O princípio da legalidade tributária e o poder regulamentar

Por bruna oliveira fernandes | 29/05/2014 | Direito

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E PODER REGULAMENTAR

 

Bruna Oliveira Fernandes

Advogada

Mestranda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP

 

 

SUMÁRIO: 1 Princípio da legalidade e Estado Democrático de Direito. 2 Princípios da legalidade tributária. 3 Poder regulamentar: seu alcance e seus limites. 4. Conclusão. Referências.

 

 

1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

“Antes de tudo, não se deve confundir o poder; nem com o Ser que o tem (o poder é uma força imanente ao ser), nem com o órgão que o exerce” (BECKER, 2007, p. 192).

 

1.1 Noções introdutórias: Estado Moderno e sua evolução.

 

A titularidade do poder e a relação decorrente do seu exercício são fatos que desencadearam e desencadeiam constantemente alterações no mundo jurídico e no mundo fenomênico. A concepção do que é o poder, de onde ele vem e quem o detém ao longo da história refletem o dinamismo social e as constantes transformações das relações sociais.

No Estado Antigo o poder era centralizado nas mãos dos reis, faraós ou imperadores, período relatado por Paulo Bonavides (2010, p. 34) como sendo em uma extremidade a força das tiranias imperiais do Oriente, e na outra extremidade o direito consuetudinário presente na pólis grega ou na res publica romana.

Com a decadência do Império Romano aos poucos surgiu o Feudalismo na Europa no período da Idade Média. Nesse sistema social o poder era descentralizado em vários territórios, o soberano, senhor feudal, o exercia dentro dos feudos, impondo sua vontade sobre a vontade dos servos e camponeses.

Já no fim da Idade Média, os Estados Absolutistas surgiram como forma de unificação e centralização do poder que tinha origem natural e divina, essa centralização desencadeou o fim do feudalismo.

Com o surgimento do Estado Moderno nasce a noção de soberania, muito embora ainda não houvesse a concepção do Estado Nação ou do povo, como bem ressalta Bonavides (2010, p. 35):

Mas nunca deslembrar que foi a soberania, por sem dúvida, o grande princípio que inaugurou o Estado Moderno, impossível de constituir-se se lhe falecesse a sólida doutrina de um poder inabalável e inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade central, unitária, monopolizadora de coerção.

Entre os filósofos absolutistas mais renomados destacamos Nicolau Maquiavel, que expôs o termo “Estado” em sua clássica obra “O Príncipe”. Termo que se consagrou apenas tempos mais tarde.

Nas monarquias absolutistas europeias gradativamente houve a diminuição da fundamentação do poder na origem divina, na divindade, dando espaço ao surgimento da ideia de um contratualismo social.

Pelo contrato social para que houvesse segurança deveria ser sacrificada a liberdade geral para a conservação social (BONAVIDES, 2010, p. 38). O absolutismo decaiu em virtude do abuso de poder que gerou instabilidade social e a revolta da classe burguesa que após a Revolução Francesa em 1789 assume o poder.

O direito natural, até então amplamente predominante, perde sua força devido a ausência de segurança nas relações sociais que exigiam a positivação das normas como forma de instrumento de controle estatal e segurança, firmando a prevalência do direito positivo, como se pode perceber nas lições de Becho (2009, p. 175):

Do ponto de vista doutrinário, a partir do Leviatã de Hobbes (1651) firma-se o direito positivo, que demorará várias décadas para se tornar hegemônico (século XIX). Como referências históricas, a passagem do direito natural para a prevalência do direito positivo está na Revolução Gloriosa em 1688 e na Revolução Francesa em 1789.

A necessidade de limitação do poder através da edição de leis com o consentimento popular, marca o surgimento do Estado constitucional, que como relata Bonavides (2010, p.43) passou por três fases: Estado Liberal (com a separação dos Poderes), Social (Estado dos Direitos Fundamentais) e por último o Democrático.

A passagem do antigo ao novo Estado marcava, por igual, o começo de uma época constitucional, derivada da ruptura dos princípios de legalidade e legitimidade que andaram juntos numa bem-sucedida linha de harmonia e equilíbrio enquanto o Estado Liberal pôde manter incontrastável a hegemonia do ascendente burguês no seio da sociedade de classes. (BONAVIDES, 2010, p.49)

Enquanto a legalidade é a observância da lei, a legitimidade é a verificação da conformidade com o sistema, com os valores. A ruptura da legalidade e legitimidade desencadeada pela insuficiência da primeira, que prevaleceu durante todo o Estado Liberal, fez com que o novo modelo estatal – Social – se voltasse para a concretização dos direitos fundamentais e não mais apenas a previsão dos mesmos.

O Estado passa, então, a intervir na economia e na sociedade, nesse período surgem os direitos de 2º e 3º gerações – liberdades positivas, direitos sociais e ao desenvolvimento.

O terceiro e atual estágio do Estado Constitucional – Estado Democrático Participativo, Estado Democrático de Direito – eleva a cidadania e a democracia ao status de direito fundamental de quarta geração.

Os cidadãos não só possuem direitos fundamentais protegidos que norteiam toda a legislação, como também influenciam nas decisões políticas do país.

1.2 Estado Democrático de Direito e Estado Constitucional

Interessante diferenciação terminológica faz Roque Antonio Carrazza (2012, p. 430) entre o Estado de Direito e o Estado Constitucional. No primeiro os atos do Executivo e do Judiciário submetem-se à legalidade, porém o legislativo é livre, “o absolutismo do Príncipe é substituído pelo absolutismo do Legislativo”; no segundo, assim como o Executivo e Judiciário, o Legislativo também é limitado, há um fundamento comum e intransponível: a Constituição.

No Estado constitucional “as Constituições refazem os códigos, de sorte que todo direito privado jaz debaixo da legitimidade haurida em princípios” (BONAVIDES, 2010, p. 56), esse é o momento de superação do positivismo radical, exacerbado, do velho brocado dura lex, sed lex, em que a lei se justificava por si só.

As leis passam a ser subordinadas à legitimidade para, então, serem válidas. José Afonso da Silva (2010, p. 424) ensina que a legalidade no Estado Democrático de Direito funda-se na legitimidade, diferentemente dos regimes totalitários, que até podem se basear em leis, mas estas são embasadas pela força.

O reencontro da legalidade e legitimidade confirma que o direito é um fenômeno cultural e que evolui juntamente com a sociedade e confirma também a historicidade dos valores sociais que mudam, surgem e ressurgem com o passar do tempo.

A ligação entre legitimidade e legalidade parece-nos ser a ideia e o pleito inicial de todas as revoluções populares que buscavam a limitação do poder do soberano e o reconhecimento de direitos fundamentais. Entretanto, em algum momento, que ainda não sabemos precisar qual foi, houve uma distorção: a lei se auto fundamentou, tornou-se autossuficiente (em certos Estados se fundamentou pela força) simplesmente por ser lei, e por mais esdruxula que fosse, deveria ser cumprida.

Alexandre de Moraes (2008, p. 5) atribui duas “grandes qualidades” ao Estado Constitucional: o Estado de direito e o Estado Democrático:

O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia da lei; (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; (4) separação de poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional; (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.

Conclui Alexandre de Moraes (2008, p. 5-6) que o Estado Democrático é responsável por afasta a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder, e que é o Estado Democrático de Direito que caracteriza o Estado Constitucional.

A relevância de uma Constituição, principalmente uma Constituição rígida, como é a atual brasileira, se dá pela solidez e segurança ao ordenamento jurídico que se firma sobre ela. Ela fornece os principais aspectos e diretrizes que o legislador e as pessoas devem seguir para a manutenção e melhoria da sociedade.

1.3   Princípio da Legalidade

O termo “princípio”, hodiernamente muito estudado, tem várias acepções. A expressão pode significar ponto inicial, primordial, fundamental, básico, origem de algo etc.

Robert Alexy (2011, p. 90) inovou o significado de princípio referindo-se a ele como “mandamento de otimização”, que estipula que algo deve ser concretizado da melhor maneira possível, expressando deveres e direitos prima facie, que somente no caso concreto apresentaria seus contornos definidos, e teria seu alcance e aplicação variáveis de caso a caso.

Sem ingressar no embate sobre o conceito, a definição, alcance e efeitos dos princípios para os diversos estudiosos do assunto, trataremos aqui de princípio como mandamento nuclear do sistema, nos exatos termos propugnados por Celso Antônio Bandeira de Mello (1996, p. 545), “disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo”.

Parece-nos claro que os princípios hoje fazem parte do trabalho construtivo da norma jurídica e eles são “decorrências lógicas”, “imprescindíveis para a compreensão de uma ordem, de uma sistematização” (BECHO, 2009, p. 130).

Assim, considerando a unicidade sistêmica conferida pelos princípios, podemos passar à análise de um especificamente, o princípio da legalidade, cuja importância e consequência se exporão de agora em diante.

1.3.2 Princípio da Legalidade: origem e conteúdo

Durante todo o Estado Moderno a população buscou ao máximo a proteção de seus direitos, de suas liberdades e de seus bens. Ponto histórico marcante na luta pela legitimação popular das atividades estatais que interferissem nesses direitos das pessoas ocorreu em 1215, na Inglaterra, com a assinatura da Carta Magna pelo Rei João Sem Terra.

A legalidade surge do esforço de ascensão política por parte da burguesia e de sua necessidade de impor mais controle à atuação estatal, para permitir a livre fruição de bens e a segurança das relações jurídicas privadas. (ARRUDA, 2006, p. 71).

Conforme demonstrado no início desse artigo, a sucessão de fatos e movimentos sociais – a evolução estatal – nos trouxe ao atual Estado Democrático de Direito, ou como ressaltado por Roque Carrazza, ao Estado Constitucional Democrático que tem suas implicações diretas no direito tributário, como assenta Geraldo Ataliba (2012, p. 29):

Antigamente, quando não se podia falar em estado de direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e estado de direito. Fora disso, é o arbítrio, o despotismo, v. Diritto Tributario, Giuffrè, 1956, Milão, p. 5, tradução de Dino Jarach). Hoje, o estado exerce este poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas suas manifestações, ao estabelecido na lei.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, CF/88), em que o poder popular (art. 1º, parágrafo único, CF/88) é exercido pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, que atuam de forma independente e harmônica entre si (art. 2º, CF/88).

Toda atuação dos poderes públicos está subordinada à Carta Magna, e desta decorre expressamente a necessidade de do consentimento popular para a interferência nos direitos e imposição de deveres à sociedade. “Editando a lei, a sociedade, por seus representantes imediatos (o legislador), se autorregula, vale dizer, se impõe normas que cercearão a liberdade e a propriedade de seus membros, tendo em vista o bem o comum” (CARRAZZA, 2012, p. 267).

A lei, instrumento de imposição da vontade popular, é o ato através do qual o Estado pode obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo, conforme dispõe o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988.

Esse dispositivo reflete um princípio ontológico do direito explicado na doutrina de Paulo de Barros Carvalho (v.g., Livre inciativa no direito tributário brasileiro: Análise do artigo 116 do Código Tributário Nacional, acessado no site www.barroscarvalho.com.br em 18.10.2012) que representa duas faces da mesma moeda, a primeira para os particulares: tudo o que não estiver juridicamente proibido, está juridicamente permitido; e a segunda se impõe ao sistema normativo público: tudo o que não estiver juridicamente permitido, está juridicamente proibido.

A lei meio de promoção da igualdade e de concretização das normas constitucionais, é ato legislativo geral e abstrato, que possui imperatividade e coercibilidade, editado pelo ente competente após regular processo legislativo.

Tal instrumento normativo é uma das principais garantias constitucionais e limita fortemente a atuação estatal, que somente podem agir nos termos previamente propugnados.

Renato Lopes Becho (2011, p. 374) assevera que não existe uma única visão sobre o princípio da legalidade. “Podemos identificar uma concepção que o destaca como o maior instrumento de proteção do cidadão, assim como ele pode ser visto apenas como uma regra”.

Entretanto, das próprias lições do autor captamos um alerta para os perigos de se reconhecer a legalidade apenas como regra que acarreta a reverência apenas o aspecto procedimental, renegando a observância do conteúdo da lei. Essa forma de entender o direito desencadeou acontecimentos trágicos na Alemanha pré-Segunda Guerra Mundial, no período nazista, que repercutiu globalmente na forma de pensar os direitos humanos e o próprio direito.

Ressaltamos com Roque Carrazza (2012, p. 376) dois aspectos do princípio da legalidade:

Preferimos destacar dois aspectos da legalidade: um formal e outro material. O formal, que pode aceitar o rótulo de limite objetivo, desenvolve a forma, o invólucro, o mecanismo. O material veicula a proteção dos valores sociais reconhecidos pelo legislador. O legislador deve trazer segurança ao direito que nasce na sociedade, as aspirações legitimas para todo o corpo social.

O princípio da legalidade é um princípio constitucional, também previsto no artigo 5º, II da Constituição da República. Para Alexandre de Moraes (2008, p. 42) enquanto o princípio da legalidade determina que a imposição de comportamentos forçados deve sempre provir de uma das espécies normativas fruto do processo legislativo constitucional, a reserva legal (princípio da reserva legal) restringe a determinação, especificando a espécie normativa, qual seja, a lei formal.

Desta forma também entende José Afonso da Silva (2010, 421), que o principio da legalidade expressa “reserva genérica ao Poder Legislativo”, pois o artigo 5º, II determina a imposição de deveres em virtude de lei. Assim aduz o autor “que os elementos essenciais da providência impositiva hão que constar da lei”, restando espaço para que outras normas constitucionais competem seu sentido.

Afonso da Silva (2010, p. 423) distingue assim, reserva relativa de lei e reserva absoluta da lei. No primeiro caso a matéria, em parte, é passível de ser tratada por fonte diversa da lei, no segundo caso (princípio da reserva legal ou reserva absoluta) a matéria a ser disciplinada deverá está toda contida na lei, com exclusão de atos infralegais.

Enquanto o princípio da legalidade admite a imposição de obrigações em virtude lei, o que possibilidade o tratamento da matéria definida em lei por outros atos normativos, a reserva legal não possibilita toda essa abrangência do tratamento da matéria por ato infralegal, entre os exemplos de reserva absoluta Silva cita o artigo 150, I, CF/88.

2        PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

 

2.1 Legalidade no Direito tributário

Inobstante o claro teor do artigo 5º, II, CR/88, o constituinte reforçou a proteção ao contribuinte e tornou a determinar no artigo 37, caput, que a administração pública (dentre ela a administração tributária) de todos os entes políticos deve obedecer ao princípio em análise.

Zelosa, a Constituição ainda reforça o mandamento no artigo 150, I determinando ser vedada exigência ou aumento de tributos pelas pessoas políticas sem lei que o estabeleça. Sobre a importância do fundamento constitucional da legalidade tributária (150, I) Roque Carrazza (2012, p. 272) afirma que dele decorre claramente que a exigência ou aumento de tributo não é simplesmente com base em lei, mas sim pela própria lei.

Os dispositivos acima aludidos garantem ao contribuinte o direito de somente serem tributados após minuciosa descrição legal, editada pela pessoa política competente. Surge daí a noção de autotributação, já que a lei que autoriza a invasão do patrimônio do contribuinte foi indiretamente editada por ele.

Tal consentimento é ínsito ao regime democrático e a forma de governo republicano, e ao próprio conceito de cidadania, representada pelo brocado “no taxation without representation”.

Isso nos faz refletir sobre outro ponto também de suma importância: o surgimento da legalidade (do consentimento) para proteger o homem e seus bens. Desde há muito tempo o Estado (ou o soberano) transfere para si parte da riqueza dos administrados e antes o que era feito por meio de força, hoje só pode ser feito por meio de lei. Nesse sentido Renato Lopes Becho (2009, p. 313) adverte:

Parece-nos, nessa linha, que as normas que compõem o direito tributário não visam à arrecadação, mas à proteção do contribuinte. Elas procuram fazer da arrecadação um ato de poder jurídico (não policial lato sensu), regrado, que projeta o homem em sua dignidade (CF, art. 1º), que respeite o devido processo legal etc. em favor dessa tese, sustentamos que existe a tributação independentemente do direito tributário. A história pode nos mostrar que existiam exações tributárias sem haver um complexo de normas a regulá-las.

Assim, tendo em vista da nítida interferência e apropriação do patrimônio do contribuinte pelo Estado, é necessário que haja maior rigidez da legalidade tributária relativamente ao princípio “geral” da legalidade. O CTN, no art. 97 arrola as matérias que devem ser tratadas especificamente por lei, é o que analisaremos no próximo item.

2.2 Estrita legalidade tributária – reserva legal

Na seara tributária o princípio da legalidade é escrito em negrito, com tinta forte. A proteção do contribuinte contra a fúria arrecadatória do Estado é essencial não só para a proteção da propriedade privada, mas também para a manutenção do modelo estatal Democrático de Direito.

Ao tratar sobre legalidade, José Afonso da Silva (2010, p. 428) afirma que relativamente ao fenômeno tributário a atividade estatal é subordina a uma legalidade específica, a estrita legalidade e que esta é composta tanto da reserva legal absoluta, quanto da anterioridade da lei tributária.

Nesse sentido afiança Roque Carrazza (2012, p. 281): “Também a conduta da Fazenda Pública, ao cobrar um tributo (atividade tipicamente administrativa), deve vir disciplinada numa lei ordinária, que minudencie os casos e o modo como deve ser aplicada”.

Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 208) que identifica a legalidade como um limite objetivo (e não um valor) afirma haver um plus na legalidade tributária dando sentido ao termo “estrita” escrito anteriormente ao termo “legalidade”, senão vejamos:

Esse plus caracteriza a tipicidade tributária, que alguns autores tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência imediata do princípio da estrita legalidade.

A limitação imposta pela legalidade tributária será satisfeita não apenas com a simples criação legal do instituto, trâmite do processo legislativo nas casas legiferantes, também se faz necessário que a lei seja isonômica, abstrata, geral, impessoal, irretroativa, com delimitação concreta e exaustiva do fato tributável e que observe todo o regime jurídico tributário constitucional, ou seja, deve-se ater ao conteúdo da lei – aspecto material da legalidade tributária.

Resta claro a necessidade de lei para instituir e/ou aumentar os tributos, mas que lei é essa? Passaremos então a essa análise tomando por base a Constituição que é a fonte principal do direito tributário.

Constitucionalmente previsto, o processo legislativo (federal) pode resultar em: emendas à constitucional (EC), leis complementares (LC), leis ordinárias (LO), leis delegadas (LD), medidas provisórias (MP), decretos legislativos e resoluções (artigo 59, CF/88). Mas nem todos esses atos legislativos são aptos criarem tributos.

A partir de interpretação sistemática do artigo 150, I, CF, considerando todo o ordenamento e a unidade da constituição, é possível afirmar que o veículo apto para a tarefa de inovar e alterar os tipos tributários é a lei ordinária.

Em alguns casos a própria Constituição exige lei complementar e quando é assim, ela o faz na grande maioria dos casos expressamente – os demais serão tratados por lei ordinária.

É preciso lei complementar nos casos de (i) empréstimos compulsórios (art. 148, CF), (ii) impostos residuais (art. 154, I, CF), (iii) contribuições residuais (art. 195, §4º, CF) e (iv) a definição de “grandes fortunas” para a instituição do respectivo imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CF).

À lei complementar foram reservados os assuntos que o constituinte quis cercar com uma maior estabilidade, que decorre do processo legislativo mais laborioso, com a exigência do quórum de aprovação por maioria absoluta (artigo 69, CF). Corroborando esse entendimento Roque Carrazza (2012, p. 300) assenta que

o termo “lei”, contido no susodito art. 150, I, deve – feita a ressalva supra – ser entendido stricto sensu, isto é, no sentido de lei ordinária. De fato a reserva de lei – princípio que este artigo consagrou, de maneira absoluta – assume forma de limitação ao Executivo vedando sua ingerência na tarefa de criar ou aumentar tributos.

Importante registrar que não obstante o profundo arcabouço de normas tributárias contido na Constituição e sua inegável supremacia que a põe no ápice da pirâmide jurídica do país, ela não pode instituir os tributos, pois há uma rígida divisão de competências – fator decisivo para a manutenção do pacto federativo – e, assim, cabe a cada ente político, por meio de seu respectivo Poder Legislativo fazê-los.

Da mesma forma que a Constituição não institui tributo, as emendas constitucionais (EC) também não o fazem. Por exemplo, a EC 39/2002 criou a possibilidade de instituição da COSIP, mas não instituiu essa contribuição.

Entendemos, juntamente com Carrazza, que a referida lei do artigo 150, I, CF é a lei em sentido estrito (lei ordinária e excepcionalmente a complementar). Diante disso, parece-nos claro que é incompatível o regime de resolução e de decretos legislativos. Por quê? Simplesmente porque para a confecção de uma lei é exigida a participação do Legislativo e Executivo (ato complexo), fato que não ocorre na edição das resoluções e dos decretos legislativos.

Mas medidas provisórias e leis delegadas podem instituir ou aumentar tributos? Esta resposta exigiria um pouco mais de esforço.

De forma sucinta, medida provisória é um ato do Presidente da República a ser adotado em casos de relevância e urgência, e que por disposição constitucional possui força de lei, mas não é lei, e somente é submetido ao crivo do Congresso Nacional posteriormente.

Após a EC 32/2001 o artigo 62 que trata de MP ganhou 12 parágrafos que disciplinaram todo o tratamento da espécie legislativa:

Por um lado essa EC limitou a possibilidade de reedição de MP (no décimo parágrafo), fato louvável; por outro ela passou a expressamente admitir (antes a CF era omissa), em seu parágrafo segundo, a criação e aumento de impostos, o que a primeira vista não parecia legítimo.

Mesmo com essa permissão a Constituição garante ao contribuinte que essa MP (que criar ou majorar imposto), em regra, somente terá eficácia após o exercício seguinte ao de sua conversão em lei.

Esse dispositivo protege o contribuinte ao passo que garante que o patrimônio do contribuinte somente será alcançado pelo fisco após a deliberação, votação e aprovação pelos representantes do povo, implica dizer que a tributação será realizada por lei e não por medida provisória, cumprindo assim a nosso ver, os requisitos da autotributação.

A necessidade de aprovação pelo Congresso para prolação de efeitos, entretanto, trás consigo uma contradição: Se a MP é editada por motivos de relevância e urgência, é satisfatório que ela somente surta efeitos no exercício seguinte SE aprovada no exercício em que foi editada? Parece-nos que não.

O próprio parágrafo segundo prevê algumas exceções: imposto sobre importação, imposto sobre exportação, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operações financeiras. Para tais impostos a MP valerá imediatamente, o que se justifica pelo nítido caráter extrafiscal dessas exações.

Por fim, é possível a instituição e majoração de impostos por lei delegada – LD? Discussão semelhante à que travamos com a MP. Inicialmente registra-se que é constitucionalmente vedada a edição de LD sobre matéria reservada à lei complementar, conforme artigo 68, §1º, CF. Também por vedação expressa não é permitido a edição de LD sobre direitos individuais. Entendemos ser incompatível o regime da LD com a instituição e aumento de tributos.

Em síntese: os instrumentos normativos aptos a criar e majorar tributo são a lei ordinária e, em casos restritos, a lei complementar. Nas situações em que a lei ordinária for possível também será a lei delegada e a medida provisória (inobstante todas as críticas doutrinárias), cada qual respeitando seus respectivos procedimentos constitucionais.

2.3 Princípio da Tipicidade Tributária

Enquanto o princípio da estrita legalidade ou da reserva legal refere-se à forma pela qual determinada matéria será tratada, o principio da tipicidade refere-se ao conteúdo da lei tributária.

Ele se remete à noção de tipificação e tipicidade. O primeiro relativamente a formação do tipo tributário, a atividade legislativa, que deve conter todos os elementos básicos da regra-matriz de incidência. Já a tipicidade é a própria qualificação do tipo (TORRES, 2006, p. 9).

Prevalece no Brasil a doutrina que adere a tipicidade fechada, como assevera Alberto Xavier (1978, p. 94) “princípio da tipicidade ou da reserva absoluta de lei tem como corolários o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada”.

Carrazza (2012, p. 280) refere-se ao tipo tributário como a descrição material da exação afirmando ser ele “um conceito fechado, seguro, exato, rígido, preciso e reforçador da segurança jurídica” demonstrando que não basta apenas a conformidade com a lei, também é necessário que se observe o conteúdo da mesma.

Há muita polêmica em torno da “tipicidade”, ou da “especificação conceitual”, ou do “conceito fechado”, ou ainda “determinação”. A polêmica envolve também a adoção ou não pelo ordenamento jurídico brasileiro da obrigatoriedade de todos os critérios da regra matriz de incidência estarem previamente determinados em lei.

Não obstante toda essa polêmica, acreditamos que os critérios mínimos configuradores do tributo - material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo - devem estar estipulados por lei da pessoa política competente e devem, ainda, obedecer à matriz constitucional que traça, ainda que minimamente, tais critérios.

Essa minuciosa descrição é que garante ao contribuinte que a tributação que lhe será imposta é aquela que os seus representantes decidiram e evita a subjetividade do agente fiscal. Ao contrário a adoção de conceitos abertos ou tipos abertos conflita diretamente no artigo 150, I da CF/88.

Baleeiro (1998, p. 118) ao referir-se sobre a legalidade no sentido material expõe o princípio da especificação conceitual (que segundo o autor é impropriamente chamado de tipicidade) impondo à lei determinar: a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos, assim como todos os aspectos do consequente, além das desonerações, sanções pecuniárias, obrigações acessórias, hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário e ele também inclui no âmbito exclusivo da lei, a instituição e correção monetária do débito tributário.

2.4   Limites do Princípio da estrita legalidade

Muito embora o princípio da legalidade seja uma limitação ao poder de tributar, ele próprio possui restrições. Inicialmente é subordinado diretamente a todos os princípios constitucionais tributários, como a irretroatividade, anterioridade, igualdade, capacidade contributiva, não-confisco, etc.

A legalidade tributária também deve obediência às normas de competência, e dentre elas, as regras imunizantes e aos regimes-jurídicos respectivos de cada espécie tributária.

E deve também se atentar para os direitos e garantias individuais e coletivos e à cidadania que é fundamento da República Federativa. Por fim, de forma genérica, a lei tributária deve respeito a toda unicidade do sistema constitucional brasileiro.

3      PODER REGULAMENTAR SEU ALCANCE E SUAS LIMITAÇÕES

 

3.1 O que é o poder regulamentar

A Constituição, muito embora seja analítica, jamais conseguirá esgotar o tratamento das matérias afetas às relações sociais e estatais, para tanto se faz necessário edição de outros atos legislativos para disciplinarem as matérias.

As leis, por sua vez, também jamais conseguirão exaurir toda disciplina do assunto tratado, esse é um dos motivos que dá ensejo ao exercício do poder regulamentar: nem todas as leis são autoexecutáveis (assim como nem todas as normas da Constituição possuem eficácia plena).

O poder regulamentar é permite a expedição de regulamentos, que são “atos administrativos que veiculam regras gerais e abstratas, expedidas normalmente pelo chefe do Poder Executivo, para disciplinar a organização ou a atividade do Estado enquanto Poder Público” (CARRAZZA, 2012, p. 396).

Não se deve confundir o poder regulamentar com outro, o poder de regular, advertência essa que advém há tempos dos ensinamentos de Rui Barbosa Nogueira (1971, p. 146). O poder de regular, também chamado de poder de polícia (artigo 78 CTN) remete à fiscalização de limitação de liberdades e interesses particulares em prol do interesse público.

Os regulamentos são exteriorizados tanto através de decretos, quando de instruções normativas, que são os veículos injetores dos regulamentos no ordenamento, ou seja, ambos são formas (CARRAZZA, 1981, p.9).

Clara também é a doutrina de Hely Lopes Meireles (2009, p. 183) nesse sentido, que caracteriza o regulamento como conteúdo do decreto, sendo ato administrativo que visa esclarecer e suplementar a lei.

No Brasil existem regulamentos autônomos (independentes) ou regulamentos de execução. Os primeiros – autônomos – surgiram pela atuação do poder constituinte derivado, com a Emenda Constitucional n. 32 de 2001 que autorizou o Presidente da República a dispor mediante decreto sobre: (i) o organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e (ii) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (Art. 84, VI, I e II, CF/88).

Percebe-se que os regulamentos autônomos pouco, ou em nada, relacionam-se com as matérias tributárias e em relação a eles José Afonso da Silva (2010, p. 426) afirma que na verdade elas são regulamentos de organização e que inexiste regulamento autônomo na Constituição.

É sobre os regulamentos executivos, então, que passamos a empreender nossos esforços, no sentido de frisar seu alcance e principalmente seus limites. Estes, por sua vez, estão previstos na Constituição no artigo 84, IV, cuja competência é privativa do Presidente da República para “dar fiel execução às leis”. São, portanto, subordinados à lei, por isso, também são chamados de subordinados ou complementares.

Roque Carrazza (2012, p. 399) bem leciona sobre essa principal função, ao ressaltar que “se ao regulamento falta novidade (traço característico da lei), sobeja-lhe importância, já que é ele que lhe dinamiza a ordem legislativa”.

As leis autoaplicáveis não exigem regulamentação, e se houver regulamentação será inútil (por simples repetição de texto normativo), ou será ilegal e ou inconstitucional, quando exceder os limites do poder regulamentar.

A maioria das leis depende de regulamentação, e muito embora seja vedado ao regulamento no ordenamento jurídico o caráter inovador, de imposição de obrigações novas, ele agrega algo à lei, exemplo que assenta bem nessa ideia é do decreto que altera as alíquotas dos impostos aduaneiros.

A alteração das alíquotas dos impostos aduaneiros é exceção à regra e somente ocorre porque (i) a Constituição autoriza no art. 151, §1º, (ii) a lei instituidora das respectivas exações estabelecem as alíquotas possíveis, (iii) restando ao Decreto não instituir a alíquota, mas sim, manipulá-la dentro dos limites legais de forma fundamentada, e não aleatoriamente.

O regulamento, expedido unicamente pelo Poder Executivo, que inove o direito, criando, permitindo ou proibindo direitos e deveres aos contribuintes burla o regime democrático.

Como exposto no início deste trabalho, séculos foram necessários para que houvesse a consolidação de que o consentimento do cidadão nas decisões políticas fosse condição sine qua non para a legitimação das exigências.

 

3.2 O regulamento e deveres instrumentais

Deveres instrumentais, amplamente conhecidos por ‘obrigações acessórias’, são as obrigações circunscritas na relação jurídico-tributária que não possuem cunho patrimonial, elas impõe um fazer, não fazer ou suportar.

Mesmo não abrangendo a obrigação pecuniária, de entregar dinheiro aos cofres público, entendemos que os deveres instrumentais criam obrigações diversas aos contribuintes. Por todo o exposto nos dois primeiros capítulos nos parece correta a afirmativa de que tais deveres deverão estar contidos no bojo de lei (lato senso), respeitando assim o artigo 5º, II da CF. Desse entendimento compartilha, por exemplo, Roque Carrazza (2012, p. 365).

Tais obrigações instituídas em lei, não se tratam de reserva legal, de estrita legalidade tributária, elas podem ser disciplinadas através de regulamento, por decreto. Assim, por exemplo, a lei determina a obrigação de emissão de nota fiscal, o regulamento esmiúça o dever do contribuinte, como o tipo e formato da nota fiscal, as informações que nela conterão etc; ou após a determinação legal da obrigação de prestar declarações ao Fisco, o regulamento estipular o conteúdo, a periodicidade, entre outras.

Essa necessidade de instituição de deveres instrumentais por lei, também é compartilhada por Paulo de Barros Carvalho, com a peculiaridade de que para ele os deveres instrumentais, são apenas deveres, e não obrigações por serem despidas de caráter pecuniário. Entendimento que discordamos, os deveres instrumentais podem não implicar na obrigação de pagar, mas por vezes, representam altos gastos ao contribuinte.

A previsão desses deveres em lei é de suma importância tendo em vista que eles impõem condutas aos particulares que caso sejam descumpridas ensejaram penalidades. Assim conclui Carrazza (2012, p. 367):

E nossa certeza de que só a lei pode criar deveres instrumentais cresce de ponto na medida em que notamos que seu descumprimento resolve-se em sanções das mais diversas espécies, inclusive pecuniárias. Repugna ao senso jurídico que uma pessoa possa ser compelida a pagar multa com base no não acatamento de um dever criado por norma jurídica infralegal.

Mas não só sanção administrativa pode ser imposta, o descumprimento de muitos dos deveres instrumentais configuram também crimes tipificados na Lei. 8.137 de 1990. Portanto, os deveres formais devem ser instituídos por lei e serem disciplinados por regulamento.

O regulamento editado pelo Poder Executivo (Administração Tributária) tem mais intimidade com o cotidiano e com as práticas dos contribuintes e dos particulares submetidos às “obrigações acessórias”. Assim, condiz com ele a estipulação das minucias desses deveres não-patrimoniais, como por exemplo, o tipo do livro que será escriturado e as informações que deverão nele constar.

Frisa-se que embora seja esse nosso entendimento, ele não é compatível com o entendimento do STF (v.g. ADI 3103-PI) que afirma não haver impedimento constitucional à imposição de deveres instrumentais via ato infralegal.

3.3 Praticabilidade e exequibilidade da lei tributária

Nesse contexto de executar a lei através do poder regulamentar que permite ao Poder Executivo, detentor do conhecimento da prática administrativa e das peculiaridades do dia a dia da administração pública, dar concretude à lei, tem-se falado muito em simplificar o direito tributário, desburocratizar e facilitar a aplicar da lei. Procedimentos que devem ser vistos e considerados com muito cuidado.

Baleeiro já tratava do princípio da praticidade como princípio jurídico implícito, mas difuso no ordenamento. E o autor (BALEEIRO, 1998, p. 136) define a praticabilidade como “todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis”.

Grande engajadora do movimento de facilitação da relação entre a Administração Fiscal e os contribuintes é Regina Helena Costa (2007, p. 92-93), que ao tratar especificamente da praticabilidade e exequibilidade do direito tributário afirma que tal noção foi estudada com especial desenvoltura no Direito Alemão. E a autora justifica a inclusão do mandamento na categoria dos princípios:

A nosso ver, trata-se de autêntico princípio, e não simplesmente regra jurídica, porque apresenta traços característicos daquela espécie normativa: (i) contém elevado grau de generalidade e abstração, irradiando seus efeitos sobre múltiplas normas; e (ii) contempla valor considerado fundamental para a sociedade, qual seja, a viabilização da adequada execução do ordenamento jurídico, no campo tributário.

Praticabilidade, também conhecida por praticidade, pragmatismo ou factibilidade, é, portanto, o “conjunto de técnicas que visam a adequada execução do ordenamento jurídico” aplicável tanto aos atos legislativos, quanto aos administrativos e judiciais.

A adequada execução das leis tributária deve sem dúvida harmonizar a arrecadação e o respeito aos direitos dos contribuintes. A lei tributária nasce limitada à própria constituição, mas essa lei será desenvolvida por atos infralegais que lhe darão a fiel execução.

A lei é o instrumento de praticabilidade por excelência que realiza as diretrizes constitucionais, mas a concessão de liberdades legais para atuação do administrador público deixa margem à discricionariedade, a ser preenchida pelo Poder Executivo, principalmente utilizando o Poder Regulamentar.

Na seara tributária, conquanto a discricionariedade esteja comportada em estreitos limites, diante das exigências do princípio da especificidade conceitual (ou da tipicidade), em apreço à segurança jurídica e à legalidade, não se poderá deixar de constatar que, quando autorizada, enseja o exercício do poder regulamentar, voltando-se, em última análise, à efetivação da praticidade. (COSTA, 2007, p. 389)

Mas segundo Aliomar Baleeiro (1998, p. 136) a praticabilidade não deve ser vista apenas como sendo as atribuições de regulamentar inerentes ao Executivo, pois ela tem contornos mais amplos, devendo ser entendida com um método interpretativo que fixa inteligência e limites às normas jurídicas.

A praticidade se justifica diante da dificuldade do legislador de alcançar todos os fatos fenomênicos, com toda a sua completude e coloca-los nas hipóteses legais, as técnicas usadas para simplificar essa complexidade são, por exemplo, as presunções, as ficções, os indícios, as cláusulas gerais.

Tais noções, muito bem expostas por Regina Helena, data vênia, não me parecem ser um princípio, mas sim mera decorrência da fiel execução da lei, incluindo do próprio Poder Regulamentar, o que não diminui em absolutamente nada a importância de seu conteúdo, como também pode vista como a busca pela eficiência na Administração Pública.

A tentativa de simplificação do direito, principalmente na seara da administração tributária deve ser vista com ressalvas já que o administrador investido na condição de agente fiscal tem grande poder de interferir no patrimônio do contribuinte e não tem o dever de imparcialidade, como os membros da magistratura.

Entretanto, se a lei consignar discricionariedade, concederá espaço para a produção normativa da Administração, que estará legitimada à edição de atos visando à fiel execução daquela pelos seus órgãos.

Sabe-se que, na prática, o administrador público brasileiro tende a exercer seu poder normativo ou regulamentar inclusive em hipóteses nas quais a lei não lhe defere tal possibilidade, muitas vezes na tentativa de “aprimorar” o texto legal. O resultado é sempre desastroso: ou o administrador produzirá um ato regulamentar inócuo, por consistir em reprodução literal da lei, que lhe é hierarquicamente superior; ou editará ato normativo infringente à lei, em evidente vulneração do princípio da legalidade (COSTA, 2007, p. 104).

Em busca da melhor concretização do princípio da eficiência (artigo 37, caput, CF/88) nas situações diárias vivenciadas pelos administradores públicos deve-se dar exequibilidade à lei, mas não se pode admitir qualquer atuação sem a expressa autorização legal e observados os preceitos da Lei Fundamental do país, fonte do direito por excelência.

3.5 Limites do poder regulamentar

Emergem de todo exposto anteriormente vários limites ao poder de regulamentar. O regulamento (executivo) é imediatamente subordinado à lei e subordinado também à própria Constituição, analisemos mais detidamente esses limites.

O primeiro limite de incomensurável importância é a tripartição dos poderes, o regulamento não extrapolar sua função e galgar voos assumindo as competências dos Órgãos Legislativos e Judiciários, o que veda, por exemplo, a imposição de inovações na ordem jurídica ou a determinação de possíveis interpretações das leis.

Além da observância da separação dos três poderes, que impõe ao regulamento o cuidado com o conteúdo a ser tratado, ao disciplinar a lei, ele deve guardar razoabilidade e proporcionalidade com a sua finalidade, não se pode admitir, v.g., que para assegurar a ocorrência da prática do fato imponível o contribuinte seja submetido a deveres tão onerosamente excessivos que inviabilizem a atividade ou que sejam irrelevantes para o fim que se preste.

Diante da função dos regulamentos no ordenamento jurídico tributário pode-se concluir que ao extrapolar suas atribuições, eles serão não apenas ilegais, mas também inconstitucionais e nulos de pleno direito. Sobre esses atos administrativos além do controle jurisdicional e da autotutela realizada pela própria administração, há também o controle exercido pelo Poder Legislativo, a quem compete sustar os atos exorbitantes do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (artigo 49, VI, CF/88).

CONCLUSÃO

 

A legalidade surgiu como uma garantia exigida pelo povo aos seus soberanos de ter resguardado os direitos necessários para uma vida digna. Com sua positivação em cartas e em declarações ela passou a ser amplamente difundida como um compromisso firmado entre governantes e governados.

Na atual ordem constitucional brasileira esse compromisso está refletido através da forma de governo republicana em que o povo repassa parte de seus poderes aos representantes eleitos para mandatos transitórios previamente estipulados e com total responsabilidade pelos seus atos de gestão da coisa pública. E são esses representantes eleitos, que em nome do povo editam as leis.

A legalidade fruto desse compromisso é decorrente, também, da própria condição de cidadão, condição de pessoa consciente inserida em uma sociedade democrática com direitos e deveres impostos a todos de forma coercitiva e imperativa.

A legalidade tributária, maior garantia do contribuinte, é ainda mais cercada de cuidados, pois através da tributação o Estado interfere diretamente no patrimônio e na liberdade das pessoas. Ao dispor sobre a criação e aumento de tributos a Carta Magna é precisa: somente lei pode o estabelecer.

Conforme dispõe o artigo 150, I, CF os tributos serão estabelecidos em lei, e para se estabelecer um tributo é necessário que haja a descrição tanto de sua hipótese quanto de seu consequente. Assim convergirão para o surgimento de todos os critérios essenciais, tanto o Poder Legislativo, quando o Executivo, fator que em tese legitima a exigência.

O Executivo e o Legislativo na atuação para a criação ou majoração dos tributos não podem se distanciar da Constituição, manancial da cidadania e das competências, que se sobrepõe formal e materialmente às outras normas.

O poder regulamentar – espécie do poder normativo – é exercido Executivo por meio do regulamento, que é ato normativo inerente à função administrativa que visa dar concretude à lei para sua fiel execução. Assim, esse poder, corretamente exercido, é uma garantia para a nação de que a lei estará apta a atingir todos os fins almejados pelo legislador e indiretamente pelos cidadãos.

Portanto, o poder regulamentar é de suma importância para a concretização de direitos e também para a imposição de deveres.

No campo tributário, o regulamento se destaca, é ele o responsável por aproximar a lei que institui o tributo e os deveres formais, do cotidiano do contribuinte. Dando maior inteligibilidade à lei, o regulamento facilita seu cumprimento, suprimi dúvidas e explicitando seus comandos.

Ao passo que lhe compete a função de completar o ordenamento jurídico, sem inovar, mas apenas interligando os dispositivos normativos e simplificando o seu cumprimento, ao regulamento não é dado criar tributo, e nem deveres instrumentais, atribuições da lei.

O regulamento deve obediência às normas constitucionais de competência, aos princípios constitucionais, aos direitos fundamentais do contribuinte e aos dispositivos legais, sendo defeso ao administrador e ao Chefe do Executivo utiliza-lo para inovar o ordenamento.

 

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