O problema da justiça em seu aspecto sociopolítico: as variáveis da justiça.

Por MARIANA NOGUEIRA DOS SANTOS CERQUEIRA | 14/02/2015 | Direito

O problema da justiça em seu aspecto sociopolítico: as variáveis da justiça.

 


Júlio Cesar Costa Ferreira Neto

Mariana Nogueira dos Santos Cerqueira ¹

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Justiça segundo Sócrates; 2 Princípio da Justiça em Platão; 3 Aristóteles e sua doutrina acerca da justiça;
4 Immanuel Kant e a justiça;  Considerações Finais; Referências.

RESUMO:

Este trabalho visa esclarecer as determinadas concepções sobre justiça, e o que gira em sua volta, na visão de diferentes filósofos em diferentes épocas. A justiça e o direito são saberes que experimentaram influência mútua na Grécia Antiga e Roma, a qual foi decisiva para a constituição e o desenvolvimento de ambos. A primeira noção fundamental de justiça veio como resultado da visão de Sócrates e do seu discípulo Platão, seguida por várias concepções de vários outros filósofos como Aristóteles e Kant. Todo esse apanhado de idéias sobre justiça proporcionaram um grande impulso para a consolidação da justiça que conhecemos atualmente.

 

Palavras-chaves: Justiça; Direito; Filósofos;

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¹ Alunos do 2º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Dom Bosco.

 

INTRODUÇÃO           

Observa-se que ao longo da história, o homem tem buscado um equilíbrio em suas relações e tenta ao máximo, portar-se mediante as regras de comportamento social. Há muitos valores coexistindo em nosso mundo real e um desses valores, é a Justiça. Os gregos deram à justiça um sentido ético e formal, enquanto os romanos deram um sentido jurídico e material e o Direito, segundo filósofos e juristas, é o meio para que haja a realização da Justiça, que é a meta de nossa ordem jurídica.

Objetiva-se demonstrar a relação que há entre o Direito e o valor humano estudado entre os filósofos mais renomados como Sócrates, Platão, Aristóteles e Immanuel Kant, que é a Justiça, base de nossa sociedade, virtude total e essência que deve sempre ser procurada para levar-nos ao bem viver social.

1 JUSTIÇA SEGUNDO SÓCRATES

Sócrates foi deu início à filosofia moral e suas contribuições éticas inspiraram uma corrente de pensamentos antagonista aos sofistas e à cosmologia filosófica dos pré-socráticos. Enquanto os sofistas eram pautados no relativismo das coisas, Sócrates vai além desse relativismo, completa e supera a sofística, provocando uma ruptura com a tradição grega predominante.

            Para esse filósofo, o conhecimento está no interior do homem e o homem, conhecendo a si mesmo, conheceria melhor o mundo. Observa-se que o ensinamento socrático remete ao conhecimento e à felicidade. Para ele, ética é conhecimento e a felicidade, busca de toda a ética, não condiz com a posse de bens materiais, conforto ou boa situação do homem, condiz com o que é querido pelos deuses.

            Ter verdadeira virtude seria controlar as paixões e conduzir as forças humanas para a realização do saber, pois só assim, o homem chegaria à felicidade. Para Sócrates, a única forma do homem saber julgar acerca do bem e do mal seria através do conhecimento, que é a verdadeira sabedoria e discernimento.

De acordo com TOVAR (1947, P. 319) no livro Vida de Sócrates:

Para Sócrates, o respeito às normas vigentes, a vinculação do filósofo com a busca da verdade, o engajamento do cidadão nos interesses da sociedade, entre outros ensinamentos, aparecem como postulados perenes de seu pensamento, que haveriam de golpear fatalmente o relativismo e lançar os germens de novos sistemas filosóficos, como o platônico, o aristotélico e o estóico.

No que diz respeito à justiça, Eduardo Bittar em seu livro Filosofia do Direito, em um capítulo dedicado a Sócrates, deixa claro que a ética socrática não se aferra somente à lei e ao respeito dos deveres humanos, mas transcende a isso. Isto é, é uma ética ligada ao porvir.

Para Sócrates, a verdade, a virtude e a justiça devem ser buscadas visando a um fim maior, ao post mortem, pois a morte é apenas uma passagem, uma emigração. A vida não seria o começo e a morte não seria o fim de tudo. São apenas partes de um trajeto contínuo que ensina quais os valores são certos ou errados.

O que faz o homem agir de acordo com a lei é a certeza socrática quanto a esse porvir e para ele, a lei é fruto do artifício humano e não da natureza e deve-se obedecê-la irrestritamente. Elas devem sempre ser obedecidas, por mais que elas possam ser justas ou injustas e o Direito, sendo um instrumento de coesão social, que visa à realização do Bem Comum e o desenvolvimento das potencialidades humanas, só é alcançado por meio do cultivo da virtude.

Mais uma vez, retomando o pensamento sofístico, enquanto eles falavam das leis variáveis no tempo e espaço, Sócrates dizia que as leis das cidades eram inderrogáveis pelo arbítrio da vontade humana, era um liame indissociável entre indivíduo e sociedade.

Sócrates foi um crítico do regime democrático, incomodava sempre por dizer a verdade, considerado por muitos como perigoso e revolucionário e isso explica o porquê de ter sido acusado (uma vez que zombava das divindades gregas) de introduzir novos deuses e perverter a juventude.

As leis que Sócrates ensinava a obedecer se voltaram contra ele, as leis que deveriam ser uma forma de justiça, que o seu valor é elemento de ordem do todo, foi a maior injustiça cometida, na qual Sócrates cumpriu sua sentença como um dever moral.

Essa condenação mostrou-nos a relatividade de todo julgamento humano que não é pautado em um verdadeiro senso de justiça e provou a imperfeição das leis atenienses e da forma de julgar dos juízes da época.

Sócrates possuía todos os mecanismos para não se entregar, poderia fugir, sem que depois o procurassem, mas resolveu se submeter à condenação de forma serena, deixando um importante ensinamento a seus discípulos, que o homem sendo integrado ao modo político de vida, às leis comuns a todos, as normas políticas, ou seja, o homem engajado socialmente, sendo cidadão participativo deve sempre obedecer às leis e buscar a manutenção da ordem, desenvolvendo harmonia comunitária.

Para ele, descumprir a sentença representava a derrogação de um princípio básico das leis, que era a eficácia e a sua atitude serviria de exemplo para que os outros também primassem para a obediência ás leis perante Atenas, visto que servia para estruturar a cidade no governo democrático de Sólon. Em outras palavras, Sócrates serviu-se da sua experiência para mostrar-nos a verdade acerca do justo e injusto.

Em sua Apologia, vê-se que sua vida havia sido o maior testemunho de justiça, felicidade e retidão. Foi um homem que viveu sem cometer injustiça alguma e que às vésperas de sua morte proferiu pensamentos de seu sistema filosóficos, contidos na obra Apologia de Sócrates: “antes ser condenado a morte por uma sentença injusta, do que ser condenado a morte por uma sentença justa”.

Para o filósofo analisado, a lei que se encontra no interior de cada ser ( lei moral ), poderia julgar acerca da justiça ou da injustiça de uma lei positiva, mas jamais haver o descumprimento, pois com base num juízo moral, não se pode derrogar leis positivas e deveriam moralidade e legalidade caminhar juntas para a realização do escopo social de viver harmonicamente, pautados na ética e na virtude para que pudessem ser conduzidos à felicidade.

Depois de analisado o legado de Sócrates, percebe-se que este deixou-nos como herança filosófica jurídica a compreensão de que a justiça e a legalidade são idênticas desde que a lei tenha por escopo o Direito natural, que é um Direito superior, embasado no bem e que repele sentenças injustas.

Sua atitude em não se entregar, aceitando a própria morte ditada por uma sentença injusta foi uma tentativa de proteger uma ordem jurídica total que é indispensável à vida em sociedade do que propriamente irrestrita à determinação jurídico processual dos juízes (violadores das leis) e que naquelas condições a sentença condenatória de Sócrates teve apenas aparência de juridicidade.

Entende-se também, segundo VILLAY (1968) que Sócrates quer passar a ideia de que as leis positivas devem ser fiéis para que possam realmente ser obedecidas, aos ditames do Direito Natural, cuja essência e valor primeiro, a justiça, está sempre presente na natureza do homem e no ethos da vida social do cidadão.

2 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA EM PLATÃO

Para explicar a justiça de Platão é importante falar sobre do Mito de Er, pois é a partir desse mito que Platão justifica sua justiça. O mito de Er ou a reminiscência nas palavras de Marilena Chaui (2002), o pastor Er, da Panfilia, é conduzido pela deusa até o Hades, o reino dos mortos, para onde, segundo a tradição grega, sempre foram conduzidos os poetas e adivinhos ou videntes. Ali, Er encontra as almas dos mortos serenamente contemplando as idéias. Devendo reencarna-se, as almas serão levadas para escolher a nova vida que terão na terra. São livres para escolher a nova vida terrena que desejam viver. Após a escolha, são conduzidas por uma planície onde correm as águas do rio Léthe (o esquecimento). As almas que escolheram uma vida de poder, riqueza, glória, fama ou uma vida de prazeres, bebem água em grande quantidade, o que as faz esquecer as idéias que contemplaram. As almas dos que escolhem a sabedoria quase não bebem das águas e por isso, na vida terrena, poderão lembrar-se das idéias que contemplaram e alcançar, nesta vida, o conhecimento verdadeiro. Desejarão a verdade, serão atraídas por ela, sentirão amor pelo conhecimento, porque, vagamente, lembram-se de que já viram e já a tiveram. Não se esquecem dela e por isso, para elas, ela é a-létheia, não esquecida.

Platão, no mito de Ér, afirma que a alma é imortal, ou seja, o mito busca o sentido da vida humana, religar vida e destino que cada alma imortal seguirá depois da sua passagem pela terra. A alma humana é uma natureza intermediária entre o divino e o mundo, destinado ao conhecimento, mas por sua ligação com o corpo também pode cair no erro e ser arrastada pelas paixões, que a distanciam de sua destinação natural.

Para Platão a finalidade da existência humana é a procura da felicidade, que consiste em fazer o bem, fazer o uso da razão, em ter uma vida determinada a buscar a Justiça e o Bem supremo. O homem deve dosar o uso dos prazeres com a sabedoria, deve buscar a verdade e o conhecimento, deve ser virtuoso. Para atingir esse estado no mito de Er, a alma deve beber pouca água do rio do esquecimento, pois somente assim lembrará das idéias contempladas e alcançará o conhecimento verdadeiro na terra.

Portanto, Plantão considera que existe uma Justiça divina para além daquela conhecida e praticada pelos homens. Sua justiça não pode ser tratada unicamente do ponto de vista humano, terreno e transitório, pois a justiça é questão metafísica, possui raízes no Hades (além da vida) onde a doutrina da paga, pena pelo mal e recompensa pelo bem, vige como forma de Justiça Universal. (BITTAR, 2002 p. 86)

Segundo Platão, a Idéia de Justiça mesmo estando distante dos olhos do comum dos homens, sua presença se faz sentir desde o momento presente na vida de cada indivíduo. Existe, para além da ineficaz e relativa justiça humana, a que condenou Sócrates, uma justiça, infalível e absoluta, que governa o kósmos, e da qual não se pode furtar qualquer infrator. A concepção de Justiça é inata ao homem desde o seu nascimento, pois conheceu o que é justo e o injusto no Além. Assim, o filósofo tem a missão de trazer a tona esse conhecimento previamente adquirido e revelá-lo (BITTAR, 2002, p. 86.)

Justiça, ética e política são palavras que possuem vínculos muito fortes, movimentam-se no sistema platônico num só ritmo, sob a melodia de uma única e definitiva sonata, cujas notas são idéias metafísicas que derivam da Idéia primordial do Bem. Estes conceitos devem está em perfeita harmonia, o homem deve praticá-los a qualquer preço, deve ser virtuoso, e assim, alcançar o bem supremo, a felicidade.

A justiça de Platão está intimamente ligada com a ordem política, pois a ordem política platônica estrutura-se como uma necessidade para a realização da justiça, um imperativo para o convívio social, onde governados obedecem e governantes ordenam. A divisão do trabalho é a regra de justiça no Estado ideal; três classes dividem-se em três atividades, filósofo – política, cavaleiros – defesa, comerciantes – economia, (tripartite da alma). Não podendo haver interferência de uma classe na atividade da outra, pois a interferência gera injustiça, além de que cada classe corresponde a uma parte da alma e a alma racional, deve governar. A justiça é a saúde do corpo social, pois onde cada um cumpre o que lhe é dado fazer, o todo se beneficia dessa complementaridade. (BITTAR, 2002, p. 88)

O Estado Ideal platônico é apenas meio para realização da justiça. De fato, porém, esse Estado não existe na terra, e sim no Além, como modelo a se inspirar. Nesse Estado, a Constituição é apenas instrumento da justiça, pois estabelece uma ordem jurídica. Para Platão o Estado Ideal não deve ser liderado por muitos, uma vez que a multidão não sabe governar, mas por um único, o filósofo, pois este contemplou a verdade e está apto a realizá-la socialmente.

O que é inteligível, perfeito, absoluto e imutável pode ser contemplado, e é do resultado dessa atividade contemplativa que se devem extrair os princípios ideais para o governo, tarefa destinada ao filósofo. Onde o filósofo platônico governa não são necessárias leis, pois sua vontade é a vontade do Estado, as leis somente aparecem como um paliativo, como uma alternativa viável para a falta de um verdadeiro homem sábio.

 

3  ARISTÓTELES E SUA DOUTRINA ACERCA DA JUSTIÇA

            Diferentemente de seu mestre Platão (essencialmente idealista), Aristóteles foi ideologicamente mais conservador, deu maior ênfase às condições reais do homem e de suas instituições e discordou inclusive da teoria das formas ou ideias de Platão, por considerá-las desnecessárias para os fins da ciência política jurídica nas relações sociais existentes.

            Aristóteles trata a Justiça como virtude e a ética é a ciência prática que investiga o que é justo ou injusto. Mas não é apenas o conhecimento do que é justo ou injusto que faz o homem ser mais ou menos virtuoso, aqui está contida toda a excelência do estudo ético em torno do fim da ação, que também é objeto da investigação política (mais importante das ciências práticas) e a sua tarefa é traçar normas para orientar as atividades na pólis.

            Os conceitos éticos e políticos estão condicionados um pelo outro, segundo a concepção aristotélica. A ética proferida por Aristóteles tem como fim último a busca do bem, esse mesmo bem supremo e escopo do Estado: o bem comum. É com este pressuposto que o indivíduo realiza sua felicidade dentro da sociedade.

            A felicidade para Aristóteles é entendida como um processo, uma atividade através da qual o ser humano desenvolve da melhor maneira possível suas virtudes. O mundo para este filósofo é visto de forma finalista, onde cada coisa tem uma virtude determinada por seu fim. Assim sendo, o bem (plenitude da essência) seria aquilo a que todas as coisas tendem e a finalidade seria a realização da perfeição do homem, enquanto ser racional.

            A virtude é um meio termo entre dois extremos, entre dois atos viciosos, um caracterizado pelo excesso, outro, pela falta, carência. E a Justiça é uma virtude para Aristóteles, que em seu livro II de Ética a Nicômaco, a põe como um hábito, não sendo nato: “Não é, portanto, nem por natureza, nem contrariamente a natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito”.       

Para Aristóteles, ser justo é praticar atos voluntários de justiça. A Justiça é um valor e todo sistema legal justo seria baseado na equidade, a própria noção de justiça aplicada ao caso concreto. Como se a equidade fosse uma régua, uma fita métrica que se adapta a qualquer superfície.

O filósofo comparava a equidade a régua de Lesbos, régua especial a qual serviam-se os operários para medir certos blocos de granito, visto que se ajustava às irregularidades do objeto. De acordo com Aristóteles a equidade aplicada ao fato social não ‘media’ apenas aquilo que é normal, mas também as variações e curvaturas inevitáveis da experiência humana.

Para melhor entendermos o pensamento de Aristóteles no que diz respeito à equidade e sua comparação com o justo, cumpre trazer um fragmento do seu texto (apud SALGADO, 1986, p. 44):

Pois o equitativo é melhor que uma espécie de Justiça, mas não é melhor do que o justo como algo genericamente diverso. O equitativo e o justo são, pois, o mesmo e, sendo valiosos ambos, o equitativo é, contudo, preferível. O que ocasiona a dificuldade é que o equitativo é certamente o justo, mas não segundo a lei, senão como retificação do justo legal. A causa disso reside em que a lei é sempre genérica e em certas ocasiões não é possível dispor corretamente em termos gerais.

Em uma das suas acepções de Justiça, o justo total, Aristóteles ressalta que praticar justiça seria cumprir a lei vigente, isto é, respeitar aquilo que foi posto, positivado por uma autoridade competente consoante um procedimento competente e que vige para o bem da comunidade e neste sentido, justiça e legalidade não se distinguem.

            De acordo com Aristóteles (apud SALGADO, 1986, p. 40 – 41):

A ordem é a lei e o governo da lei é preferível ao de qualquer cidadão, porque a lei é a razão sem apetites. Onde existe a relação de um ser humano com outro ser humano - relação que é natural por ser o homem social por natureza – existirá a lei para ordenar essas relações, e onde há a ordem na legal, surge possibilidade da justiça e da injustiça.

 

            Já na acepção justo legal, a justiça, sendo ela aplicada pelo legislador que promulga uma medida, está sujeita à variabilidade do juízo humano e tem grande relatividade espaço temporal em seu conceito, sendo portanto, mutável.

            No pensamento aristotélico a justiça é a lei, se alguém segue a lei está praticando a justiça, ou seja, o homem sem a lei seria injusto, comprova-se em seu livro A Política (ARISTÓTELES, 2002, p.63):

(...) vimos que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo; evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos, porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um deles dizemos nós, é justo. Ora nas disposições que tomam sobre todos os assuntos, as leis têm em mira a vantagem comum, quer de todos, quer dos melhores ou daqueles que detém o poder ou algo desse gênero; de modo que, em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem corajoso (...) quanto a de um homem morigerado (...) e os de um homem calmo (...); e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade, prescrevendo certos atos e condenado outros; e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente , enquanto as leis concebidas às pressas fazem menos bem.”

Nesse ponto a lei e a razão são semelhantes à igualdade, pois são comuns a todos os homens. Vamos um pouco além, dizendo que são a realização da igualdade jurídica formal.  Conclui-se então que a justiça surge quando há a união entre o plano ético e político, aperfeiçoando-se em forma de virtude.

Aristóteles fala-nos de alguns tipos de Justiça: Justiça social, distributiva e comutativa, analisaremos os tipos. Observa-se a justiça social em casos de produção e trocas de bens, é a relação do indivíduo para a sociedade, é aquilo que a parte pode tomar de iniciativa para o todo.

A Justiça Distributiva se dá pela divisão dos bens e recursos comuns, não busca a equivalência num mesmo peso, dá as pessoas de acordo com suas necessidades, repartindo-se os benefícios conforme o seu mérito, visto que os homens são desiguais materialmente. Funciona em proporcionalidade geométrica, que caracteriza o justo e sua falta, o injusto. Em suma, reparte-se aos membros da sociedade aquilo que pertence a todos, assegurando-lhes participação equitativa no bem comum, conforme o mérito e capacidade de cada um.

            A Justiça Comutativa é a justiça das igualdades, das trocas, contratual. Aristóteles encara como ‘corretiva’ pois equipara todas as vantagens e desvantagens de troca entre os homens, tanto voluntária quanto involuntariamente feita. Funciona por proporcionalidade aritmética, não procurando a exatidão e sim a equivalência.

4 IMMANUEL KANT E A JUSTIÇA

Sua filosofia é chamada de crítica, porque se preocupou, principalmente, em estabelecer o valor da ciência, no sentido moderno, juntamente com o valor da metafísica. Sua atitude crítica consiste na não aceitação de qualquer dado inicial, sem que, antes, se coloque o problema da possibilidade desse mesmo dado. Kant com seu modelo de análise dos fatos expõe sua idéia sobre Justiça vinculada ao Direito e aos conceitos que giram em sua volta.

Kant encontra o Direito na razão; não se trata, propriamente, de um Direito Natural cujas leis foram retiradas da natureza, como fizeram os gregos; nem Direito Natural baseado numa razão universal, como era para os estóicos; nem é ele transcendente dado pela autoridade de Deus; nem tampouco, como no jusnaturalismo clássico, um conjunto de princípios deduzidos pela razão; Para Kant, ele se apóia na razão e na liberdade, que é o único Direito Natural. Ele chama esse Direito de liberdade, Direito do homem ou o mais sagrado que existe no mundo. Sua posição é diferente da dos jusnaturalistas que o antecederam, porque, para ele, o Direito Positivo se fundamenta exclusivamente na razão, ou seja, na liberdade, o único Direito Inato do homem. (SALGADO, 1986)

Segundo Immanuel Kant, os princípios a priori da sociedade civil são: 1- a liberdade de cada membro, como homem; 2- a igualdade desses membros, como súditos; 3- a auto-suficiência de cada membro de uma comunidade, como cidadão (sustento material). O cidadão é o co-legislador da sociedade política. O princípio diretor é a liberdade; a igualdade não significa igualdade de direitos, que continuam desiguais (propriedade e pessoas: patrão-empregado); trata-se da igualdade em igualdade de acordo com o Direito, ou seja, as normas jurídicas serão válidas para todos, porque foram estabelecidas por todos.

Para Kant, o princípio geral de Direito:

É justa toda ação cuja máxima permite à liberdade de cada um concordar com a de todos, e a regra fundamental, age exteriormente de tal maneira que o uso da tua liberdade possa concordar com a liberdade de cada um segundo uma lei universal, têm as seguintes conseqüências: a única lei justa é a que é elaborada pela vontade coletiva dos membros da comunidade; essa lei será sempre justa e obrigatória; o cidadão que discute sua obrigação está fora da lei, porque a autoridade governamental deverá ser sempre obedecida.

A sociedade civil ou situação de Direito só é possível através de um pacto livre entre seus membros. No estado de natureza, só existe o Direito Privado, há Justiça, mas a vida social não é regulada pelo Estado, não há o Direito Público Positivo e a Justiça organizada pelo Estado. Quem se negar a participar da sociedade civil infringe a lei a priori da razão jurídica prática que obriga a um dever: é preciso sair do estado de natureza e entrar no estado de direito. Embora o Estado não seja natural ao homem, como pensava Aristóteles, ele entra na sociedade civil de livre vontade, para preservar a sua liberdade. A caminhada para a sociedade civil se faz pelo contrato social, só que Rousseau pensou o contrato social como histórico-hipotético, e Kant nele pensou como idéia da razão. Para ele, o Estado se explica pelo contrato social, pela necessidade de eleger um governante. (SALGADO, 1986)

O Conceito de Direito de Kant tem três elementos: 1- uma relação prática externa - todo o direito é uma relação entre seres humanos, que se externa como ações que, como fato, exerce influência, um no outro, direta ou indiretamente; 2- tal relação se dá entre um arbítrio e outro e não entre o arbítrio de um e o desejo do outro, como nos atos de caridade ou de crueldade ou de amor e poder, o direito regula disposições da vontade alheia pelo contrato (particular), ou da lei (geral); 3- relação puramente formal entre os arbítrios recíprocos: não ser obrigado pelos outros a fazer mais do que a eles reciprocamente também possam ser obrigados.

Kant afirmou que a paz perpétua só pode ser alcançada por uma Constituição Republicana, que deve ser elaborada pelos princípios universais do Direito Natural, baseados a priori na razão. Mesmo na hipótese de um governo despótico, Kant nega o direito de resistência pela revolução - assim, coloca-se mais de acordo com a teoria democrática, do que com o despotismo. Na república, a vontade geral pura do povo é a legisladora, porque toda lei jurídica tem que nascer da liberdade dos que devem obedecê-la. Fora da Constituição não há Direito para ninguém; assim, seria ilógico incluir na legislação o Direito de resistir ao poder, porque a conseqüência seria a existência de dois poderes soberanos, o que é contraditório. O bem supremo será alcançado, se a Constituição encontrar seus fundamentos na razão - é a procura por uma Constituição política perfeita, que dará aos homens a paz perpétua sobre a terra. 

A liberdade é o cerne da construção jurídica de Kant, porque sua filosofia prática, nada mais é do que uma filosofia de liberdade. No Direito, não se trata do apego ao dever por obediência à lei, mas da coexistência da liberdade da vontade de cada um com a liberdade da vontade dos outros, em conformidade com a lei. A obrigatoriedade da lei e seu formalismo se exteriorizam: Direito e faculdade de coagir significam a mesma coisa, disse Kant. Assim, percebemos que, para ele, o Direito está ligado à Moral, mas também a um conjunto de leis de um Estado com faculdade de coação, a um conjunto de normas práticas para o controle social.

Então, para Kant justo é: O que reconhece o único Direito Natural do homem - a liberdade - e a igualdade de todos os seres racionais que possuem esse Direito Inato (liberdade); Justo é o que respeita as liberdades externas de todos os homens, limitadas pelo princípio de igualdade, de acordo com a lei universal, para fazê-las compatíveis, promovendo, assim, a organização da sociedade (a sociedade civil); Justa é a lei que favorece a liberdade como autonomia - a lei cada vez mais racional, que cria uma legislação jurídica universal, como expressão da vontade geral da qual cada um deve participar (igualdade de participação), como garantia da paz perpétua num contexto final (o homem na República e na sociedade das nações)

O maior mérito de Kant foi ter dado tanto valor à liberdade, introduzindo-a no conceito de Justiça; essa idéia de Justiça como liberdade e igualdade já pertence à nossa cultura; devemos a Kant, também, uma concepção de Justiça Social que deriva da dignidade humana e que pretende ver no homem, não apenas um ser útil, mas um ser livre, digno de receber o necessário para sua vida material e espiritual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que a justiça socrática é vinculada à obediência da lei e a busca da verdade, fazia um cidadão ser virtuoso e este controlaria suas paixões e conduziria suas forças para a realização da sabedoria, pois só assim chegaria à felicidade. Para Sócrates a justiça deveria buscada sempre buscando a um fim maior e ele tinha a certeza do post mortem, visto que a vida e a morte seriam apenas parte de um trajeto e para o cultivo da virtude, a lei devia ser obedecida irrestritamente, isto é aprovado pelo cumprimento de sua condenação, como forma de dever moral. Questiona-se a Justiça de Atenas e observa-se em seus ensinamentos que a ética do coletivo está acima da ética individual e que sua lição de vida ética é uma verdadeira lição de justiça.

Platão  manteve a tradição socrática viva e foi ponto histórico importante na construção do ideal de justiça. O filósofo estava em uma época em que a justiça era uma medida imposta ao homem e seu pensamento acerca da Justiça é uma reflexão desta como igualdade, a máxima “dar a cada um o que lhe é devido” é interpretada por Platão como “o que convém” (não somente nas relações particulares, mas dentro do Estado).

Então a justiça surge como virtude universal (pertence a todos) e cada indivíduo se põe em seu lugar: quem tem coragem terá a função de defender o Estado, o que possuir temperança produzirá riqueza da polis e o detentor da sabedoria os guiará – cada um tem conhecimento do seu papel – comandante e comandado.

A Justiça compreende um dar de si mesmo, uma reciprocidade entre cidadão e Estado por força do dever som a comunidade (a ideia de Justiça em Platão corresponde com a própria ideia de Estado). A Justiça é uma ideia que norteia a conduta das pessoas e consolida o Direito; a ideia de Justiça é o hábito de cumprir o Direito, era a melhor de todas pois seria uma forma plena, em sua essência.

Aristóteles é famoso pelo silogismo (um argumento que toma duas verdades e as conecta de forma a chegar a uma terceira verdade): a Justiça deve ser praticada (premissa maior), tal fato é justo (premissa menor) assim tal fato deve ser praticado (conclusão). A Justiça fixa-se como uma virtude especial, uma faculdade da alma, uma potencialidade e para este filósofo, Justiça, Política, Ética, Direito, todas estas esferas estavam vinculadas.

REFERÊNCIAS

 

ARISTÓTELES. A Política. [Tradução: Torrieri Guimarães]. São Paulo, Martin Claret, 2002.

BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Ética Jurídica. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

CHAUI, Marilena. Introdução a história da filosofia: dos pré-socráticos a aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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KANT, Emmanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo. Eds.e Publicações Brasil, Ed. S.A.

REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.

RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues (coordenadora). Direito em questão: aspectos principiológicos da justiça. Campo Grande. UCDB, 2001.

SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte : Ed. UFMG, 1986.

TOVAR, Antônio. Vida de Sócrates. Madrid: Ed.Revista de Occident, 1947.

VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: definições e fins do Direito. Os meios do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1968.

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