O PROCEDIMENTO DA CASTRAÇÃO QUÍMICA FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DA IMPOSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DA CASTRAÇÃO QUÍMICA ENQUANTO MEDIDA PENAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Por José Enéas barreto de Vilhena Frazão | 04/11/2010 | Direito

O PROCEDIMENTO DA CASTRAÇÃO QUÍMICA FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DA IMPOSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DA CASTRAÇÃO QUÍMICA ENQUANTO MEDIDA PENAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão.

Sumário: Introdução; 1 Da dignidade da pessoa humana enquanto princípio constitucional basilar. Uma tentativa de conceituação; 1.1 Do conteúdo do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana; 1.2 Do princípio da dignidade da pessoa humana na esfera do Direito Penal; 2 Da castração em geral, da castração química, e suas implicações no organismo humano; 3 Das escolas criminológicas positivistas e sua forma de encarar o fenômeno social do crime e da superação do pensamento positivista criminológico; 4 Da imposição de limites constitucionais à castração química enquanto penalidade no ordenamento jurídico brasileiro; Conclusão; Referencial Bibliográfico.

Resumo
O presente desenvolvimento visa constituir uma análise teórica interdisciplinar, a saber, abarcando fundamentos de direito constitucional, de direito penal, e de criminologia crítica, tratando de tema bastante polêmico que diz respeito à aplicação da castração química enquanto medida penal, em especial no que diz respeito à punição de crimes sexuais como a pedofilia ou o estupro. Com base nos princípios constitucionais fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, tentar-se-á demonstrar a incompatibilidade da aplicação penal da castração química por representar uma afronta a estes princípios constitucionalmente postos em tutela. Como núcleo ético da carta constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana representa em verdade impedimento irremediável à aplicação da castração química, pois se faria lesado diante da intervenção estatal na esfera da integridade física e psíquica do indivíduo. Visando contrapor os fundamentos apresentados em prol da castração química, tentar-se-á demonstrar a impropriedade entre as características físico-biológicas dos indivíduos e a sua potencialidade criminosa, por meio de uma abordagem crítica dos fundamentos do positivismo criminológico, para então proceder à análise constitucional das vedações à aplicação penal da castração química.


Palavras ? chave
Castração química; Dignidade da pessoa humana; princípios constitucionais fundamentais; criminologia crítica.

Introdução.

Produzir sobre o tema de que aqui se trata é tarefa dentre as mais delicadas, por se tratar de questão extremamente polêmica. A castração química representa uma intervenção no organismo humano visando uma alteração hormonal, porém, pode vir a representar bem mais do que isso, na medida em que, em algumas hipóteses, acarretaria uma lesão grave ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
O ato de castrar representa o corte ou mesmo inutilização dos órgãos reprodutores. É um ato de mutilação sexual, que resulta na incapacidade do indivíduo para reproduzir-se sexualmente, e ainda suprime a produção pelo organismo de hormônios sexuais, que são a testosterona, no caso dos machos, e o estrogênio, no caso das fêmeas.
De um modo geral, o procedimento de castração é utilizado no combate a doenças como o câncer de testículo ou o câncer de ovário, quando não há formas outras de salvar estes órgãos, devendo-se então extraí-los, para impedir o avanço da moléstia. No entanto, o foco deste desenvolvimento volta-se à castração (química) enquanto medida penal, ou seja, à castração enquanto pena ao cometimento de determinado delito, em geral, crimes sexuais, como o estupro.
Alguns países já empregam a castração química como pena para os crimes relacionados com a sexualidade. Em verdade, já representa uma questão mundialmente discutida, já que alguns estados como a flórida e a Califórnia nos Estados Unidos da América já empregam este procedimento para os casos como os de criminosos pedófilos, e muitos defendem-no como medida viável no combate aos crimes sexuais.
É verdade que a castração enquanto medida punitiva já era empregada desde a antiguidade, pelos mais diversos motivos. A questão primordial deste breve esforço doutrinário ao qual dedicar-se-á algumas páginas não diz respeito à castração terapêutica ou às possíveis (questionáveis) vantagens que este procedimento (na modalidade castração química) poderia representar, como defendem alguns, no combate aos crimes sexuais, pela diminuição do libido, o que, teoricamente, consistiria em medida preventiva. Consistirá este nosso esforço em uma análise constitucional-penal do princípio da dignidade da pessoa humana enquanto fator impeditivo inafastável da aplicação penal da castração química ou em qualquer de suas modalidades, já que, enquanto princípio fundamental, núcleo ético da carta constitucional de 1988, é de observância obrigatória, incidente sobre todo o ordenamento jurídico, e, em especial, sobre o direito penal, por ser fatia do ordenamento jurídico onde tais questões maximizam-se, tornando-se especialmente relevantes, já que o direito penal encarrega-se da proteção dos bens jurídicos fundamentais.
Por trata-se de uma análise constitucional-penal, restringe-se a questões atinentes ao ordenamento jurídico pátrio. Não se estenderá a análises de direito comparado visto que desta forma poder-se-ia por demais alongar o tratamento do tema, fugindo ao foco teórico eleito. Como já foi colocado, em âmbito internacional a castração química é defendida em alguns países que reconhecem-lhe algum valor no combate aos crimes sexuais, porém, procuraremos construir aqui um posicionamento fundamentado de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, e, como primeiro passo para tal, procede-se a uma tentativa de conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, já que se faz necessário um perfeito entendimento deste princípio para compreensão da temática proposta.

1 Da dignidade da pessoa humana enquanto princípio constitucional basilar. Uma tentativa de conceituação.

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana constitui, sem qualquer dúvida, o pilar fundamental do estado democrático de direitos. Funciona como princípio estruturante da ordem constitucional . Tão notável é a sua relevância no ordenamento jurídico pátrio, que já se faz previsto no artigo primeiro da Carta Constitucional, sendo em verdade o valor central no qual se pauta toda a elaboração da Constituição Brasileira de 1988. Pela mera leitura do artigo primeiro, verifica-se que o constituinte procedeu de forma a deixar bem claro que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito , tendo como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Por se tratar do núcleo ético da Carta Constitucional, do princípio da dignidade da pessoa humana brotam todos os demais princípios constitucionais, que exercem papel norteador em todos os ramos do direito, e, em especial, no Direito Penal.
Por ser o princípio maior, sobre o qual fundamentou-se o Estado Democrático de Direitos, importante doutrina, como é o caso de Maria Berenice Dias o reconhece enquanto "macroprincípio", do qual brotam todos os demais princípios éticos . Sobre o mesmo tema, Alexandre de Morais considera que a dignidade da pessoa humana visa garantir unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas .
No Estado Democrático de direitos, todos os princípios regentes devem basear-se na dignidade da pessoa humana, sendo em verdade este o arcabouço jurídico fundamental. José Afonso da Silva considera a dignidade da pessoa humana enquanto valor supremo , que diz respeito ao conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.
No que diz respeito à dignidade da pessoa humana em âmbito penal, parece bastante evidente a incidência deste princípio fundamental neste ramo do direito. Jamais se poderia idealizar um Direito Penal garantista em descompasso com a dignidade da pessoa humana, o que nos leva a verificar que em um estado democrático de direitos, a função do Direito Penal consistiria em prestar máxima proteção aos bens jurídicos relevantes e postos em tutela, encarando-se um fato punível sob a ótica da tutela a estes bens jurídicos. Consistindo a dignidade da pessoa humana o fundamento principal do Estado Democrático de Direitos, uma das conseqüências em âmbito penal seria a incidência da sanção prevista pela norma somente em casos de concreta lesão ao bem jurídico posto em tutela.

1.1 Do conteúdo do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Aprofundando-nos um pouco mais na busca por uma adequada definição do princípio da dignidade da pessoa humana, buscaremos, a partir de agora entender o seu conteúdo fundamental. O constitucionalismo brasileiro sofreu, sem qualquer dúvida, forte influência germânica, e por isso, não permaneceu alheio ao tema da dignidade humana , celebrando-a enquanto princípio fundamental já no artigo primeiro da Carta Magna de 1988, como já foi comentado anteriormente.
O princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, encerra grande carga de abstração, e talvez por este motivo tenha-se tantas fontes doutrinárias conferindo-lhe tratamento de forma não tão uniforme, principalmente no que diz respeito ao seu conteúdo fundamental.
A dignidade da pessoa humana, no entanto, não poderia deixar de ser reconhecida enquanto prerrogativa de todo ser humano , que deve ser respeitado em sua individualidade e jamais ter sua integridade física maculada, não sendo desta forma prejudicada a sua existência. Pode-se dizer ainda que a dignidade da pessoa humana visa impedir a degradação do homem .
Para então, delimitação do conteúdo fundamental da dignidade da pessoa humana, entende-se que este princípio acarreta, primordialmente, a igualdade de direitos entre todos os homens, a garantia de independência e autonomia do ser humano, além da proteção de seus direitos fundamentais e da garantia de não submissão a situações degradantes.
Acredita-se que a este ponto já haja sido concedido o tratamento necessário à questão do princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que não haja mais qualquer deficiência no que diz respeito ao seu entendimento. O fundamental é que se guarde a idéia de dignidade da pessoa humana enquanto fundamento do Estado Democrático de Direitos, pois será este o fundamento que se busca para a não utilização penal da castração química devido à sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.

1.2 Do princípio da dignidade da pessoa humana na esfera do Direito Penal.

O princípio da dignidade da pessoa humana, por produzir efeitos incidentes sobre todo o ordenamento jurídico, também afeta diretamente o Direito Penal, e, tão intensamente como não se percebe em nenhum outro ramo do direito. Os demais princípios do direito penal, como o princípio da legalidade ou da reserva legal, o princípio da proibição da analogia in malam partem, o princípio da anterioridade da lei, da irretroatividade da lei penal, da intervenção mínima, da ofensividade, da proporcionalidade da pena, da igualdade, e todos os outros, direta ou indiretamente, são decorrentes da observância obrigatória da dignidade da pessoa humana dentro do ordenamento jurídico, em decorrência de seu status de princípio constitucional fundamental.
Há inclusive alguns doutrinadores, como é o caso de Damásio de Jesus, que elencam entre os princípios do direito penal o próprio princípio da humanidade, que nada mais é que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, decorrendo diretamente deste. Damásio conceitua o princípio da humanidade como sendo aquele segundo o qual:
O réu deve ser tratado como pessoa humana. A Const. Federal Brasileira reconhece esse princípio em vários dispositivos (arts. 1°, III, 5°,III, XLVI e XLVII). Deve ser observado antes do processo (art. 5° LXI, LXII, LXIII e LXIV), durante este (art. 5°, LIII, LIV, LV, LVI, E LVII), e na execução da pena (proibição de penas degradantes, cruéis, de trabalhos forçados, de banimento, e da sanção capital ? art. 5°, XLVII, XLVIII, XLIX e L) .

Como podemos observar, o mencionado doutrinador coloca que a dignidade da pessoa humana na esfera do direito penal acarreta conseqüências naquilo que diz respeito ao tratamento que deve ser conferido ao réu, antes, durante, e após o término do processo penal, com a aplicação da pena, resultando ainda na vedação de penas cruéis, perpétuas, ou capitais, como trataremos posteriormente.

2 Da castração em geral, da castração química, e suas implicações no organismo humano .

Como já comentamos, o ato de castrar é o mesmo que cortar ou inutilizar os órgãos reprodutores. Tem como sinônimos emascular, evirar, extrair os órgãos reprodutores. Representa uma mutilação sexual incapacitante e irreversível, visto que o indivíduo não mais estará apto a reproduzir-se sexualmente, impossibilitando ainda pelo organismo a produção de hormônios sexuais. Acarreta algumas conseqüências no organismo do indivíduo, podendo citar-se, entre as conseqüências causadas ao homem a queda de cabelo e a perda de massa muscular, dentre outros.
Uma das modalidades de castração largamente utilizadas na atualidade, por se tratar de método de planejamento familiar é a vasectomia, que consiste em uma espécie de castração masculina, por meio de intervenção cirúrgica, que, apesar de não representar uma mutilação no corpo do indivíduo que se submete ao procedimento, representa sim uma intervenção em sua integridade física. Consiste o procedimento em um corte, ou mesmo cauterização nos canais deferentes que levam o esperma dos testículos até a vesícula seminal, em uma breve intervenção cirúrgica com anestesia local, cuja recuperação é bastante rápida, mas na literatura médica apontam-se alguns resultados indesejáveis à saúde do indivíduo.
Em resumo, após a realização da vasectomia, a produção de esperma masculina continua exatamente a mesma, porém, devido à destruição da passagem anatômica natural, os espermatozóides permanecem represados, e passam a ser consumidos por células destruidoras do sistema imunológico, que os degenera e provoca a produção de antígenos, que são substâncias desconhecidas para o organismo, e que provocam a produção de mais anticorpos, que passam a atacar os espermatozóides, por desconhecê-los. Isso da origem a uma espécie de defesa contra as células que o organismo produz naturalmente (os espermatozóides), um grave problema, pois o corpo se torna alérgico a si próprio. Essa situação pode gerar gravames às arterioscleroses, segundo demonstram algumas pesquisas médicas. Há ainda as conseqüências psicológicas observadas em pacientes que realizaram o procedimento em questão, que em muitos casos apresentaram desvios de personalidade. Por se tratar de um procedimento praticamente irreversível, pois a experiência demonstra que somente certa de 30% dos pacientes conseguem ter êxito completo na restauração das funções perdidas com a operação, de certo este fato provoca certas conseqüências psicológicas àqueles que se vêem arrependidos.
Alguns psicólogos enxergam a castração como uma medida de conseqüências sociais indesejáveis, pelo fato do ser humano passar a enxergar o seu corpo como uma máquina que pode ser ligada e desligada de acordo com as suas vontades, ou quando uma de suas funções já não se faz mais necessária. Como se percebe, a castração de fato pode acarretar diversas conseqüências tanto físicas quanto psicológicas ao ser humano, do que se considera a possibilidade de sua aplicação penal uma absurda lesão à dignidade humana. Além das conseqüências já mencionadas, a vasectomia enquanto forma de castração voluntária acarreta ainda hematomas (acumulações de sangue) no escroto, doenças como a epididimite , e até, em casos mais graves, a impotência. Lembramos que a vasectomia é uma forma de castração humana realizada voluntariamente, por aqueles que a utilizam como forma de planejamento familiar. Trata-se aqui de suas conseqüências como uma forma de tentar demonstrar os malefícios da castração de forma geral.
No que tange à castração química, nesta não há extração ou mutilação dos órgãos reprodutores, nem qualquer intervenção cirúrgica, mas sim a aplicação de hormônios femininos visando à diminuição no nível de testosterona do criminoso sexual. Enquanto pena aplicada ao transgressor, atinge a sua integridade física, o seu corpo, de forma cruel e por demais desumana, incompatível com a ordem constitucional brasileira vigente.
O emprego de tal medida penal busca justificação no fato de várias pesquisas já realizadas apontarem que a presença de testosterona em níveis mais elevados estaria invariavelmente ligada ao cometimento de crimes. Estas mesmas pesquisas apontariam que crimes como o homicídio seriam cometidos em sua maior parte por homens jovens, e que criminosos pedófilos conscientes de sua condição, requisitaram voluntariamente a sua castração química.
No entanto, não parece humanamente aceitável a aplicação penal da castração química, visto consistir em uma incursão estatal nos direitos fundamentais garantidos a todo e qualquer ser humano, no que diz respeito à sua integridade física, moral, e também psicológica. Pesquisas como estas utilizadas para justificar a castração química levam em consideração somente os aspectos biológicos, excluindo fatores psicológicos, culturais e educacionais, sendo estes primeiros, sem qualquer dúvida, os mais relevantes, e além destes, é claro, deve-se levar em consideração o livre-arbítrio do criminoso, já que por mais que possua um libido exagerado, o indivíduo tem condições de entender que suas condutas são ilícitas, e socialmente condenáveis, e além disto, se tem conhecimento de criminosos que, apesar de sofrerem de impotência, cometeram crimes sexuais.
O fato de tentar associar o cometimento de crimes à faixa etária do criminoso ou às suas condições orgânicas de qualquer natureza mais parece uma tentativa já de muito ultrapassada, característica das escolas criminológicas positivistas, que em muito contribuíram para a seletividade do sistema penal que é notória, afinal, ninguém seria capaz de negar que nos cárceres verificamos bem mais negros, analfabetos e indivíduos provenientes das camadas mais humildes da sociedade. Por este motivo, não se deverá atribuir grande valor a qualquer tentativa científica de associação de características biológicas a um agir criminoso, sob a pena de cometimento de irremediáveis injustiças.
Com a finalidade de promover o afastamento definitivo de qualquer tentativa de justificação da castração química por meio de pesquisas de características orgânicas, que visem traçar um perfil biológico do criminoso, trataremos em seguida das escolas criminológicas positivistas, tentando demonstrar a sua impropriedade.

3 Das escolas criminológicas positivistas e sua forma de encarar o fenômeno social do crime e da superação do pensamento positivista criminológico.

Podemos afirmar, com Alessandro Baratta, em seu livro Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal acerca das escolas positivistas de criminologia que:
A novidade de sua maneira de enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal a esta era construída pela pretensa possibilidade de individualizar sinais antropológicos da criminalidade e de observar os indivíduos assim assinalados, em zonas rigidamente circunscritas dentro do âmbito do universo social

Baratta coloca ainda que, com as escolas positivistas, temos o débito relativo ao fato de terem criado a nova disciplina por nós conhecida como Criminologia, e a esta, em seu estágio inicial, atrelada ao positivismo, teria por função específica, a de individualizar as causas que seriam determinantes à conduta criminosa.
A criminologia positivista, portanto, marco inicial da disciplina criminológica seria caracterizada por teorias baseadas nas características físicas, na morfologia do indivíduo, além de suas peculiaridades psicológicas, formulando, portanto, teorias patológicas da criminalidade.
Um dos principais expoentes da escola criminológica positivista, sem qualquer dúvida, foi o médico e cientista italiano Cesare Lombroso (1835-1909), que buscou associar as características individuais com a potencialidade criminosa. Em suas pesquisas, comparou desde os crânios de criminosos com os de "homens e mulheres de bem", a presença de tatuagens em criminosos, a sensibilidade afetiva, o uso de gírias na fala, a religiosidade dos criminosos (constatou que nem todos eram ateus) dentre outros fatores analisados que seriam determinantes à prática de crimes. Selecionamos um trecho de seu livro O Homem Delinqüente , no qual este trata da tatuagem, associando o hábito de tatuar-se com a potencialidade criminosa:
A estatística nos deu um máximo de 40%, e um mínimo de 6%, nada melhor para provar como o hábito está difundido entre os criminosos, mesmo em comparação ao exercício onde é sobretudo observado [...] Com efeito, 4 dentre 162 delinqüentes testemunharam em suas tatuagens espírito violento, vingador, levado a atos desesperados

Pode-se notar também concepções positivistas com relação à criminologia na obra do insígne jurista cearense Clóvis Beviláqua, que, em Criminologia e Direito, procurou estabelecer uma "distribuição geográphica" dos crimes, além de uma relação entre o crime e o tempo, assim como entre o crime e a população, como dizia o próprio Beviláqua "Se é vantajoso e interessante acompanhar a marcha do crime através dos tempos, não é menos certamente conhecer como ele se adapta ao meio e como se distribui pelo território de um país dado".
Ainda como exemplo de positivista criminal temos Enrico Ferri, que afirmava a influência do meio em que se encontrava inserido o criminoso na construção de sua personalidade criminosa. FERRI, dividiu os criminosos em cinco categorias; os criminosos natos (aos moldes da teoria de Lombroso), os loucos (deficientes mentais), os criminosos habituais, os ocasionais, e os passionais (que seriam homens honestos de temperamento "nervoso").
Com esta visão geral do positivismo criminológico, percebemos o quanto estas teorias poderiam ser nocivas, perigosas, como nos coloca o especialista em teoria e pesquisa antropológica, Roque de Barros Laraia:
O preço destes tipos de explicações é que facilmente associam-se com tipos de discriminações raciais e sociais. Assim, até mesmo o sucesso empresarial passa a ser explicado como uma forma de determinação genética e é ilustrado com a enumeração da diferentes dinastias industriais ou empresariais.

A tentativa de associação de características do indivíduo com a sua capacidade para o cometimento de crimes, (ou outras capacidades) como nos coloca Laraia é de fato perigosa, por facilmente se associar a discriminações raciais e sociais, acabando por se incorporar ao senso comum, o que leva a sociedade a voltar-se contra os indivíduos que correspondem às imagens que povoam nossos pesadelos, (Homens maltrapilhos, miseráveis, maldosos, assassinos, cadavéricos) ou seja, indivíduos estereotipados aos moldes da teoria do etiquetamento de Howard Becker, contribuindo ainda para a construção do discurso oficial do direito penal, da ideologia da defesa social, marcante na obra de Aníbal Bruno, jurista brasileiro, médico e filósofo, que em Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança, afirmava; "As realidades centrais da ciência criminal moderna (a seu tempo, vale lembrar) são o homem perigoso que ameaça e que fere e a sociedade que se defende"
Perceptível se torna a influência das teorias positivistas no senso comum e na construção de um "modelo" de homem (o criminoso) que deve ser temido e socialmente combatido. Sabendo que o sistema penal é operado por indivíduos inseridos nestas sociedades segregadoras e visivelmente influenciadas por tais teorias às quais nos referimos, fica óbvia a origem sócio-cultural da seletividade penal. O sistema assim opera pelas influências dos pensamentos e teorias criminológicas positivistas no pensar, e portanto no agir, dos seus operadores.
Com a constatação da impropriedade das explicações positivistas ao fenômeno criminológico, como se poderia atribuir qualquer credibilidade aos posicionamentos em prol da castração química que tentam associar características biológicas à potencialidade criminosa? Como pode-se perceber, nem sempre o cometimento de um crime pode ser associado a um fator meramente orgânico, pois fatores psico-sociais também influenciam fortemente a ação criminosa, além da autodeterminação do sujeito e suas motivações pessoais. Além disto, a associação de características físico-orgânicas à capacidade de cometimento de crimes é de fato perigosa, como já foi colocado, por dar origem a descriminações sociais e raciais.
Voltando-nos então à questão constitucional, procede-se à análise das vedações constitucionais à aplicação penal da castração química no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana.

4 Da imposição de limites constitucionais à castração química enquanto penalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

A questão primordial à qual nos voltamos com o desenvolvimento deste trabalho diz respeito exatamente à impossibilidade constitucional do emprego da castração química enquanto sanção penal imputável em decorrência de certos delitos, mais especificamente falando, delitos sexuais, como os já citados estupro e pedofilia.
Acredita-se não ser necessário destacar que a castração física é manifestamente inconstitucional (no que diz respeito à possibilidade de sua aplicação enquanto sanção penal), visto constituir mutilação incapacitante permanente, extremamente lesiva à dignidade da pessoa humana, que envolve, dentre outras questões, a não submissão a situações degradantes, e o respeito à individualidade e à integridade física, que sofreria dano irreversível com a mutilação dos órgãos sexuais.
Além disto, por tratar-se de intervenção física de caráter permanente, jamais poderia ser empregada em decorrência da vedação constitucional das penas de caráter perpétuo. Segundo a Carta Magna, as penas de caráter perpétuo se fazem banidas de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Tratando do tema, importantes são os comentários de Rogério Greco, quando coloca:
Como se percebe, a proibição de tais penas atende a um dos fundamentos de nosso estado democrático de direito, previsto no inciso III do art. 1° da Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana. [...] Muito tem se discutido ultimamente quanto à possibilidade de serem implementadas no Brasil as penas de morte e de caráter perpétuo. [...] Independentemente da discussão que se possa travar a respeito desse assunto, cabe-nos, nesta oportunidade, mencionar apenas sobre a sua viabilidade ou não, considerando os termos do inciso XLVII do art. 5º, que as proíbe expressamente, salvo nos casos por ela própria excepcionados. De acordo com o art. 60, §4°, IV, da Constituição Federal, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Ora, as vedações das penas de morte e de caráter perpétuo se encontram no Capítulo I do Título II das Constituição da República, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Assim, logo não poderia, em caso de reforma da Constituição Federal, sequer ser objeto de deliberação a proposta de emenda que tivesse a finalidade de trazê-las para o nosso ordenamento jurídico-penal.


No mesmo sentido, concorda Damásio de Jesus, no que diz respeito à vedação constitucional das penas, degradantes, cruéis, dentre outros .
As penalidades perpétuas de certo não trazem efeitos positivos à sociedade ou aos condenados, pelo contrário, a pena perpétua em verdade gera ociosidade do condenado, dificultando também a sua reinserção social . O retorno ao convívio social é de fundamental importância à recuperação do condenado, fato pelo qual são admitidas no ordenamento brasileiro somente as penas de caráter temporário.
No Código Penal Brasileiro, vale frisar, de acordo com a norma do artigo 75, o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos, em decorrência do princípio da vedação das penas de caráter perpétuo.
Naquilo que diz respeito, por sua vez, à castração química, também esta não encontra fundamento na ordem constitucional. Há interferência na integridade física do condenado, visto que o tratamento hormonal pode sim acarretar distúrbios no organismo humano, e portanto, fica evidenciada a agressão à dignidade da pessoa humana. A pena que atingir o corpo do condenado deve ser sempre tida como cruel, e, portanto, inconstitucional.
A Constituição Federal de 1988, ao tutelar a dignidade da pessoa humana no artigo primeiro, inciso terceiro, e ai vedar a prática de tortura, proíbe em conseqüência quaisquer penalidades demasiadamente cruéis, que tragam sofrimento em grandes proporções ao apenado.
Tem-se ainda, no artigo quinto da carta constitucional, no seu inciso LXIX, que será assegurado ao preso a sua integridade física e moral. Não há então que se duvidar da inconstitucionalidade da castração química em nosso ordenamento jurídico enquanto penalidade pelo cometimento de qualquer delito, seja ele de natureza sexual ou qualquer outra.
De modo algum a constituição federal impede a imposição de penalidades aos transgressores e delinqüentes, exigindo somente que a dignidade da pessoa humana seja sempre levada em consideração naquilo que diz respeito à aplicação de tais penalidades, que a dignidade humana jamais seja afastada destas questões pois à elas é primordial.
A dignidade da pessoa humana enquanto princípio fundamental do estado democrático de direitos afasta a imposição estatal das penas cruéis ou desumanas, por maior que haja sido a comoção social decorrente do fato criminoso.
Pode-se afirmar que os princípios constitucionais fundamentais constituem o limite teórico mais eficiente ao jus puniendi estatal, vedando quaisquer penas abusivas e lesivas à dignidade humana. De outro modo, não haveria outra alternativa senão aquela de concordar com Louk Hulsman em Penas Perdidas , quando este afirma que "O sistema penal é especificamente concebido para fazer o mal" . Ora, um sistema penal cujo funcionamento não se dê pautado no princípio da dignidade da pessoa humana, em verdade, só poderia ser concebido realmente para reproduzir a violência, para "fazer o mal".
Então, conclui-se pela inconstitucionalidade da castração química como medida penal, diante de sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio, em especial com os princípios e disposições constitucionais, por ser agressiva ao princípio constitucional nuclear da dignidade da pessoa humana.
A punição ao transgressor jamais deve ofender a dignidade intrínseca a todo ser humano, pois aquele que comete um crime, por mais desumano que possa ser considerado, nunca abandona a condição humana, devendo ser-lhe aplicada a pena mais adequada à sua recuperação, visando a sua reinserção no seio da sociedade de forma efetiva e plena, por mais que alguns atribuam certo descrédito a esta posição, fundamentando-se na maioria das vezes no mero senso comum.

Conclusão.

Como já foi dito no início deste desenvolvimento, a castração química consiste em tema dos mais delicados que se encontram em discussão no meio jurídico na atualidade.
O debate sobre o tema jamais deve ser tomado por paixões típicas da massa popular e leiga, que em geral atribuem (não desmerecidamente) aos crimes sexuais altíssimo grau de reprovabilidade. O que se deve garantir é que desta discussão jamais sejam afastados o valores constitucionais, já que nenhuma discussão jurídica poderia se abster de levar em conta os pilares fundamentais do ordenamento jurídico, que são, como sabemos, os princípios e normas constitucionais.
A dignidade da pessoa humana deve ser sempre o parâmetro principal na aplicação das penas para que sejam evitadas crueldades absurdas. Não devemos esquecer que a pena tem como função primordial recapacitar o indivíduo de forma que ele torne-se apto ao convívio social, e não de reproduzir a violência em uma sociedade que dela já está farta.

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