O preconceito lingüístico na realidade escolar
Por MIDIANE VENCESLAU DOS SANTOS | 12/02/2012 | EducaçãoO preconceito lingüístico na realidade escolar
Midiane Venceslau dos Santos[1]
“Não nos podem ensinar nada cuja idéia não tenhamos já em nossas mentes." Leibniz
É óbvio, que a educação ideal desejada, é o ensino pautado na educação para a liberdade, preconizado por inúmeros educadores. No entanto, a escola tem se mostrado incompetente para atender às demandas da sociedade, gerando o fracasso escolar e acentuando as desigualdades sociais. Neste contexto, pode-se atribuir uma parcela dessa responsabilidade a problemas referentes à linguagem como, a contradição entre a linguagem das camadas privilegiadas, vista como padrão, e a linguagem de camadas populares, censuradas e estigmatizadas por aquele.
No sistema brasileiro de educação, tanto o saber como a cultura, estão vinculados a expressões numa variedade lingüística, classificada por uma minoria de dominantes, de “língua culta”, que não corresponde à variedade lingüística falada pela maioria da população. Contudo, o acesso à aprendizagem da língua culta vem sendo dificultado pelo próprio sistema educacional, quando desconsidera o aluno como sujeito falante, adota uma metodologia inadequada ao contexto do aluno, não levando em questão as dificuldades de aprendizagem das diferentes linguagens.
A língua não é uma questão só de comunicação; ela está ligada também à vida, à cultura, à história de um povo. O português como qualquer outra língua, não é exclusiva de apenas uma classe de indivíduos num grupo fechado, mas é um fenômeno social, está inserido na cultura de um povo, logo, é um fenômeno dinâmico que está sujeito à evolução ao longo do tempo. Os dialetos de uma língua embora diferenciada por usos próprios e específicos, são semelhantes entre si; no momento em que essas diferenças se tornarem mais visíveis, eles poderão ser reconhecidos como línguas diferentes, como aconteceu com o latim, que gerou o português, o francês, o italiano etc. Nessas transformações não aprece o certo e o errado, que se caracterizam como rótulos que a sociedade usa para marcar os indivíduos e classes, mas o diferente. Questões como estas, aparentemente de cunho pedagógico, requerem uma compreensão mais ampla do ensino da língua materna, principalmente em sociedades capitalistas, caracterizadas por diferenças sociais, ideológicas..., que não deixam de refletir as conseqüências na educação. Neste cenário, a posição da escola, em relação ao ensino da língua materna, é a de que os alunos das camadas populares, falantes de variedade não-padrão, ignorem a sua variedade lingüística substituindo-as pela única variedade aceita como “correta”, a variedade padrão das classes dominantes.
Uma das principais causas de um ensino de língua materna mal orientada em algumas escolas é o pressuposto de que o aluno não sabe a língua, levando-o a concentrar seus esforços e atenção nas teorias e regras gramaticais, denominando como “fala de ignorantes” a linguagem das camadas socialmente inferiores, resumindo ao professor a função de corrigir os erros do aluno, impondo-lhes formas ditas como corretas. É comum ver professores que ensinam a língua materna, insatisfeitos com o trabalho, frustrados, transferindo a culpa dos problemas para o aluno, queixando-se de que o mesmo tem um baixo desempenho lingüístico, que não entendem o que lê, que desprezam o ensino da gramática; raras vezes o professor se vê como peça fundamental dessa engrenagem, perdendo de vista o papel que tem a desempenhar na melhoria da qualidade do ensino.
Encontram-se dentro de um mesmo país, conflitos quanto ao conceito de uma linguagem correta em determinados contextos, e ampliando esse olhar, observa-se que dentro de um mesmo estado, verificam-se tipos variados de preconceito, como exemplo, quando é comparado o linguajar das pessoas da capital frente à do interior. Todavia, é importante lembrar que dentro do ponto de vista lingüístico não existe certo ou errado, mas variações que se constituem de sistemas adequados no que se refere às necessidades dos falantes, levando em consideração suas práticas.
O preconceito lingüístico é fruto do preconceito social, sendo exercido sobre aqueles que sofrem mais estigmas na sociedade – o analfabeto, o pobre, aqueles que não têm acesso à escolarização -, sendo então acusados de falar errado, de deturpar a língua.
Segundo Marcos Bagno (2002), no Brasil existe uma “mitologia do preconceito lingüístico”, que prejudica não só a formação educacional, mas social do indivíduo. Bagno evidencia oito mitos que, servem para solidificar e propagar a visão de que o Brasil apresenta uma unidade lingüística e que o brasileiro por não saber falar o português corretamente causa deformações na língua; neste contexto, as escolas, que deveriam ser um meio de discussão sobre essa realidade e inserção social, tornam-se, na verdade, reprodutoras das diferenças entre classes, ensinando o português não apenas como meio de aperfeiçoar a língua, mas principalmente com o intuito de valorizar a norma culta que é representada por uma minoria, reproduzindo assim a hierarquia social. Desta forma, não se pode estigmatizar a língua, emitindo-lhe um juízo de valor e usando as diferenças lingüísticas como pretexto para a discriminação.
Quando a criança adentra no contexto escolar, principalmente se a mesma vem de uma comunidade discriminada, ela certamente esbarrará em uma realidade totalmente oposta a sua. Tudo o que ela conquistou até aquele momento será deixado de lado, embora a escola ainda queira continuar com o discurso vazio de que está partindo da realidade do aluno. Segundo Cagliari (1996), escola não parte do conhecimento que a criança tem de sua língua, mas de um abecedário e de uma fala totalmente desconhecida ao do aluno. Ao se deparar com a língua tida como não-padrão do indivíduo, a escola censura e corrigi, limitando assim a criatividade e expressão do aluno, que por conseqüência, sente-se incapaz de estabelecer um diálogo, produzir textos, criando assim um sentimento de aversão pela língua; geralmente na comunidade em que o aluno vive o português é falado de uma forma natural, sem regras e exceções, porém, quando chega à escola o português se complica e a maneira pela qual ele fala passa a ser “errada e vergonhosa.” Nisto, observa-se que a escola se apropria da força da linguagem para deixar bem claro para o aluno, através do ensino, o lugar de cada um naquele cenário e até fora dos muros daquela instituição, e a maneira como se expressa, como se deixa falar, como se pergunta e como as respostas são aceitas correspondem a uma maneira, não de avaliar o desenvolvimento do aluno, mas como uma desculpa para reprimi-lo ou aprovar, para lhe dizer que é capaz ou incompetente.
As noções preconcebidas sobre a língua são maléficas e coercivas na sociedade, porque em sua maioria, se utilizam da norma culta para identificar erros na fala de uma pessoa se baseando não no conhecimento da mesma, mais em sua cor, religião, região etc., logo, se o indivíduo é pobre, a língua é pobre, se vive numa região dita como atrasada, a língua vai ser atrasada.
Não é ensinando apenas regrinhas da gramática que a criança vai aprender português; é necessário sim ensinar a gramática, mas não se deve esquecer de que o aluno vive em contextos diferentes.Como diz Cagliari:
A escola moderna se envolveu num emaranhado de teorias e métodos, mas se afastou de fato, da realidade de seus alunos. O que fez a escola? Creio que nem ela própria sabe explicar. É preciso recuperar o fio da meada e começar a tecer de novo, não ao acaso, nem de maneira mais complicada do que o próprio mundo, mas na justa medida das coisas. (1996, p.22)
Reconhecer a diversidade cultural brasileira e a crise no ensino da língua materna são os primeiros passos em busca do verdadeiro aprendizado, pois as mesmas práticas escolares que ensinam a ler e escrever, e distribuem conhecimentos, funcionam como mecanismos silenciadores de uma grande maioria contribuindo para o estabelecimento da hegemonia das visões de mundo das elites, participando dos processos de unificação e padronização ideológica, política e cultural da sociedade; seja pela discriminação de dialetos, seja pelo desprezo às práticas sociais de fala e escrita, a escola costuma operar a partir de um padrão etnocêntrico centrado na concepção da linguagem ideal, a norma culta.
O ensino da língua materna deve sobretudo esperar que as crianças compreendam o funcionamento e as funções da língua com todas as suas variedades, sociais, regionais, procurando não se utilizar de práticas de dominação, para não perpetuar a discriminação social. É preciso romper os muros do preconceito que existe na prática escolar; e ao professor, caberá manifestar os mecanismos de preconceito e discriminação que existem disfarçadas nas teorias apresentadas no cenário escolar, e entender que a diversidade que existe no Brasil, não corresponde apenas ao contraste da região Nordeste e Sul, como exemplo, mas presente em sala de aula, questionando não apenas o que se ensina, mas como se ensina, para daí, como defende Bagno (2002), sabotar o preconceito, formando-se e informando-se.
Referências Bibliográficas:
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico - o que é, como se faz. -São Paulo: Loyola, 2002.
CAGLIARI, Luiz C. Alfabetização & Lingüística. -São Paulo: Scipione, 1996.