O PROBLEMA HUMANITÁRIO DOS APÁTRIDAS

Por NATÁLIA GIMER PAULINO DE SOUSA | 07/05/2016 | Direito

O PROBLEMA HUMÁNITÁRIO DOS APÁTRIDAS

 

Natália Gimer Paulino de Sousa[1]

Graduanda em Direito – PUC MINAS

 

Resumo: O conceito de nacionalidade é definido pela melhor doutrina como sendo o vínculo jurídico que liga um Estado a um indivíduo. Cada Estado Soberano fixa as regras para aquisição de nacionalidade. Contudo, longe do conhecimento das grandes massas, existem atualmente milhões de pessoas “sem pátria”, pessoas que não são consideradas como nacional por nenhum Estado, que se encontram vivendo sem proteção e sem a garantia de direitos civis e políticos. Apresentamos neste trabalho os principais pontos no que tange a aquisição de nacionalidade, a diferença entre nacionalidade e cidadania, bem como trataremos em linhas gerais sobre o problema humanitário dos apátridas.

 

Palavras-chave: Nacionalidade; Nacionalidade e Cidadania; Apátrida; ONU;  Direitos Humanos.

Sumário: Introdução - 1. Conceito de Nacionalidade – 2.1 Nacionalidade e Cidadania – 3. Nacionalidade Originária e Adquirida – 4. O problema Humanitário dos Apátridas - Conclusão - Referências.

 

 

INTRODUÇÃO

O direito a nacionalidade está consagrado no artigo XV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, constituindo, portanto em um reconhecido instituto humanitário. O conceito típico de nacionalidade consiste no vinculo legal entre um Estado e um indivíduo. 

 Há duas modalidades de nacionalidade, consistente na originária que é aquela que o indivíduo adquiri ao nascer e, se da por meio de dois critérios o Ius Soli, Ius Sanguinis ou ainda de qualquer relação tida pelo Estado como suficiente para se atribuir nacionalidade; ou a aquela adquirida em decorrência de naturalização, chamada de adquirida ou secundária.

Contudo, este trabalho acadêmico visa demonstrar que, embora haja regras bem definidas sobre aquisição de nacionalidade, atualmente, existem milhões de pessoas espalhadas pelo mundo que não são consideradas como nacional por nenhum Estado, o que lhes geram grandes prejuízos, pois a nacionalidade garante a participação na sociedade, além de ser necessária para usufruir de direitos, notadamente, aos que tange aos direitos humanos.

1 conceito de nacionalidade

A nacionalidade é geralmente definida como o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, ou, em outras palavras, o elo entre a pessoa física e um determinado Estado. (DOLINGER, 2014, p.43).

Podem ser extraídas duas dimensões do conceito de nacionalidade, a dimensão vertical e horizontal. Nas palavras de Valerio de Oliveira Mazzuoli (2014):

A vertical, que liga o indivíduo ao Estado a que pertence (dimensão jurídico- política); e  horizontal, que faz desse indivíduo um dos elementos que compõem a dimensão pessoal do Estado, integrando-o ao elemento povo (dimensão sociológica). Daí poder-se dizer que o objeto do direito da nacionalidade é a determinação dos indivíduos que pertencem ao Estado e que à sua autoridade se submetem. Enfim, a nacionalidade é o estado de dependência (originária ou derivado) de um indivíduo a uma determinada comunidade politicamente organizada. (MAZZUOLI, 2014, p.721/722).

            Etimologicamente, a expressão nacionalidade deriva de Natio que se refere ao nascimento. Assim, a nacionalidade está entrelaçada a questões relacionadas com o nascimento, em que pese haver, atualmente, forte tendência para uma nova teoria que prega, por sua vez, que a pessoa teria o direito de escolher a sua nacionalidade por fatores ligados ao sentimento de pertencimento àquela nação.

A nacionalidade tem elementos objetivos e subjetivos. O elemento objetivo é o fato de preencher requisitos para se adquirir a nacionalidade, são elementos constitutivos e cada país traça os elementos objetivos para que a pessoa seja nacional. No que tange aos elementos subjetivos, trata-se do sentimento pessoal de pertencimento é o elemento psicológico de viver e pertencer a um determinado grupo.

A natureza jurídica da nacionalidade pode ser vertical ou horizontal. A vertical liga o indivíduo ao Estado submetendo-o a sua jurisdição, enquanto que a horizontal coloca o indivíduo como um elemento que compõe o Estado, estando estes em paridade jurídica.

1.1  Nacionalidade e Cidadania

 

Relevante distinguirmos os conceitos de nacionalidade e cidadania, uma vez que estes dois conceitos são objetos de muitas confusões. Nas palavras de Valerio de Oliveira Mazzuoli (2014):

Pode considerar a nacionalidade como sendo o elo jurídico-político que liga o indivíduo a determinado Estado e a cidadania como condição de exercício dos direitos constitucionalmente assegurados, que não se limita à mera atividade eleitoral ou ao voto, compreendendo também uma gama muito mais abrangente de direitos – por sua vez, oponíveis à ação dos poderes públicos – e, também, deveres para toda a sociedade. A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de participação dos indivíduos na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito de seu Estado, alcançados, em igualdade de direitos e dignidade pela construção da convivência coletiva, com base num sentimento ético comum, capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lhes o acesso ao público. São atos que comprovam o exercício da cidadania o desempenho de funções públicas, de atividades comerciais ou empresariais, o exercício do voto, a participação na vida pública ou da sociedade civil etc. (MAZZUOLI, 2014, p.728/729).

A Constituição de 1988 também opera a referida distinção, ao passo que dedica um capítulo a “nacionalidade” e outro aos “direitos políticos”.

Nestes termos, verifica-se que a cidadania pressupõe a nacionalidade, pois para ser titular de direitos políticos, primeiramente há de ser nacional, enquanto que o nacional nem sempre será cidadão, por exemplo, deixa de ser cidadão o nacional que perde ou tem seus direitos políticos suspensos (art.15, CF/88).

2 NACIONALIDADE originária e ADQUIRIDA

A nacionalidade originária é aquele que o indivíduo adquiri ao nascer e se da pelos critérios do Ius Soli, Ius Sanguinis ou ainda de qualquer relação tida pelo Estado como suficiente para se atribuir nacionalidade.

O Ius Soli, decorre do direito do solo, é o vinculo que liga o sujeito ao solo que ele nasceu. Por outro lado, o Ius Sanguinis a nacionalidade é determinada pela filiação. E, em uma crescente evolução, temos o critério misto, quando o país adota os dois critérios de aquisição originária de nacionalidade.

Nas palavras de Jacob Dolinger (2014):

O ius soli – aquisição de nacionalidade do país onde se nasce – e o ius sanguinis – aquisição de nacionalidade dos pais à época do nascimento -, e que às vezes são observadas concomitantemente, em critério eclético, ocorrendo também a hipótese do ius sanguinis combinado com elemento funcional, quando trata de filho de pessoas a serviço do país n exterior e do ius sanguinis combinado com residência no país e opção pela nacionalidade do pais, ambas combinações previstas na legislação constitucional brasileira. (DOLINGER, 2014, p.47).

Lado outro, a nacionalidade adquirida (secundária ou de eleição) ocorre por via de naturalização. Nas palavras de Valerio de Oliveira Mazzuoli (2014):

A segunda, que se verifica sempre após o nascimento, se obtém mediante naturalização – voluntária ou, em outros tempos, imposta e, em alguns países, pelo casamento. Atualmente, a nacionalidade que se obtém mediante naturalização depende de um ato de vontade do indivíduo, que a adquire livremente no decorrer de sua vida, não podendo ser imposta pelo Estado. Este apenas a aceita e a concede, de acordo com o seu direito interno, em substituição da nacionalidade de origem (MAZZUOLI, 2014, p.730).

Ressalta-se que excluem da atribuição da nacionalidade jus soli os filhos de agentes de Estado Estrangeiro (como diplomatas, cônsules, chefes de missão diplomáticas etc) por entender-se que tais indivíduos estão mais intimamente ligados à nacionalidade de seus pais e à sua respectiva função pública. ((MAZZUOLI, 2014, p.731).

Contudo, em que pese haver regras sobre nacionalidade originária, há pessoas que não são consideradas por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional, são os denominados apátridas, que será o objeto de estudo no tópico a seguir.

3 O PROBLEMA HUMANITÁRIO DOS APÁTRIDAS

A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, celebrada em Nova York, em 28 de setembro de 1954 reconhece a condição jurídica internacional de apátrida. O Artigo 1º estabelece a definição do termo apátrida pela lei internacional como “toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional”.

Nas palavras de Valerio de Oliveira Mazzuoli (2014):

Não obstante as regras sobre nacionalidade originária estarem bem delineadas, o antagonismo existente na aplicação de um ou outro critério – jus soli e jus sanguinis – faz com que surjam inúmeros conflitos de leis, dando ensejo aos casos em que o indivíduo nasce (1) sem nacionalidade alguma ou (2) com mais de uma nacionalidade. (MAZZUOLI, 2014, p.731).

Segundo extraído do sitio eletrônico da Agência da ONU para refugiados “a apatridia ocorre por uma variedade de razões incluindo discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em incluir todos os residentes do país no corpo de cidadãos quando o Estado se torna independente (sucessão de Estados) e conflitos de leis entre Estados”.

Apesar do reconhecimento internacional da importância do direito a uma nacionalidade, novos casos de apatridia continuam a surgir. Assim, devido ao problema enfrentado pelas pessoas sem nacionalidade, em 1954 a ONU adotou a Convenção Sobre o Estatuto dos Apátridas, que estabelece formalmente a condição jurídica internacional de apátrida, abordando muitos aspectos práticos relacionados à proteção dos apátridas.

O princípio fundamental da convenção é que nenhum apátrida deve ser tratado de maneira inferior a qualquer estrangeiro que possua uma nacionalidade. Além disso, a Convenção reconhece que os apátridas são mais vulneráveis que outros estrangeiros. Portanto, prevê uma série de medidas especiais para os mesmos.

A condição de apátrida é uma condição desumana que influência em todos os aspectos da vida do indivíduo, além de não participar da vida política de um Estado, eles encontram dificuldades de se matricular em escolas, conseguir atendimento médico, trabalhar legalmente, casar, viajar ou até mesmo ter um nome oficial, ou seja, vivem as margens da Lei sem qualquer proteção estatal.

Relevante mencionar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu artigo XV que “todo ser humano tem direito a uma nacionalidade”, reconhecendo assim a importância jurídica e prática garantida pela nacionalidade para o gozo dos direitos humanos.

Destarte, é o direito de todo ser humano ter uma nacionalidade reconhecida, a fim de se tornar cidadão e exercer plenamente seus direitos civis e políticos. Na falta de uma nacionalidade, os indivíduos devem buscar a proteção de um dos países que ratificaram a Convenção de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas, da qual o Brasil é parte, a fim de obter uma identidade legal que lhes permita gozar plenamente todos os seus direitos.

 

4 CONCLUSÃO

Ante o exposto, verifica-se que não obstante ao fato de haver regras bem definidas sobre nacionalidade originária, há pessoas que não possuem vínculo de nacionalidade com qualquer Estado, seja porque a legislação interna não os reconhece como nacional, seja porque não há um consenso sobre qual Estado deve reconhecer a cidadania dessas pessoas.

Não se pode olvidar que a nacionalidade é mais do que um vínculo jurídico e político entre o indivíduo e o seu país, significa um vínculo cultural, afetivo, social, e histórico que permite que direitos e garantias, como a dignidade e a cidadania, sejam verdadeiramente exercidos.  Ressalta-se que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em seu artigo 15, reconhece como direito fundamental do homem o direito a uma nacionalidade. Destarte, a nacionalidade significa o pertencimento a uma nação é a complementação da identidade cultural do ser humano.

Nesta perspectiva a convenção de 1954 representa um importante instrumento normativo em âmbito internacional para afastar a incidência de apatridia, fixando normas gerais que permite que os apátridas vivam com dignidade e segurança.

Assim sendo, é fundamental a adesão dos Governos a Convenção de 1954, a fim de propiciar que todas as pessoas tenham nacionalidade, objetivando, assim, a eliminação total das pessoas na condição desumana de apátrida.

 

REFERÊNCIAS

ACNUR. Apátridas: Protegendo o direito dos apátridas. Disponível em: <http://www.acnur.org /t3/portugues/a-quem-ajudamos/apatridas/> acesso 07 de maio de 2016;

ACNUR, Nacionalidade e Apatridia, Manual para parlamentares 2012. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Apatridia_-_ACNUR_2012 pdf> Acesso em: 07 de maio de 2016

CORRÊA, Maxilene Soares; OLIVEIRA, Raphael de Almeida Lôbo. Apátridas no Brasil e no mundoRevista Jus Navigandi, Teresina, ano 17,n. 34456 dez. Apátridas no Brasil e no mundoRevista Jus Navigandi, Teresina, ano 17,n. 34456 dez. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23175>. Acesso em: 7 maio 2016.

 

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU, 1948. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf > Acesso em: 07 de maio de 2016

MAZZUOLI, VALERIO DE OLIVEIRA. Direito Internacional Privado. 8. ed. rv., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

DOLINGER, JACOB. Direito Internacional Privado: parte geral. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.



[1] Graduanda do curso de Direito – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

natalia.guimaraes1102@gmail.com