A MORTE E OUTROS POEMAS
Por Renato Ladeia | 05/08/2019 | PoesiasA MORTE
Quando menino
A morte era um passarinho
Que pousava na janela
Durante o silêncio da tarde.
Quando adolescente
A morte me assustava
Nos corredores dos sonhos
Era sempre um vulto
Que me dava às costas
E evaporava na escuridão.
Hoje, é apenas a maré
Que vai e volta
E aprendi que a morte
É só a dessaudade.
O IDIOMA
Quando menino
Eu tinha a língua do pê
Que duelava
No tempo
Enquanto gestava em mim
A experiência da fala
Minha lingua
Minha Pátria
Que criava palavras
Na atonia da vida
Eu queria apenas
Ter o sentido delas
Para que adormecessem
No colo das minhas lembranças.
O VELHO E O TEMPO
O tempo para um menino
É a monotonia
Do velho relógio de parede
O escurecer
E o amanhecer
Para um velho
É a inutilidade das horas
A martelar sem pressa
Na forja dos segundos.
MINHA CASA
Meu pai pintou a casa
Toda de rosa e branco
Minha mãe pensou as cores
E o pincel atravessou a noite
Ela contou depois
Que uma nuvem
Desceu do céu
E cobriu a casa
Como quem cobtre o mundo
E deixou as cores
Ociosas no tempo
BRUMADINHO
De repente
Um turbilhão de lama
Soterra tudo
Corpos e esperanças.
Não houve tempo para gritar
Não houve tempo para correr
Não houve tempo para orar
As bocas e narinas
Entupidas
O medo de morrer
O medo da morte
Os corações pararam de bater
O desmaio e o fim
Acabou a história
Para homens, mulheres
Jovens e crianças
A vida parou
Ou foi Minas?
SÃO CAETANO
Guardo na memória,
Suas ruas ainda sem asfalto
O colégio Luiz Capra
Imponente no alto do outeiro
Onde aprendi as primeiras as letras
O casarão abandonado no horizonte
Com muitas histórias e fantasmas
A estação de trem
Por onde se chegava e se partia
A lago de banhos proibidos
O matagal com murtinhas
Com seu doce sabor ainda presente
O velho português da padaria
Sempre reclamando da vida
A capela onde o padre Ernesto
Fazia seus inesquecíveis sermões
Os cinemas do bairro, Átila e Real
O cinema do centro
Onde assisti “La escondida”.
O filé a parmesiana na rua Amazonas
O bauru do bar do Gouveia
A Concha Acústica na praça central
A casa onde morei
Nossos vizinhos poloneses, alemães, italianos, caipiras
O Seu Rubens, o único negro da rua
Um homem imenso e forte
Dizem que era porque tomava
Em jejum, um copo de vinho
O velho italiano Antonio Piffer
Que adorava o café da minha mãe
E nos contava histórias da sua terra
Com lágrimas nos olhos
E eu chorava junto
Sem entender por quê.
MEU BAIRRO
São Caetano do Sul
Morava em ruas entre rios
Juruá, Tocantins, Iguaçu
Tietê, Paranapanema, Meninos
Ruas que ainda desaguam
Em algum passado distante.
O sino tocando na igreja,
Sempre em construção,
Acordava as beatas
Cobertas de véus negros
Caminhavam em fila
Para a comunhão diária.
O meu velho colégio
“Padre Luiz Capra”
Tocava “Sempre aos domingos”
Mesmo às segundas-feiras.
Canção para acordar crianças
E confortar corações.
O sol queimava meu rosto
Nas peladas intermináveis.
O verão era quase sempre eterno
E a noite, os vagalumes
Pintavam a rua de verde
Enquanto dormíamos
Com as janelas abertas.
O casarão abandonado
Ao longe, no outeiro
Com suas velas acesas
Dava guarida aos fantasmas
Que assombravam crianças.