p. 233-234). Logo, a avaliação advinda desse método não poderia ser outra, a não ser uma avaliação que classifica, julga, mede e exclui os alunos. Exclui "usando como álibi o compromisso com a manutenção de um padrão de qualidade abstratamente definido, em nome do qual a avaliação não pode ser flexibilizada." (VEIGA et all, 2000, p. 246).
Isso significa que muitos profissionais resistem a uma nova concepção de avaliação em nome da qualidade, argumentando que uma prova tradicional, onde se atribui nota ao aluno é uma forma de medir e de padronizar. Padronização essa, exatamente, que as atuais idéias de avaliação querem desintegrar. Se os alunos são seres únicos, subjetivos, com experiências e vivências diferentes, por que, então, todos devem ser avaliados da mesma forma? Segundo VEIGA et all (2000), vivemos hoje numa sociedade em que o diferente é sempre visto como errado, inferior, não como uma possibilidade criativa de mudança, de originalidade.
VEIGA et all (2000, p. 240) define uma nova concepção de avaliação
Por ser problematizadora e rejeitar respostas estereotipadas aos problemas que se diversificam, [a nova concepção de avaliação] aposta no desenvolvimento da capacidade do aluno de processar leituras do mundo, devidamente circunstanciadas, em que se exercite a abstração, a reflexão, a dúvida sem culpa, em que os erros possam também ser festejados (...).
Segundo VEIGA et all (2000), muitas formas de avaliação tem sido vistas como mais eficientes do que meras provas classificatórias, como é o caso de portfólios, onde são reunidos vários trabalhos do aluno (não só escritos) e que oferecem a possibilidade de olhar para a avaliação como um processo evolutivo, onde podemos perceber claramente o avanço dos alunos, através de suas produções.
Além dos portfólios, é possível organizar gráficos com os desempenhos dos alunos e do professor, obviamente não no sentido de expor determinado aluno, mas sim no sentido de possibilitar uma melhor visualização dos avanços. Outra possibilidade são trabalhos escritos pelos alunos, mas trabalhos que sejam realmente produzidos através da pesquisa e sempre sob a orientação do professor. Também existe a possibilidade de observação dos alunos, mas é necessário certo cuidado com esse método, pois os alunos podem ficar inseguros e não se mostrar por inteiros, se os objetivos não estiverem bem claros para o professor e para os alunos. Ademais, outro cuidado que o professor deve tomar no momento da observação é
(...) manter-se vigilante para evitar cair nas ciladas da avaliação informal, que condena os alunos a serem aquilo que lhes atribuiu como rótulo circunstancialmente. Não é acidentalmente que se criam as figuras do bom aluno, do aluno rebelde, do tímido, do imaturo, do problemático, do crítico, do fracassado e do medíocre. (VEIGA et all, 2000, p. 245)
Conclusão
Apesar de todas essas discussões acerca de mudanças de concepção, é necessário entendermos o que a mudança significa para os profissionais de hoje. Desde que nos lembramos, as aulas e as provas ocorrem da mesma forma. Mesmo quando os professores universitários utilizam recursos tecnológicos como retro-projetores ou datas-show e fazem apresentações maravilhosas em Power point, as suas concepções de educação e de avaliação podem ser extremamente tradicionalistas. Concepções onde o professor fala e o aluno escuta, aulas que "não passam de meras reproduções de mini-palestras ou reunião de um número determinado de pessoas ouvindo uma delas expor determinado assunto" (PIMENTA E ANASTASIOU, 2008).
É uma tradição, a única forma como esses professores foram apresentados ao ensino e à avaliação. É difícil uma mudança de concepção tão profundamente enraizada ao longo de suas vidas. É uma caminhada por estradas nunca antes exploradas, rumo ao desconhecido. É daí que surge toda essa resistência por parte dos professores. Mas é preciso explorar, buscar, pesquisar, conversar, discutir, tentar, criar, reelaborar, a fim sempre de promover uma prática adequada aos dicentes. Não é um trajeto fácil, pelo contrário, é um caminho árduo e, por vezes, até doloroso, porém, muito mais satisfatório e realizador, exatamente por estarmos certos de que, acima de técnicos ou profissionais, formaremos seres-humanos autônomos e dispostos a aprender cada vez mais, que saibam trabalhar em grupo e que tenham criatividade na resolução de problemas diversos, cidadãos capazes de conviver e refletir a respeito do mundo que os cerca de uma forma crítica e participativa.
Bibliografia
PIMENTA, S. G. e ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no Ensino Superior. São Paulo. Cortez, 2008.
SACRISTÁN, J. G. Plano do currículo, plano de ensino: o papel dos professores/as. In: SACRISTÁN, J. G. e PÉREZ, Gomes. Compreender e transformar o ensino. São Paulo. Artmed, 2000.
VEIGA, I. A. P. e CASTANHO, M. E. L. M. (org). Pedagogia Universitária – a aula em foco. Campinas, SP. Papirus, 2000.