O processo de uniformização da jurisprudência brasileira por meio da súmula vinculante e seu alcance normativo

Por Natalia Cardoso | 04/12/2016 | Direito

RESUMO   

Este trabalho propõe-se a fazer uma análise sobre o alcance normativo da súmula vinculante no âmbito dos Poderes Estatais, buscando compreender de início a sua organização e suas funções, identificando a sua forma de divisão como Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, além de expor as funções típicas e atípicas destes, dando ênfase ao Poder Judiciário, identificando a possibilidade de função normativa neste poder. Discute-se também sobre a Jurisprudência no Poder Judiciário a fim de identificar como ocorre sua funcionalidade para que possamos compreender como se dá a formação da súmula vinculante e no que esta consiste. Sendo assim, será feito uma abordagem acerca do quesito de hierarquia da súmula vinculante no ordenamento jurídico, para que possamos identificar se esta atua como um instrumento adequado para a uniformização da jurisprudência brasileira, analisando ainda a possibilidade de relação da súmula vinculante com uma norma legislativa, a fim de esclarecer se o Poder judiciário possui tal capacidade legal para validar a mesma como força análoga a de lei dentro do ordenamento jurídico. 

INTRODUÇÃO   

Este trabalho tem a finalidade de demonstrar como a súmula vinculante atua como forma de uniformização da Jurisprudência brasileira, seus requisitos e sua possível hierarquia no ordenamento jurídico. Para isto, elencamos os seguintes capítulos ao decorrer desta pesquisa, para que possamos trabalhar mais profundamente e expor nossas ideias acerca do presente tema.
Portanto, primeiramente buscaremos conhecer sobre a divisão dos poderes estatais para que possamos adentrar no quesito das funções típicas dos poderes, tais como, o Poder Legislativo, Poder Judiciário e o Poder Executivo, e, concomitantemente, entrando no mérito da discussão doutrinária sobre as funções atípicas de cada um destes poderes, dando ênfase ao Poder Judiciário, além de se ressaltar a questão da existência da possibilidade de função normativa atribuída a este poder.
Em seguida, no segundo capítulo buscaremos abordar a construção da Jurisprudência, analisando a sua existência e sua função no Poder Judiciário, estudando também a sua utilização concreta a fim de perceber se ela de fato tem alcançado os fins necessários, além de uma abordagem acerca de como se dá a criação da Jurisprudência no Poder Judiciário, elencando os requisitos mínimos necessários para que uma decisão judicial se constitua parte jurisprudencial e adquira função de jurisprudência.
Tendo em vista isto, estudaremos a natureza da súmula vinculante, expondo no que consiste e sua forma de aplicação dentro do âmbito do seu alcance normativo, ressaltando seus requisitos e a legitimidade para propor a edição da mesma, identificando se esta atua servindo como uniformização da jurisprudência brasileira, analisando ainda sua força normativa e os critérios para sua vinculação.
Contudo, no que diz respeito à hierarquia da súmula vinculante no ordenamento jurídico, buscaremos compreender a classificação normativa da súmula vinculante e sua validade no ordenamento jurídico, averiguando a possibilidade de relação da súmula vinculante com uma

norma legislativa a fim de esclarecer se as mesmas possuem tal hierarquia concomitantemente no ordenamento jurídico.
Somando-se a isto, apreciaremos a questão da intervenção ou não da unificação de determinado conteúdo jurisprudencial no âmbito da legislação do Poder Legislativo, buscando compreender através da interpretação da súmula vinculante, se o Poder judiciário possui tal capacidade legal para validar a mesma como força análoga a de lei.
Por fim, para concluir este trabalho, iremos expor nosso entendimento acerca do trabalho elaborado, sobre os capítulos apresentados do tema desta pesquisa. Desse modo, estarão presentes argumentos coerentes sobre o assunto discorrido, oriundos da nossa compreensão sobre o processo de uniformização da jurisprudência brasileira com embasamento na súmula vinculante, a fim de expor nossa opinião acerca da instituição desse procedimento e concomitantemente suas consequências.   

1 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES E SUAS FUNÇÕES.   

Partindo de uma análise acerca da concepção histórica da organização dos poderes, podemos relatar o pensamento aristotélico que constitui a base das primeiras concepções da teoria da separação dos poderes, como Bernardo Fernandes em sua obra “Direito Constitucional”, afirma que presumia a precisão de dissolver as funções administrativas da pólis (cidade-estado), em especial a necessária separação entre a administração do governo e a resolução dos litígios existentes na sociedade.  
Acrescentando-se a isso, com a evolução, “Montesquieu, sob inspiração de Locke, vislumbrou-se a necessidade de interconectar as funções estatais, a fim de manter a autonomia e independência que lhes são típicas, nascendo daí a famosa teoria dos freios e contrapesos (“checks and balances”)” (FERNANDES, 2012, p. 291).  
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Surgem então as funções estatais, o poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que efetuam suas funções típicas e consequentemente as funções atípicas, que fiscalizam e limitam a ação dos demais. Desta forma, cada órgão deve cumprir essencialmente com sua função, porém também devem atuar para impedir que os outros órgãos abusem da sua competência.
Evidenciando as funções típicas e atípicas do Poder Legislativo, a primeira se caracteriza como função de legislar, ou seja, produzir normas de conduta, e fiscalizar, enquanto a segunda possui natureza executiva (definir sua organização/administração), e natureza jurisdicional (julgamentos pelo Senado nos crimes de responsabilidade; no Poder Executivo, temos como função típica a chefia de Estado, Governo e administração pública (função administrativa), e como função atípica a natureza legislativa (p. ex. editar medidas provisórias com força de lei) e a natureza jurisdicional (exercício administrativo); por fim, temos o Poder Judiciário com a sua função típica de julgar (função jurisdicional) e como função atípica, a natureza legislativa (elaborar regimento interno de cada Tribunal) e natureza executiva (administração como ocorre nas razões da função atípica do Poder Legislativo).
O mecanismo de freios e contrapesos citado anteriormente, reúne os três poderes para administrar suas funções de forma equilibrada e autônoma, porém não soberanos, e que tem por ideal a essência da limitação no controle dos poderes, possibilitando a intervenção, ou seja, o poder controlando o próprio poder, assim como o próprio princípio da separação dos poderes garante que cada poder deve atuar no seu devido ramo de funcionalidade, como afirma o art. 2º da Constituição Federal de 1988: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativos, o Executivo e o Judiciário”.
Tendo em vista isso, o Poder Legislativo tem como função legislar, ou seja, produzir normas de conduta que estabeleçam a ordem social, entretanto, o Poder Judiciário com sua função jurisdicional que se aplica ao caso concreto, ou seja, realizar julgamentos, se constitui de suas jurisprudências, logo, devido a constantes temas que possuíam decisões de modo repetitivo em julgamentos pelo magistrado, o STF institui a chamada Súmula para “descongestionar os
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trabalhos de um Tribunal, simplificando e tornando mais célere o trabalho dos juízes na atividade jurisdicional.” 4.
Essa chamada Súmula, embora contribuísse como meio de informação e direcionamento a todos os juízes e advogados nas questões que lhes eram apresentadas com mais frequência sobre o mesmo tema, esta ainda não era dotada de força vinculante, ou seja, não continha conteúdo obrigacional.  
Com isto, o art. 103-A da Constituição Federal, que estabelece os requisitos para aprovação da súmula ser vinculante, instituiu força vinculante à Súmula a partir de sua publicação da imprensa oficial, em relação aos órgãos do “Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder á sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”, como afirma Bernardo Fernandes (FERNANDES, p. 954).
Contudo, a instituição da Súmula Vinculante levantou diversas controvérsias e discussões a respeito do seu conteúdo, pois, uma vez que o Poder Judiciário possui o condão de instaurar a Súmula Vinculante, ele estaria exercendo uma função legislativa, uma vez que a função de criar institutos com força vinculante é do Poder Legislativo, logo, como alguns autores defendem, estaria indo de encontro ao princípio da separação dos poderes, assim como também estaria violando a independência dos órgãos do Poder Judiciário.
Entretanto, há juristas que veem a defender a ideia de que a Súmula Vinculante, segundo Fernandes, possui o intuito de racionalizar, trazer maior certeza e previsibilidade às decisões do magistrado, aumentado à segurança jurídica e aplicando o principio da isonomia em decorrência da uniformização da atividade interpretativa, além de contribuir para respostas mais ágeis nos processos idênticos judiciais. Todavia, o quesito de natureza da súmula vinculante e sua hierarquia dentro do ordenamento jurídico, serão adentrados com maior intensidade nos próximos capítulos. 

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