O primitivo que deu certo
Por sebastião maciel costa | 28/06/2019 | EducaçãoO primitivo que deu certo.
Quando tudo começou, viveu-se um tempo primitivo e não existia ainda a educação formal em escolas, como hoje. Nesses primórdios, tudo era experimentado, todas as possiblidades eram aceitas uma vez que se buscava caminhos capazes de orientar, educar, formar pessoas para comporem as sociedades do presente e do futuro. As lições eram experimentadas de modo tímido, mas com foco. Haja vista os resultados obtidos que honraram e dignificaram a grandiosidade do ser humano em busca do aperfeiçoamento, do conhecimento, da sabedoria, da competência.
Não existia formalismo, nem modelos, nem fórmulas prontas, nem rígidos currículos, nem planos de ensino, nem burocracias que tanto custam aos cofres públicos e, tão remotamente chegam à eficácia de um ensino de qualidade que dê ao cidadão, o direito de estudar, aprender, realizar e realizar-se enquanto pessoa civilizada oriunda de sociedades que trilham caminhos ideais para resultados positivos.
Naquele tempo, no lugar de tantos requisitos e critérios, de tantas ideias e projetos, de tantos programas e teorias, uma pedagogia existia: era preciso ensinar àqueles que, no futuro assumiriam o comando da espécie humana. Objetivo era ajustar a criança ao seu ambiente físico e social, através da aquisição das experiências. E isso não seria o suficiente? Os chefes de família eram os primeiros professores e em seguida os sacerdotes.
“A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a afugentará dela” (Provérbio 22:15).
O tempo passou, as pessoas evoluíram e a educação “primitiva” já não mais servia aos propósitos das sociedades. Surgiram outros valores, surgiram novos modos, novos planos e “A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL” passou a ser a grande vilã da modernidade. A máquina, o robô, o computador, o chip, o celular... e o homem passou a ser um dos integrantes desse novo modelo de formação de sociedade em busca do sucesso. Ainda que o preço a ser pago seja a “EDUCAÇÃO” de quem deve cuidar de si e dos outros; do hoje e do amanhã.
No Brasil, como em qualquer parte do mundo a educação dada pelos povos primitivos era fundamentada em fatos que representavam exemplos que vida correta, de valores plenos, de modelos ideais a serem seguidos. Vendo que e que pelas dimensões continentais do Brasil, cada região fundamentava a sua “formação” educacional, a partir das culturas que cada migrante para aqui trouxe e, diante da miscigenação prevalece sempre, as melhores lições. Comecemos pela Região Norte, com a Lenda do Sol.
“Há muito tempo, um índio Juruna teria comido o pai de Kuandú, por esta razão este queria se vingar. Uma vez Kuandú estava bravo e foi para o mato pegar coco. Lá encontrou Juruna em uma palmeira inajá.
Kuandú disse que ele ia morrer, mas Juruna foi mais rápido acertando Kuandú com um cacho na cabeça. Aí tudo escureceu. As crianças começaram a morrer de fome porque Juruna não podia trabalhar na roça e nem pescar.
Estava tudo escuro. A mulher de Kuandú mandou o filho sair de casa e ficou claro de novo. Mas só um pouco porque era muito quente para ele. O filho não aguentou e voltou para casa. Escureceu de novo. E assim ficaram os três filhos de Kuandú. Entrando e saindo de casa. Portanto, quando é seca e sol forte é o filho mais velho que está fora de casa. Quando é sol mais fraco é o filho mais novo e o filho do meio só aparece quando os irmãos ficam cansados”.
O trabalho que dignifica o homem exige de cada um, o melhor de si, o melhor aperfeiçoamento que o torne melhor no que faz a cada. O pai de Kuandú seria o pai de todos nós. Seria o pai que sabe transformar o seu pequeno filho em um grande batalhador no futuro, para garantir o sol e a claridade que só o conhecimento proporciona. Em uma alusão à lenda referenciada, a força do Kuandú esvaziou-se em sim mesmo. Com a sua morte, a família ficou às escuras. Assim é o conhecimento que os pais guardam para si mesmos, os professores, as escolas... Quando um pai guarda para si mesmo um determinado conhecimento? Sempre que a interação entre ele e o seu pequeno filho não permite que os ensinamentos sejam passados, mostrados, exemplificados. Quando lhe bate a falta de recursos materiais para dar ao filho, por falta de oportunidade de trabalho, mas ele assiste na mídia as manobras feitas por tantas pessoas que por meios ilícitos conseguem “forturnas”. Quando ele se torna impotente diante dos maus exemplos que outras famílias ou outras crianças dão, em detrimento do que é tido como correto, justo e honesto.
O mesmo ocorre com o professor, com a escola: quando o professor perde a oportunidade de transmitir o conhecimento, o conteúdo necessário da disciplina sob o seu comando para ficar lutando pela atenção do seu aluno que está nas brincadeiras, no celular, nas distrações próprias do ambiente escolar, quando o foco não está no aprendizado. Muitas vezes, ele tenta, muitas vezes sem sucesso, algumas vezes, pela metade ou uma atenção de pouca qualidade. A luta é desigual: comparando o encantamento de uma tela, a velocidade da informação por meio da internet, a força de um som mecânico, de uma festa onde impera a permissividade, a quebra de regras e o desafio ao ético, como competir com as ferramentas pedagógicas que exigem atenção, ordem, respeito e acima de tudo vontade de aprender, trava-se uma luta onde certamente, o professor não será visto como o aliado do aluno, mas como “ o atraso de vida”. Termina o seu momento de ensinagem, como esgotam suas reservas de paciência, sentimento paterno e resiliência. Ele acredita ter ensinando, o aluno acredita ter aprendido, mas saindo da sala, nenhum conhecimento foi agregado ao que ele já trazia em si: a ideia de que, nos dias hoje, o sucesso pessoal e profissional não está nos estudos, mas nas articulações que a sociedade impõe como sendo o modelo novo de formação.
O Kuandú pequeno vai crescer, outros kuandús irão nascer, mas como se dará a troca de ensinamentos entre eles? Se não houver a mãe que o diga “-“Vai para fora, vai aprender, vai para a escola, vai para o trabalho, vai para o mundo, pois o sol precisa brilhar e depende da tua presença lá fora”, fica inviável que as lições sejam perpetuadas ao longo da história.
Na sua ausência, na ausência de mãos firmes surgirão os jargões: ”-Me deixe, estou estressado, não enche, tô fora, ... papo careta de pai e mãe já era!” Registre-se que em via de regra grande parte da sociedade ainda consegue, duras penas, manter sues filhos focados no estudo, na decência e no caminho correto da formação individual e social. O desafio se torna maior quando há de se reconhecer que várias vertentes como a as drogas, o sexo fácil, o álcool, a corrupção e a falta de segurança social parece ganhar proporções que fogem do controle de qualquer instituição seja familiar ou conjuntural. A escola consegue agregar em seu raio de ação, enquanto formadora, valores que as famílias ainda conseguem canalizar para que sejam cristalizados por meio da aquisição de conhecimentos que levarão adiante os princípios presados pela família. E onde a ação da família deixou de surtir efeitos? O que resultará de crianças que passam a ser “formadas” por si mesmas, decidindo o que fazer, quando fazer, por que fazer, com quem fazer, para que fazer... onde chegar?
Nesse jogo de pontas soltas e preços a definir: estultícia(ausência de discernimento e bom senso) e dislate (presença de inteligência, perspicácia, competência). De um lado, a família que investe na formação os seus; do outro, os filhos formados por famílias omissas, impotentes, desmotivadas pela modernidade que prefere fingir que não vê que os rumos têm sido desastrosos e, ameaçadores, a cada novo dia.
- Sebastião Maciel Costa