O Princípio da Subsidiariedade e o Fomento ao Terceiro Setor

Por Amanda Pauli De Rolt | 13/08/2019 | Direito

O Princípio da Subsidiariedade e o fomento ao Terceiro Setor

Amanda Pauli De Rolt

Ernesto Medeiros Teixeira de Araújo

Josie de Menezes Barros

 

RESUMO

O princípio da subsidiariedade, embora implícito, é vigente no ordenamento jurídico brasileiro, ao impor, no âmbito do direito administrativo, o dever de o Estado atuar na atividade econômica nos limites e termos necessários à manutenção dos valores e interesses públicos previstos na Constituição. O fomento ao terceiro setor, nesta medida, caracteriza-se como uma aplicação deste princípio.

Palavras-chave: princípio da subsidiariedade, terceiro setor.

 

I. Introdução II. O princípio da subsidiariedade. 2.1. O princípio da subsidiariedade na doutrina social cristão da igreja. 2.2. O conteúdo do princípio da subsidiariedade. 2.3. O princípio da subsidiariedade no direito brasileiro – III. O terceiro setor – 3.1 O terceiro setor. 3.2 Entidades do terceiro setor. 2.3. Instrumentos de parcerias com o terceiro setor IV.  O princípio da subsidiariedade e o terceiro setor: a questão da atividade de fomento – V. Considerações finais. VI – Referências Bibliográficas

 

I – INTRODUÇÃO

 

O princípio da subsidiariedade não é um princípio politicamente neutro. Ele implica em delimitações à atuação estatal no âmbito econômico e social, ou anteriormente, delimita mesmo a estrutura, competências e organização do Estado e de suas entidades.

Isso porque, por esse princípio, há o reconhecimento de que os corpos sociais têm autonomia para atuar na busca de seus interesses, restando ao Estado (e dentro deste, das entidades mais locais e simples, até as mais complexas e globais), atuar quando os indivíduos e as organizações sociais não tenham condições concretizar de forma eficaz os interesses reconhecidos como públicos e socialmente relevantes.

A crise fiscal (com a diminuição progressiva do Estado de bem estar social) e o fortalecimento de estruturas sociais que não estão no mercado, tampouco têm características públicas, as chamadas entidades do terceiro setor, incrementou o debate sobre o papel do Estado para dar concretude a valores e finalidades previstas na Constituição Federal, sem contudo, tomar para si a atividade (numa assunção total ou parcial da atividade econômica), mas atuar por meio de incentivos para fazer com que os particulares atuem, voluntariamente, na persecução de interesses públicos.

Nesse sentido, esta atividade que é amplamente conhecida como de fomento, parece ser um desdobramento do princípio da subsidiariedade no direito brasileiro, muito semelhante, inclusive, às proposições feitas pela Igreja Católica em inúmeros documentos que integram o direito canônico e que inspiraram a adoção deste princípio pelo direito público.

Sendo assim, a problemática que se propõe examinar é em que medida o princípio da subsidiariedade influi o relacionamento entre sociedade civil organizada e Estado, passando por uma resgate histórico e conceitual do princípio e da ideia de terceiro setor antes de fazer exame crítico da doutrina pátria e chegar à conclusão de que ele foi aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro e é relevante para entender a atuação do Estado como fomentador de atividades de interesse coletivo realizadas por particulares.

 

II - O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE.

 

  1. O Princípio da Subsidiariedade na Doutrina Social da Igreja

 

O Princípio da Subsidiariedade, apesar de ser, muitas vezes, apontado como decorrente da teoria liberal econômica e social dos Séculos XVIII e XIX, tem como origem a Doutrina Social da Igreja Católica. Ele surgiu como resposta ao crescente intervencionismo estatal e o perigo de abuso do mesmo nas vidas dos indivíduos e comunidades menores.

Importante princípio da filosofia social da Igreja Católica, o Princípio da Subsidiariedade tem sua primeira fundamentação, embora sem ainda haver qualquer menção direta a este princípio, na Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, datada de 1891.

Nesta encíclica, que é conhecida por denunciar as más condições de trabalho existentes na época, e por ser o documento inaugural da Doutrina Social da Igreja, é estabelecido um papel limitado ao Estado em sua intervenção no campo social. Emerson Gabardo afirma que:

 

A ideia central é pregar que não é justo a família e o indivíduo serem absorvidos pelo Estado ou sofram qualquer inibição de sua realização plena. As pessoas e as associações têm que ser livres, pelo que devem se ‘autogovernar’ a ponto de serem capazes de progredir no contexto da sociedade civil.[1]

 

A encíclica chama atenção para a “incompetência do Estado no domínio familiar”, não podendo, em todo ou em parte, substituir-se ao poder familiar. Além disso, a propriedade privada é defendida ao longo de toda a encíclica, sendo dever do Estado a sua proteção.

Contudo, foi a Encíclica Quadragesimo Anno, datada de 1931, do Papa Pio XI, que efetivamente deu contornos ao Princípio da Subsidiariedade. Nesta Encíclica, o Sumo Pontífice explicitou claramente o pensamento sobre o conteúdo desse princípio:

 

Permanece imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podiam realizar, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação e coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado das associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiado. Poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e as necessidades requeiram.[2]

 

As atribuições que o Papa Pio XI designou ao Estado em muito se parece com o atribuído pela própria doutrina liberal clássica. Entretanto, outros documentos da Doutrina Social da Igreja moldaram o conteúdo desse princípio para se afastar do liberalismo, pregando um papel mais intenso do Estado, embora mais limitado.

Em 1961, o Papa João XXIII, na Encíclica Mater et Magistra, consagrou a subsidiariedade como Princípio, afirmando textualmente que cabe ao Estado “fomentar, estimular, coordenar, suprir e complementar a iniciativa privada”. Além disso, em 1963, o Sumo Pontífice, na Encíclica Pacem in Terris, pela primeira vez, reporta o Princípio da Subsidiariedade às relações internacionais:

 

Como as relações entre os indivíduos, famílias, organizações intermédias e os poderes públicos das respectivas comunidades políticas devem estar reguladas e moderadas, no plano nacional, segundo o princípio de subsidiariedade, assim também, à luz do mesmo princípio, devem disciplinar-se as relações dos poderes públicos de cada comunidade política com os poderes públicos da comunidade mundial.

Os poderes públicos da comunidade mundial não têm como fim limitar a esfera de ação dos poderes públicos de cada comunidade política e nem sequer de substituir-se a eles. Ao invés, devem procurar contribuir para a criação, em plano mundial, de um ambiente em que tanto os poderes públicos de cada comunidade política, como os respectivos cidadãos e grupos intermédios, com maior segurança, possam desempenhar as próprias funções, cumprir os seus deveres e fazer valer os seus direitos.[3]

 

Por derradeiro, foi a Encíclica Centesimus Annus, datada de 1991, de autoria do Papa João Paulo II, que mais influenciou a concepção atual do Princípio da Subsidiariedade. Neste documento, o Papa João Paulo II voltou a reafirmar a propriedade privada como valor e propõe uma redefinição do papel do Estado.

Com efeito, o Papa João Paulo II assinala que a atividade econômica não se pode realizar num vazio institucional, jurídico e político. Pelo contrário, supõe segurança no referente às garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes, sendo o primeiro papel do Estado, portanto, a garantia de segurança[4].

No domínio econômico, a primazia da responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos e dos diversos grupos e associações em que se articula a sociedade[5]. Contudo, o Estado deve criar as condições favoráveis para o livre exercício da atividade econômica e vigiar a aplicação dos direitos humanos neste setor[6].

Além disso, suas funções incluem o dever de apoiar a atividade das empresas criando condições para a oferta de emprego, o dever de impedir o monopólio que entrava o desenvolvimento das nações e da sociedade, bem como o dever de suplência sempre que os grupos sociais ou empresas são demasiados frágeis, e não estejam à altura das suas tarefas, devendo essa última função ser limitada no tempo, desde que justificadas pelo bem comum, para não “retirar permanentemente aos mencionados setores e sistemas de empresas as competências que lhes são próprias e para não ampliar excessivamente o âmbito da intervenção estatal, tornando-se prejudicial tanto à liberdade econômica como à civil”[7].

Essa redefinição, segundo o documento católica, deve estrita observância ao Princípio da Subsidiariedade, cujo conteúdo, segundo o Sumo Pontífice, se traduz como:

 

[...] uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar a sua ação com a das outras componentes sociais, tendo em vista o bem comum.[8]

 

Da leitura das Encíclicas Papais se depreende que o Princípio da Subsidiariedade se afasta da tese liberal de Estado Mínimo, ao prever, expressamente, a possibilidade de intervenção estatal, de forma subsidiária, para garantir os direitos individuais, o desenvolvimento de uma sociedade civil forte e para suprir as necessidades do bem comum que as comunidades e associações menores não conseguem realizar por si mesma.

A forma e o grau de intervenção estatal, sob esse aspecto, dependerá do tempo, do lugar e do estágio de desenvolvimento de cada nação ou comunidade. Assim, as sociedades definirão, em seu ordenamento jurídico, o papel que querem do Estado, orientados pelo Principio da Subsidiariedade, inclusive no que tange à intervenção no domínio econômico, não devendo ficar totalmente essas questões ao mercado.

Assinala, com maestria peculiar, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

 

Como se vê, não se confunde o Estado Subsidiário com o Estado Mínimo; neste, o Estado só exercia atividades essenciais, deixando tudo o mais para a iniciativa privada, dentro da ideia de liberdade individual que era inerente ao período do Estado Liberal; naquele, o Estado exerce as atividades essenciais, típicas do Poder Público, e também as atividades sociais e econômicas que o particular não consiga desempenhar a contento no regime de livre iniciativa e livre competição; além disso, com relação a estas últimas, o Estado deve incentivar a iniciativa privada, auxiliando-a pela atividade de fomento, já referida.[9]

 

Diante do exposto, e tendo em vista o Princípio da Subsidiariedade, é preciso compreender o conteúdo e alcance do referido princípio, bem como investigar, no ordenamento jurídico pátrio, se o referido princípio foi albergado em nosso sistema de direito positivo e que intensidade, o que será tratado a seguir.

 

2.2. O Conteúdo do Princípio da Subsidiariedade

 

A subsidiariedade presente no direito canônico foi, gradualmente, acolhida pelo direito público como princípio diretor de um sistema de distribuição de atribuições, que tomou dois planos principais, detalhados a seguir.

O conteúdo e alcance do princípio da subsidiariedade já foi objeto de investigação na literatura de direito público, que aponta, com alguma segurança, quais seriam suas características principais. A primeira questão a ser posta, de ordem semântica, diz respeito à própria expressão “subsidiariedade” que, em princípio, retoma à ideia de “secundário”, daquilo que não é principal, o que não parece ser o melhor sentido, ao menos para a pretensão deste artigo, que é discutir o relacionamento entre Estado e Terceiro Setor.

Sendo assim, retomando as lições de Oliveira Baracho a melhor compreensão do conteúdo do princípio deriva da ideia de supletividade que, “absorve simultaneamente dois significados: complementariedade e suplementariedade”[10]. Adotando essa compreensão, é possível afirmar que o princípio da subsidiariedade estabelece que o Estado não deve atuar nas esferas sociais em que os próprios cidadãos (individualmente ou organizados coletivamente, como players do mercado ou outra forma de organização social) podem realizar os interesses per se, de modo eficaz.

Portanto, o princípio parte da premissa de que é necessário reconhecer ao indivíduo o direito e a prioridade de atuar com seus próprios meios para a satisfação de seus interesses, só deferindo às entidades da sociedade aquilo que ele não possa fazer. A mesma regra também é aplicável aos sucessivos graus de complexidade das entidades públicas, de tal forma que os entes públicos menores tenham prioridade sobre os maiores para atuar na satisfação dos interesses locais.

Mais do que uma faculdade, a subsidiariedade atribui o dever de que as entidades mais complexas só atuem quando outras entidades menores ou os próprios indivíduos não tiveram a possibilidade de realizar seus interesses de maneira autônoma. Esta é a faceta negativa do princípio. Sob o prisma positivo, por sua vez, a subsidiariedade exige uma atuação (ação) quando o indivíduo, coletividades ou entidades públicas menores não forem capazes de realizarem, por si próprios, os seus interesses.

É possível afirmar que o princípio da subsidiariedade possui dois sentidos, retomados da tradição constitucional italiana, a subsidiariedade vertical e a subsidiariedade horizontal, sendo “o primeiro direcionado às relações entre os entes da federação, ou seja, Estado, Região, cidades, províncias. E o segundo, dito subsidiariedade horizontal, direciona-se às relações entre Estado, empresas, associações e pessoa”[11].

A própria ideia de federação retoma ao primeiro sentido. Mais uma vez Oliveira Baracho afirma que tomando por base as implicações constitucionais concretas, o federalismo pode ser considerado a implementação do princípio de subsidiariedade na vida do Estado[12]. Essa compreensão leva ao entendimento de que o federalismo, a um só tempo é o regime em que há integração, autonomia e descentralização, por meio da repartição de competência entre os entes federados, levando em consideração as eficiências de cada um. A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, inovou ao atribuir ao Município, poder local por excelência, maior plexo de competências e maior fatia na divisão de recursos tributários, a fim de manter a gestão administrativa o mais próximo possível do cidadão[13].

Por sua vez, sob o aspecto horizontal, o princípio delimita o alcance da atuação estatal. A ideia aqui é a de que a atuação do Estado só é autorizada quando necessária, ou seja, para preservar um interesse geral (tanto a resolução de lides, como a promoção do bem comum) que não pode ser eficazmente atingido de forma autônoma pelas instituições sociais. Há então uma delimitação da atuação do Estado e o campo de liberdade e autonomia dos indivíduos (entendido como um bem em si).

A subsidiariedade, desse modo, pode ser entendida como uma diretriz que inclusive desenha a própria estrutura e dinâmica jurídica das entidades estatais, na medida em que, conforme afirma Carlos Ari Sundfeld “[...] o Estado não exerce a autoridade pública sempre, em qualquer situação, ou na medida em que o quiser. Exerce-a se, quando e na proporção em que esta lhe tenha sido conferida pela ordem jurídica.”[14]

Aproximando-se mais ao tema objeto deste artigo, o princípio da subsidiariedade pode ser aplicável como um limite à intervenção do Estado no domínio econômico. Isso porque, uma vez que a ordem constitucional elegeu a livre iniciativa como diretriz e princípio matriz, resta à intervenção estatal (direta ou indireta) respeitar o princípio da subsidiariedade.

Nesse sentido, na lição de Baracho:

 

Não há dúvida de que o princípio da subsidiariedade regula a intervenção do Estado na Economia. Sendo esta uma atividade essencialmente privada, o Estado, cuja função é buscar o bem comum e da justiça distributiva, não tem a competência originária de atuação. Se ele deve corrigir distorções e para tanto intervir, isto deve ser feito em nome do bem comum e da justiça distributiva em não em razão da maior ou menor eficácia das sociedades inferiores. A função subsidiária do Estado em meteria econômica é uma ´função autêntica e natural´ e não simplesmente uma ´fórmula pragmática´. Em outros termos, a subsidiariedade é intrínseca à função do Estado em matéria econômica.[15]

 

Sendo assim, o princípio da subsidiariedade limita a ação estatal, a incidência de normas de direito público que estabelecem sujeições e sacrifícios, e serve como freio para o campo de jurisdicização da vida social pela imposição de normas de direito privado[16]. É possível afirmar, assim, que existem limites à intervenção estatal na atividade econômica, impostos mesmo ao legislador.

 

(...) a atuação estatal sobre o domínio econômico há de ser residual. Isso não a faz desnecessária ou dispensável. Ela é imperativa sempre que a capacidade dos atores econômicas ou põe em risco um valor de natureza coletiva (o meio ambiente, o uso de um bem escasso, um serviço de relevância social), ou se mostra insuficiente para se atingir uma finalidade de interesse geral da coletividade (a universalização de um serviço, a acessibilidade de uma comodidade, o incremento da competição, a satisfação dos usuários de um bem essencial, etc.). Apenas existindo uma e outra situação é que se fará cogitável a ação estatal sobre o domínio econômico.

 

De todo modo, vale ressaltar que a aplicação concreta da subsidiariedade deve levar em consideração as especificidades da sociedade em foco, o ordenamento jurídico específico e o tempo e no espaço de aplicação, tendo em vista que cada sociedade tem sempre o poder de alterar a repartição de competências entre o público e o privado, conforme sua própria estrutura e lógica interna.

Deve-se levar em consideração também que o princípio da subsidiariedade não sufraga a ideia de mão invisível e de Estado Mínimo. Conforme já se expôs, sob a perspectiva positiva, ao tempo que impede uma atuação intervencionista do Estado excessiva, por outro lado, exige uma ação do Estado, para que ele atue no sentido de fomentar as atividades próprias do pluralismo social[17] que não seriam concretizadas sem a participação do Estado (aqui indiretamente, no exercício da atividade de incentivo, mas cuja regra vale para qualquer modalidade de atuação estatal na economia).

 

2.3. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Brasileiro

 

O princípio de subsidiariedade não está expressamente previsto nos ordenamentos jurídicos que reconhecem a sua existência, tratando-se, assim, na maioria das ocasiões, de noção de natureza doutrinária.

Como textos que expressamente mencionam a subsidiariedade, é possível citar a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha e sua aplicação pelo Tratado de Maastricht, que se referem ao princípio para explicar a dinâmica de repartição de competências exclusivas do Estado membro da União Europeia e às formas de integração federativa ou comunitária, tendo em vista a relação do princípio de subsidiariedade e o federalismo no âmbito deste bloco.

Não há previsão expressa na Constituição de 1988 ao princípio da subsidiariedade, entretanto, a sua aplicação, pode ser extraída de diversos dispositivos constitucionais que cuidam da divisão de competências entre o ente estatal e a sociedade em seus diversos setores, de forma coletiva ou individualizada. Nesse sentido seria possível citar a repartição de competências do Estado com a sociedade e mercado no que se refere à assistência social (artigo 204, I),  educação (artigos 205 e 206, IV), cultura (artigo 216, §1º), meio  ambiente (artigo 225), proteção da criança e do adolescente (artigo 227, §1º) e saúde (artigo 197, caput; 198, III). Estes dispositivos permitem inferir que a Constituição repartiu, em diversos setores sociais, as responsabilidades entre Poder Público, sociedade, família e a iniciativa privada.

O princípio da subsidiariedade também é implicitamente albergado na Constituição para disciplinar a atuação do Estado na economia, na medida em que, nos termos do artigo 170 e demais dispositivos que regulam a ordem econômica constitucional, apenas será possível um atuar direto do Estado (por meio da prestação de serviço público ou constituição de empresa estatal que atue no mercado) ou indireto, mediante incidência regulatória caso essa atuação seja necessária para a preservação de valores ou interesses públicos cuja proteção ou promoção não possa prescindir da atuação estatal.

Conforme afirma Baracho, a relação entre constituição e sistema econômico é frequente nas constituições modernas, que contemplam pautas fundamentais em matéria econômica, âmbito da constituição que (i) regula a iniciativa privada; (ii) define o modo de intervenção da iniciativa pública na economia, sendo exemplo disso a Constituição de 1988[18]. Sendo assim, é necessária a devida motivação do ato regulador/atividade direta para justificar a restrição à liberdade de iniciativa, razões estas que deverão estar lastreadas no interesse geral da coletividade.

Entretanto, a doutrina diverge quando a recepção, ou não, do princípio no direito brasileiro, matéria explorada com detalhes no item IV deste artigo.

 

 

III - O TERCEIRO SETOR

 

3.1. O Terceiro Setor.

 

No Brasil, o crescimento do chamado Terceiro Setor ocorreu por meio de reforma administrativa, a partir da edição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995. Este documento norteou propostas de Emendas Constitucionais e modificações legislativas. As modificações tinham como intuito o controle fiscal e o incremento na eficiência no manejo da coisa pública.

Nessa toada, Egon Bockmann Moreira ensina:

 

A partir dos anos 90 um dos objetivos da Reforma Administrativa instalada no Brasil foi justamente o de criar meios jurídicos para estimular a transferência de determinadas atividades estatais a entidades particulares, que atenderiam a interesses públicos desvinculados do assim denominado "núcleo estratégico", configurado por funções essenciais à definição e execução das políticas públicas (Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e determinados setores do Poder Executivo).[19]

 

Tiago Marrara e Natália Cesário afirmam que, a partir da reforma, o Estado passou a se interessar no fortalecimento do Terceiro Setor, primeiramente a nível federal e daí por vários outros entes federados, e continuam: “Desde esse período, passou-se a incentivar intensamente a corresponsabilidade das entidades privadas, sem fins lucrativos, para a prática de atividades socialmente relevantes.”[20].

Nesse contexto, surgiram novas formas de parcerias entre o setor público e o privado, principalmente para a prestação de serviços públicos[21], aumentando a atuação do chamado Terceiro Setor.

São várias as definições de Terceiro Setor e alguns autores chegam a questionar se este termo é correto. Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua Terceiro Setor como “aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado.”[22]

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o Terceiro Setor é uma “inventiva da criatividade dos administradores ou economistas do período do apogeu do neoliberalismo entre nós”, acredita que este termo traz muita confusão. O termo, para Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

Designa entidades que não são estatais e também não são prepostas a objetivos mercantis, predispondo-se, ao menos formalmente, à realização de objetivos socialmente valiosos e economicamente desinteressados.[23]

 

Já, Gustavo Justino de Oliveira define Terceiro Setor como:

 

[...] o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por entidades privadas não governamentais e sem ânimo de lucro, realizadas em prol da sociedade, independentemente do Estado e mercado, embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos.[24]

 

Nas palavras de Marçal Justen Filho:

 

Tem sido utilizada a expressão terceiro setor para indicar esse segmento, de modo a diferenciá-lo do Estado propriamente dito (primeiro setor) e da iniciativa privada voltada à exploração econômica lucrativa (segundo setor). O terceiro setor é integrado por sujeitos e organizações privadas que se comprometem com a realização de interesses coletivos e a proteção de valores supraindividuais. Enfim, é uma manifestação da sociedade para promover a realização dos direitos fundamentais, especialmente em vista da constatação da insuficiência dos esforços estatais para o atingimento de tais objetivos.[25]

 

Por sua vez, Egon Bockmann Moreira conceitua o Terceiro Setor como “um espaço privado, destinado ao cumprimento de tarefas com índole e finalidades públicas, mediante fomento estatal”.[26]

Os conceitos dos doutrinadores apontam que o Terceiro Setor é composto por entidades da iniciativa privada que prestam atividade de interesse público, sem fins lucrativos, mediante parcerias com o Poder Público ou não.

 

3.2. Entidades do Terceiro Setor

 

Juridicamente, as entidades privadas sem fins lucrativos de finalidades sociais que compõe o Terceiro Setor são associações civis ou fundações de direito privado.

As fundações privadas são reguladas pelo direito civil. Estas entidades sofrem controle externo, sendo subordinadas ao Ministério Público. Elas podem receber subsídios do Poder Público. As associações civis, por seu turno, têm natureza associativa, pois são constituídas mediante acordos de vontades entre particulares. Sua finalidade é destituída de cunho econômico, voltada à satisfação de um interesse público.[27]

Estas entidades podem obter diferentes títulos/categorias e benefícios fiscais mediante habilitação perante o Poder Público. O enquadramento destas entidades em categorias não vem obedecendo a uma terminologia uniforme. As categorias e os requisitos para a concessão destes títulos estão contidos em diferentes diplomas normativos.

A Lei nº 9.637/1998 consagrou a figura da organização social, pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

A Lei nº 9.790/1999 estabeleceu outra categoria de entidade, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Esta categoria é similar à organização social, mas possui requisitos mais objetivos para obter a qualificação. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro a OSCIP é uma:

 

[...] qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria.[28]

 

As OSCIPs possuem um maior distanciamento do Estado em relação às organizações sociais, pois o Estado não pode ceder servidores e nem participa da gestão interna destas entidades.[29]

Ademais, a Lei nº 13.019/2014 trouxe outro conceito destas entidades, mais amplo, o de Organização da Sociedade Civil (OSC), incluindo as entidades privadas sem fins lucrativos, as sociedades cooperativas e as organizações religiosas.[30]

 

3.3. Instrumentos de parcerias com o terceiro setor

 

3.3.1. Contrato de gestão

 

O contrato de gestão é firmado entre as organizações sociais e o Estado, é regulado pela Lei nº 9.637/1998. O artigo 5º do referido diploma conceitua contrato de gestão como “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades [...]”.

Através do contrato de gestão podem ser repassados para a organização social recursos orçamentários, bens públicos e serem cedidos servidores públicos. Este instrumento é realizado por dispensa de licitação.

Sobre a natureza jurídica do contrato de gestão Hely Lopes Meirelles entende que:

 

Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Trata-se mais de um acordo operacional – acordo de Direito Público – pelo qual o órgão superior da Administração direta estabelece, em conjunto com os dirigentes da entidade contratada, o programa de trabalho, com a fixação de objetivos a alcançar, prazos de execução, critérios de avaliação de desempenho, limites para despesas, assim como o cronograma da liberação dos recursos financeiros previstos.[31]

 

Marçal Justen Filho, por outro lado, compreende que o contrato de gestão assemelha-se a um convênio, “eis que se trata de um acordo de vontades orientado a conjugar esforços para desempenho de atividades destituídas de intuito lucrativo, que satisfazem interesses coletivos.”[32].

Tarso Cabral Violin entende que os contratos de gestão “têm a mesma natureza dos contratos administrativos, e não convênios, pois neles há interesses contraditórios, nos quais a Administração pretende que determinado serviço seja realizado e pagará para que as organizações sociais o realize.”. Além disso, o autor afirma que nestes contratos existem as prerrogativas da Administração existentes nos contratos administrativos, apesar de reconhecer que estes contratos possuem algumas peculiaridades.[33]

O autor Egon Bockmann Moreira possui posicionamento bem diferente, ao destacar que os “contratos de gestão têm natureza jurídica que poderia ser qualificada de ‘acordos cooperativos funcionalizados’: manifestações plurilaterais de compromisso, cujos objetivos devem ir além dos limites dos interesses íntimos dos participantes.”[34].

 

3.3.2. Termo de parceria

 

O termo de parceria é um acordo de vontades firmado entre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e a Administração Pública, regido pela Lei nº 9.790/1999. O termo de parceria foi criado, assim como o contrato de gestão, objetivando um maior controle de resultados destas parcerias, entretanto, possui requisitos mais rígidos do que o contrato de gestão.[35] Assim, o termo de parceria difere do contrato de gestão nos requisitos de contratação e formalização.

Tarso Cabral Violin entende que os termos de parceria têm a mesma natureza jurídica que os contratos administrativos, com suas peculiaridades.[36] Já, Egon Bockmann Moreira entende que os termos de parceria tem natureza jurídica semelhante aos contratos de gestão.[37]

Maria Sylvia Di Pietro compreende que os termos de parceria “têm a mesma natureza que os convênios, trata-se de acordos de vontades, em que os partícipes objetivam a um fim de interesse comum [...].”[38].

 

3.3.3. Instrumentos de parceria da Lei nº 13.019/2014

 

Com o surgimento da Lei nº 13.019/2014 aos instrumentos tradicionais foram somadas novas modalidades de ajustes, com ou sem transferências de recursos públicos à entidade do Terceiro Setor. Os instrumentos trazidos por este diploma normativo são o Termo de Colaboração, o Termo de Fomento e o Acordo de Cooperação.

Estes instrumentos são vinculados às relações da Administração com as entidades enquadradas no conceito de Organização da Sociedade Civil (OSC).

O inciso VII do artigo 2 da Lei nº 13.019/2014 define que Termo de Colaboração é um “instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros”.

O inciso VIII do mesmo dispositivo estabelece que Termo de Fomento é um “instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros”.

Segundo Maria Sylvia Di Pietro os dois instrumentos são praticamente iguais, a única diferença é que “enquanto o termo de colaboração é proposto pela Administração Pública, o termo de fomento é proposto pela organização da sociedade civil.”[39].

O Acordo de Cooperação é conceituado pelo inciso VIII-A do artigo 2 da Lei como o “instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros”. Este distingue-se dos dois primeiros, pois não envolve transferência de recursos financeiros.

 

IV – O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E O TERCEIRO SETOR: A QUESTÃO DA ATIVIDADE DE FOMENTO

 

Superada a questão da recepção do Princípio da Subsidiariedade na nossa ordem constitucional, e apresentado os principais contornos do Terceiro Setor no Direito Brasileiro, é preciso investigar a relação entre o Terceiro Setor e o Princípio da Subsidiariedade. Essa relação estaria, a nosso ver, na atividade administrativa de fomento.

É mister pontuar que a doutrina nacional se divide bastante sobre o tema. Por um lado, os que sustentam o não acolhimento do Princípio da Subsidiariedade no ordenamento jurídico pátrio, fundamentam a atividade administrativa de fomento no Princípio da Supremacia do Interesse Público.

O Prof. Rafael Valim, ao sustentar que o chamado “Estado Subsidiário” retrata uma concepção liberal-individualista de Estado, se afastando do modelo de Estado Social preconizado pela Carta Magna, assevera que, ao contrário das Constituições de 1937 e 1967, na Constituição de 1988 “o fundamento para a intervenção estatal nos domínios econômico e social radica no interesse público e não no ‘princípio da subsidiariedade’”[40].

Além disso, o citado administrativista, reforçando o ponto defendido, diz que:

 

Ao Estado brasileiro não é permitido esperar, passivamente, que a iniciativa privada busque a satisfação de interesses coletivos, senão que está obrigado a concretizar, através de políticas públicas e serviços públicos, os direitos fundamentais contemplados na Constituição Federal.[41]

 

Em conclusão de seu pensamento, Rafael Valim assevera que:

 

Em resumo, impõe-se uma leitura da atividade de fomento enquanto valioso instrumento do Estado Social de Direito brasileiro para a consecução de suas finalidades. Não se trata, como dito, e uma atividade subsidiária, incidente sobre deficiências do mercado, mas de uma atuação planejada do Estado destinada à efetivação de interesses públicos.[42]

 

No mesmo sentido, o Prof. Emerson Gabardo, ao tratar do Princípio da Subsidiariedade e sua possível incidência na intervenção no domínio econômico e social, aponta que é o interesse público o fundamento da norma constitucional interventiva[43]. Aponta, o referido autor paranaense:

 

Quando se tem o desenvolvimento tanto como um direito fundamental dos indivíduos, quanto como um objetivo ou política pública obrigatória (como no caso do brasil), não como se esperar do Poder Público posicionar-se como se fosse uma instância secundária e suplementar. Sempre que for identificada a presença de interesse público pelos representantes eleitos, que, afinal, são pessoas investidas da prerrogativa de responsabilidade oficial pela construção da sociedade sob as bases constitucionais da dignidade e da felicidade, o Estado deverá atuar de forma plena e primária.[44]

 

Além disso, no caso específico da intervenção estatal no domínio social, principalmente no tocante aos artigos referentes à possibilidade de participação da sociedade civil nos serviços sociais de assistência social (artigo 204), seguridade social (artigo 194), saúde (artigo 198) e educação (artigo 209, 213 e 227), apontado pela doutrina como sendo fundamento do Princípio da Subsidiariedade, Emerson Gabardo, rechaçando esse entendimento, assevera que estes artigos, na realidade, possibilitam uma atuação “concertada entre o Estado e a sociedade civil, mediante o exercício da participação popular, do que propriamente estabelecem um caráter secundário ou acessório da atuação estatal”[45].

Ademais, para o professor paranaense, tais artigos impõe uma obrigação de intervenção estatal, que não é excepcionada, nem parcialmente, por qualquer indicativo de caráter assessório[46]. Diante do exposto, o que justificaria a intervenção no domínio social seria o interesse público, podendo haver, se o interesse público no caso concreto autorizar, a possibilidade de haver “parcerias” com a sociedade civil, sem qualquer tipo de caráter subsidiário da atuação estatal.

Por outro lado, grande parte da doutrina entende que a intervenção social e econômica do Estado através da atividade administrativa de fomento é decorrente da aplicação do Princípio da Subsidiariedade.

O Prof. Silvio Luís Ferreira da Rocha , um dos mais respeitados administrativistas brasileiros, sustenta que o fomento é, das funções do Estado, “a mais afeta ao princípio da subsidiariedade”, constituindo-se em um dos instrumentos da subsidiariedade[47].

Com base nos ensinamentos de Silvia Faber Torres, uma das primeiras a tentar delinear o conteúdo do referido princípio entre nós, Silvio Luís Ferreira da Rocha afirma que todo o fomento efetuado pela Administração Pública “erige-se sobre o suposto de que existem atuações privadas que satisfazem interesses públicos e que, por isso, devem ser por ela instigadas e subsidiadas.”[48].

Assim, para o autor, esta ação persuasiva e instigadora do Estado se perfaz no aspecto positivo do Princípio da Subsidiariedade, pois o fomento é instrumento “despido de compulsoriedade e subsidiário, porquanto não substitui os administrados nas responsabilidades que lhe são próprias.”[49]. Por fim, conclui Silvio Luís Ferreira da Rocha:

 

Por intermédio da atividade de fomento o Estado deve estimular a atividade desses corpos intermédios – realizando, assim, o princípio da subsidiariedade -, agindo, contudo, dentro de rigorosos limites de razoabilidade e excepcionalidade, sob pena de essa ação torna-se um privilégio injustificado em favor de alguns grupos sociais e, de outro lado, manter a sociedade sob a dependência constante do Poder Público.[50]

 

Na mesma toada, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao defender que do Princípio da Subsidiariedade faz decorrer, dentre outras, o dever do Estado de fomentar, coordenar e fiscalizar a iniciativa privada, argumenta que:

 

As técnicas administrativas de fomento não são atuais: eram conhecidas na Idade Média. A valorização e o auge da atividade de fomento estão ligados à aparição do moderno Estado Social de Direito, que, vendo muito mais do que a simples garantia da ordem pública, procura atender e satisfazer uma série de necessidades e exigências da comunidade que são de interesse público e que podem ser adequadamente alcançadas por meio da atividade particular, que por isso mesmo é protegida e estimulada pela Administração.[51]

 

Para nós, essa segunda corrente nos parece a mais correta. Com efeito, a atividade de fomento às entidades de Terceiro Setor, por meio das mais diversas espécies de subvenção[52] existentes no direito brasileiro, cristaliza o Princípio da Subsidiariedade entre nós.

É patente que o Estado Brasileiro, na sua feição constitucional, só deve agir quando o interesse público assim demandar. Contudo, o Princípio da Supremacia do Interesse Público não explica, isoladamente, o dever de fomento por parte da Administração Pública, pois todo agir da Administração Pública deve ser pautada pelo Interesse Público.

É importante pontuar que o Princípio da Subsidiariedade, por seu caráter neutro[53], não implica numa maior intervenção ou menor intervenção no domínio social e econômico, apenas implica no dever da Administração Pública de fomentar e respeitar a esfera de atuação da iniciativa privada, devendo se restringir aos limites do papel atribuído ao Estado pela Constituição.

Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, o Estado Brasileiro é, por decisão do constituinte originário, obrigado a prestar os serviços públicos sociais de educação, saúde e assistência social, dentre outros.

Entretanto, por decorrência do Princípio da Subsidiariedade, também possui o dever de fomentar os grupos intermediários e a sociedade civil a prestar também esses serviços de interesse público, subvencionando-a quando não for possível estas entidades atingirem seus propósitos com seus próprios recursos.

Dentre esses grupos intermédios, estão as entidades sem fins lucrativos, que também são denominadas de Terceiro Setor. Silvio Luís Ferreira da Rocha assevera que:

 

Para que estes grupos intermédios atendam aos requisitos da subsidiariedade há necessidade de que eles – os entes intermédios – sejam autônomos; atendam às suas finalidades específicas; atuem com subordinação às exigências do bem comum; e realizem suas operações em colaboração mútua.[54]

 

Por decorrência lógica, é possível concluir que as diversas técnicas de fomento existentes no Direito Brasileiro para o Terceiro Setor, principalmente os diversos tipos de subvenção[55] adotados entre nós, reforça-se, se perfazem em meios legítimos de atuação estatal no atingimento do interesse público, concretizando o Princípio da Subsidiariedade, por instigar e subsidiar a atuação da sociedade civil no domínio social.

 

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Em sede de considerações finais, é preciso ressaltar todas as conclusões realçadas neste artigo. Primeiramente, é incontroverso que, para nós, o Princípio da Subsidiariedade, de origem como Princípio de Filosofia Social, foi albergado, na Constituição da República, como Princípio da Ordem Jurídica.

Seja no sentido vertical, com a repartição de competências entre os entes federativos, seja no sentido horizontal, extraída de diversos dispositivos constitucionais que cuidam da divisão de competências entre o Ente Estatal e a sociedade em seus diversos setores, de forma coletiva ou individualizada, bem como na regulamentação da atuação estatal na economia.

Além disso, malgrado o entendimento de parte da doutrina de que a atividade estatal de fomento tenha como diretriz o Princípio da Supremacia do Interesse Público, nos parece que, igualmente, é um meio de concretização do Princípio da Subsidiariedade, pois o Estado instiga e incentiva a atuação da sociedade civil e dos corpos intermédios na atuação de atividades econômicas e sociais.

Dentre as atividades de fomento que concretizam o Princípio da Subsidiariedade, está, sem dúvidas, a subvenção às entidades sem fins lucrativos, comumente denominadas de entidades do Terceiro Setor, através dos diversos ajustes bilaterais existentes no Direito Brasileiro, tais como o Contrato de Gestão, o Termo de Parceria, o Termo de Colaboração e o Termo de Fomento, tratados neste artigo.

Por fim, conclui-se que o princípio da subsidiariedade não sufraga a ideia de mão invisível e de Estado Mínimo. Conforme já se expôs, sob a perspectiva positiva, ao tempo que impede uma atuação intervencionista do Estado excessiva, por outro lado, exige uma ação do Estado, devendo sempre levar em consideração as especificidades da sociedade em foco, o ordenamento jurídico específico no tempo e no espaço de aplicação.

           

 

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[1] GABARDO, Emerson. Interesse Público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Forúm, 2010. p. 216.

[2] PIO XI, Papa. Quadragesimus Anus. Vaticano: 1931. p. 78-80.

[3] JOÃO XXIII, Papa. Pacem in Terris. Vaticano: 1963. p. 139-140.

[4] JOÃO PAULO II, Papa. Centesimus Annus. Vaticano: 1991. p. 48.

[5] Ibidem. p. 35.

[6] Ibidem. p. 48.

[7] JOÃO PAULO II. Centesimus Annus. op. cit., p. 48.

[8] Ibidem. p. 48.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 20.

[10] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 32.

[11] CAVALCANTI, Thais Novaes. O princípio da subsidiariedade e a dignidade da pessoa: Bases para um novo federalismo. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, SP, v. 67/2009, p. 258-277, abr./jun. 2009, p. 266.

[12] BARACHO. O princípio de subsidiariedade. op. cit., p. 46.

[13] TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo. São Paulo: Renovar, 2001. p. 211-212.

[14] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 150.

[15] BARACHO. O princípio de subsidiariedade. op. cit., p. 46.

[16] Cf. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador. n. 4, nov/dez 2005, p. 13.

[17] O poder de fomento do estado, também designado de intervenção por indução, visa a incentivar os administrados ou entidades, públicas ou privadas, a comportar-se de determinada maneira conveniente ao interesse público. A função do incentivo é estimular ou desestimular atividades de alçada dos particulares, afigurando-se o Estado como “promotor da economia”. Por ela, apresenta-se ao particular uma espécie de convite, por meio de normas diretivas que, de acordo com Eros Grau: “Embora sejam normas prescritivas, não são dotadas da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por indução. Leva os seus destinatários a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcendem o limite do querer individual – convite, estímulo, incentivo. Se a há aceitação – aí então o particular vincula-se à norma, devendo cumpri-la.”.

[18] BARACHO. O princípio de subsidiariedade. op. cit., p. 38

[19] MOREIRA, Egon Bockmann. Terceiro setor da Administração Pública. Organizações Sociais. Contrato de Gestão: Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e seus" vínculos contratuais" com o Estado. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 277: 309-320, jan./mar. 2002. p. 312.

[20] MARRARA, Tiago. CESÁRIO, Natália de Aquino. O que sobrou da autonomia dos estados e municípios para legislar sobre parcerias com o terceiro setor?. In: Parcerias com o terceiro setor: as inovações da Lei n. 13.019/14. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 95.

[21] VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 127.

[22] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 626.

[23] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 229.

[24] OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Terceiro setor e o direito administrativo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: . Acesso em: 08.12.2017.

[25] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 329.

[26] MOREIRA. Terceiro setor da Administração Pública. op. cit., p. 312.

[27] JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo. op. cit., p. 331.

[28] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 277.

[29] MOREIRA. Terceiro setor da Administração Pública. op. cit., p. 314.

[30] MARRARA. CESÁRIO. O que sobrou da autonomia dos estados e municípios para legislar sobre parcerias com o terceiro setor?. op. cit., p. 96.

[31] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006. p. 266.

[32] JUSTEN FILHO. Curso de direito administrativo. op. cit., p. 334.

[33] VIOLIN. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. op. cit., p. 256.

[34] MOREIRA. Terceiro setor da Administração Pública. op. cit., p. 318.

[35] VIOLIN. Terceiro setor e as parcerias com a administração pública: uma análise crítica. op. cit., p. 259-300.

[36] Ibidem. p. 264.

[37] MOREIRA. Terceiro setor da Administração Pública. op. cit., p. 319.

[38] DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. op. cit., p. 280.

[39] DI PIETRO. Direito Administrativo. op. cit., p. 660.

[40] VALIM, Rafael. A subvenção no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Contracorrentes, 2015. p. 37-38.

[41] Ibidem. p. 38-39.

[42] Ibidem. p. 39.

[43] GABARDO. Interesse Público e subsidiariedade. op. cit., p. 229-230.

[44] Ibidem. p. 229-230.

[45] Ibidem. p. 247.

[46] Ibidem. p. 247.

[47] ROCHA, Silvio Luís Ferreira da Rocha. Terceiro Setor. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 16.

[48] ROCHA. Terceiro Setor. op. cit., p. 16-17.

[49] Ibidem. p. 17.

[50] Ibidem. p. 17.

[51] DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública. op. cit., p. 24.

[52] Aqui se adota o conceito de subvenção, espécie de fomento, definido por Rafael Valim (2015, p. 89): “A subvenção é uma relação jurídico-administrativa típica, caracterizada por uma prestação pecuniária do Estado em favor de um sujeito de direito privado, ao qual corresponde aplicar os valores percebidos, desinteressadamente e com a concorrência de recursos ou bens próprios, no desenvolvimento de uma atividade revestida de interesse público.”.

[53] TORRES, Silvia Faber. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 111-117.

[54] ROCHA. Terceiro Setor. op. cit., p. 15.

[55] Rafael Valim explica (2015, p. 130): “Talvez concorra para este entendimento da doutrina a falsa premissa de que as subvenções constituiriam somente um dos instrumentos jurídicos da atividade de fomento, ao lado dos convênios (Lei n. 8666/93), dos contratos de gestão (Lei n. 9.637/98), dos termos de parceria (Lei n. 9.790/99), dos termos de colaboração e termos de fomento (Lei n. 13.019/14) e quejandos. Em verdade, porém, estes ‘módulos convencionais de cooperação’, quando envolvem o trespasse de direito público, dão nascimento, bilateralmente, a relações jurídico-administrativas subvencionais.”

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