O Princípio da Saisine como forma de proteção dos bens do "de cujus"

Por Yuri Alexieivig Mendes de Almeida | 04/12/2009 | Direito

Como se sabe, no Brasil, o ordenamento jurídico buscou regular de maneira exaustiva todo o procedimento sucessório atinente à herança, desde os procedimentos testamentários, até a partilha e distribuição dos bens que compõem o espólio de "de cujus".

No decorrer da regulamentação de tais matérias, o Código Civil de 2002 acolheu o Princípio da Saisine, cuja origem nos remete há séculos atrás. Mas para leitores de primeira viagem, incluindo os próprios estudantes das ciências jurídicas, durante um primeiro contato com a doutrina, surgem diversas indagações, tais como: Qual a origem de tal princípio? Como ele funciona? Qual é a sua finalidade? Como podemos aplicá-lo na vida prática?

Pois bem, esta é a finalidade deste breve artigo, ou seja, esclarecer algumas dessas indagações, no intuito de facilitar o desdobramento de toda a matéria sucessória.

Esclarece o Prof. Caio Mário que, "Na Idade Média, institui-se a praxe de ser devolvida a posse dos bens, por morte do servo, ao seu senhor, que exigia dos herdeiros dele um pagamento para autorizar a sua imissão. No propósito de defendê-lo dessa imposição, a jurisprudência no velho direito costumeiro francês, especialmente no Costume de Paris, veio a consagrar a transferência imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros, assentada a fórmula: Le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche. Com efeito, no século XIII a saisine era referida num Aviso do Parlamento de Paris como instituição vigente e os établissements de St. Louis lhe apontam a origem nos Costumes de Orleans" (Instituições, v. VI, Sucessões, 3. ed., Forense, p. 15).

O Princípio da Saisine está previsto no art. 1.784 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Em uma primeira leitura, já é possível se visualizar os traços que definem o conceito do Princípio em comento. O artigo supra mencionado deixa claro que aberta a sucessão, o que se dá no momento da morte do "de cujus", toda a herança se transmite aos herdeiros. Em outras palavras, o Princípio da Saisine é o responsável por transmitir a posse e a propriedade de todos os bens do "de cujus" no segundo posterior à sua morte, mesmo que os herdeiros, seja eles legítimos ou testamentários, ignorem o ocorrido (óbito).

Aberto o conceito do Princípio, a dúvida mais comum que surge na seqüência é o motivo pelo qual se deve transferir a posse da herança, ao passo que existem os procedimentos legais de inventário e/ou arrolamento de bens. A resposta é simples. De fato, existe todo um procedimento para se dividir a herança e formalizar a propriedade dos bens, entretanto, tanto a Ação de Inventário, quanto a de Arrolamento de Bens são procedimentos que demandam certo tempo. Todavia, o patrimônio que compõe a herança não pode ficar "vago" até a finalização dos procedimentos legais, entregue ao relento aguardando a transmissão oficial da posse e propriedade a seu novo dono, sob pena de aquele se consumir pelos efeitos do tempo, o que provavelmente acarretará sua diminuição, prejudicando os próprios herdeiros.

Com isto, visualiza-se a função plena do Princípio da Saisine, visto que, dado o falecimento do "de cujus", todo o patrimônio passa imediatamente a ser propriedade dos herdeiros, permitindo que estes pratiquem todos os atos efetivamente necessários à proteção do patrimônio, como por exemplo, os institutos possessórios (Ação de Busca e Apreensão, Reintegração de Posse, dentre outros), impedindo que conseqüências alheias prejudiquem a sua divisão no transcurso do procedimento sucessório regulado pelo Ordenamento Civil.

Portanto, é possível afirmar que o processo de Inventário somente materializa aquilo que já existe de acordo com o Princípio da Saisine.

Como forma de visualizar a aplicação do Princípio da Saisine, transcreve-se a seguinte juriprudência:

INVENTÁRIO. ABERTURA DA SUCESSÃO. TRANSMISSÃO. CAPACIDADE SUCESSÕRIA. PRINCÍPIO DA 'SAISINE'. 1. ocorrendo a morte deuma pessoa que deixa bens, deve ser observado o processo deinventário para se efetivar a entrega do patrimônio aos herdeiros. 2. O patrimônio se transmite instantaneamente aos herdeiros e sucessores com a morte da pessoa, por decorrência do princípio da 'saisine'. inteligência do art. 1.572 do CCB/1916 (e art. 1.784 do CCB/2002). 3. O encerramento ou não do processo de inventário nada tem a ver com a transmissão do patrimônio em razão da morte de alguém e não interfere na ordem de vocação hereditária. 4. Se o cônjuge supérstite era o único herdeiro da esposa, o patrimônio desta transmitiu-se para ele nomomentoda morte dela, e, com a morte deste devem ser chamados a sucedê-lo os seus herdeiros. Recurso desprovido.

Por todo o exposto, é possível constatar a importância do Princípio da Saisine, bem como sua razão de existir, consignada na proteção e conservação do patrimônio nas mãos dos herdeiros do "de cujus", até a efetiva materialização através do Procedimento de Inventário.

BIBLIOGRAFIA

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Volume VII. 3ª edição. Editora Saraiva, 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. Coleção Direito Civil: V.VII. São Paulo: Atlas, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instruções de Direito Civil. V.6 Sucessões. 12ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 2000.

Código Civil Brasileiro, disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em 04.12.2009.