O Pré-Vestibular Comunitário e suas Contribuições para Formação Social, Política e Cidadã
Por tatiane andrade | 26/07/2010 | Educação"Aos meus cujo, as adversidades sociais e econômicas não os permitiram prosseguir e chegar até aqui. Aos meus que, me ultrapassarão e que se tornarão exemplos melhores do eu fui e sou.".
INTRODUÇÃO
Na escolha do tema para este trabalho, optei por discutir e abordar sobre o pré-vestibular comunitário e sua contribuição social na formação dos alunos, porque acredito ser um tema de alta relevância e também ser muito significativo, pois sempre desejei realizar um trabalho sobre esta temática.
Ao realizar a graduação em Pedagogia, o interesse sobre a formação dos alunos negros que freqüentavam um pré-vestibular comunitário antes do ingresso á Universidade aumentou, e a vontade de pesquisar as ações oriundas deste espaço educacional não-formal se tornou uma constante, visto a extrema importância desta problematização e por fazer parte da minha vivência.
Em 2005 ingressei na Universidade Estadual do Rio de Janeiro no curso de Pedagogia, minha entrada na graduação foi um tanto confusa, pois eu infelizmente não participei de um pré-vestibular comunitário (não havia nenhum próximo a minha residência) estudando sozinha e um tanto "desnorteada" com tantas informações sobre isenções, cursos e cotas, as dúvidas brotavam e angústia de não conseguir ingressar na graduação também. Em meio a este "caus", obtive minha entrada no curso através do sistema de cotas, e aos poucos fui compreendendo o que é a Academia e seus meandros.
No mesmo ano, no município de Belford Roxo, mas precisamente no Bairro de Nova Aurora um grupo de alunos universitários oriundos do mesmo (e adjacências) sabendo das carências e necessidades dos jovens locais (tanto no que concerne a educação, quanto lazer, cultura) resolveram se unir e construir um espaço onde estes indivíduos pudessem ter/encontrar uma perspectiva/alternativa e dessem continuidade em seus estudos. Com este pensamento fundou-se em 2005 o Pré-Vestibular Comunitário União, composto por graduandos de diversas universidades (públicas e privadas) de diferentes cursos, com o objetivo de ajudar estes jovens a entrarem em uma graduação e obter não somente um diploma, mas se enxergar como indivíduo modificador do meio em que vive.
A ATUAÇÃO DO PRÉ-VESTIBULAR NA (RE) CONSTRUÇÃO DOS INDIVÍDUOS.
No ano de 2008, tive a oportunidade de conhecer o projeto "Pré-Vestibular Comunitário União" por intermédio de um amigo idealizador do grupo (e também militante no Movimento Negro); e ao deparar com a realidade dos alunos, instantaneamente tive identificação com os mesmos, uma vez que em sua maioria, o perfil dos educandos se mostra da seguinte forma: oriundos de famílias pobres, negros, provenientes de escolas públicas com ensino fundamental e médio precário, possuem baixa renda, residentes em locais sem acesso à cultura e lazer e geralmente são os primeiros da família a procurarem ingresso na Universidade com o intuito de "melhorar de vida".
Entretanto, sofrem com a não-aceitação familiar, e com o discurso do insucesso, exclusão e fracasso, pois a Academia é vista como um "não-lugar" pelos discentes. Segundo Carvalho (2005, pág.24):
"Enquanto Movimentos Sociais organizados em comunidades pobres, igrejas, ONGs e mesmo em escolas de classe média socialmente engajada, os CPVCs apresentam a especificidade de sujeitos coletivos em busca de auto-sustentabilidade nos campos social, político, cultural e escolar. Desde os primórdios os CPVCs afirmam-se crescentemente como um movimento de cidadania ativa, inclusão social e resgate de uma dívida que o Brasil tem, historicamente, com sua população afro-descendente."
Partindo desta realidade, os graduandos iniciaram o projeto do pré-vestibular gratuito voltado para atender inicialmente as necessidades dos alunos em relação ás matérias do vestibular que no geral, os estudantes demonstravam muitas dificuldade tanto na compreensão quanto na interpretação. O espaço para a realização dos trabalhos foi cedido por uma Igreja local, pois um dos integrantes do grupo pertencia á mesma e explicando a finalidade do projeto, obteve permissão para que duas salas fossem utilizadas para tal propósito.
Surgiu assim o PVCU, que em sua grade dispunha das seguintes disciplinas: Português, Literatura, Física, Química, Biologia, Geografia, História, Redação, Espanhol e Matemática que eram dadas pelos próprios graduandos (como passar do tempo foram introduzidas as disciplinas de Sociologia e Filosofia de acordo com os novos editais dos exames), encontramos em Carvalho, (2005) a seguinte definição "os quadros docentes são constituídos majoritariamente por graduandos, em processo de formação... cujas experiências de fracasso e sucesso nos estudos e aprendizados de determinados conteúdos curriculares são colocados como forma de exemplo para os outros ".Desta forma ocorre o processo de identificação por parte dos discentes em relação aos docentes,visto como os mesmos se tornam "espelhos" devido também serem proveniente da mesma realidade social.
Em sua primeira turma, contaram com 09 alunos sendo que 3 no mesmo ano conseguiram ingressar em Universidades Públicas .Em seus quase 6 anos de existência, o PVCU sofreu várias modificações tanto em seu corpo docente, quanto em sua organização,linha de pensamento e localização. Encontramos em SANTOS, (2005) uma breve contextuação histórica sobre o processo de iniciação dos pré-vestibulares comunitários:
"Os pré-vestibulares comunitários são, desde os anos 1990, um dos mais importantes movimentos de tensionamento do sistema educacional do Brasil. Aparentemente concebidos/percebidos como uma crítica da elitização das universidades, eles foram difundidos pelo Movimento Negro, que naquela década trouxera á tona o debate sobre as desigualdades raciais... tendo a Educação como esfera central da expressão e reprodução."
Partindo deste pressuposto, os prés foram criados com o intuito de tentar sanar o ensino precário e deficiente recebido pelas camadas mais pobres da sociedade, tornando possível o acesso ao ensino superior e também contribuindo para a formação de sujeitos críticos - reflexivos, permitindo assim a eqüidade no acesso a graduação.
Depois de algum tempo, os organizadores conseguiram por intermédio da Associação de Moradores 2 salas para realização das aulas.Em 2008 fui convidada para fazer parte do grupo,atuando como auxiliar pedagógico do projeto, contribuindo para formação dos indivíduos críticos-reflexivos e colaborando no processo de ensino-aprendizagem,pois um novo enfoque foi dado ao projeto.
Inicialmente, a concepção de ensino era baseada somente nos "conteúdos" das provas, e a didática dos professores baseava-se apenas no "cospe-giz" não ocorrendo interação entre educador e educando, embora os mesmos estivessem ligados por uma "identidade cultural" que segundo FREIRE, (1996) "... a questão da identidade cultural, da qual fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos, cujo respeito é fundamental na prática educativa progressista é problema que não pode ser desprezado."
Esta identificação ocorria pelo fato dos docentes em sua maioria serem negros e oriundos de camadas pobres da sociedade, e que através das superações impostas para o não-ingresso na Universidade, servissem como exemplo aos futuros graduandos (em sua maioria também negros e pobres) que viam neles, uma chance de mudança em suas próprias vidas, contrariando a realidade excludente e racista no qual esta inserida nossa sociedade.
Seguindo a proposta freireana de que "os professores não são os detentores/transferidores dos saberes", e nem "os alunos são meros receptores/ memorizadores ou até mesmo repetidores" de conteúdos, optamos por uma nova concepção ao ato de ensinar baseando na troca das vivências de professores e alunos que em FREIRE (1996) encontramos a seguinte premissa: "nas relações político-pedagógicas com os grupos populares não se pode desconsiderar seus saberes de existência, sua explicação do mundo, de que faz parte sua a compreensão da própria presença no mundo" o respeito à leitura de mundo dos indivíduos toma como ponto de partida o respeito ao conhecimento adquirido em diferentes meios, viabiliza uma práxis dialógica entre professor e aluno e desenvolve a aprendizagem mútua e a autonomia por parte dos educandos.
Segundo a autora Petronilha Silva (2005), "conteúdos pouco valorizados pela sociedade, quando ensinados pretende-se apagar preconceitos,corrigir idéias, atitudes forjadas com base nas destruidoras ideologias do racismo." Ao seguirmos esta nova metodologia de ensino, percebemos que aprendizagem se tornou mais significativa, a interação e relação entre professor e aluno se tornaram mais próxima e ao sairmos do "conteúdismo", focamos em um ensino que se propunha a formação crítica, política e reflexiva dos indivíduos, centrando no entendimento e transformação da realidade no qual estão inseridos.
O número de alunos cresceu consideravelmente, a média por ano circula em torno de 20 a 45 estudantes, composta em sua maioria pelo público feminino e por alunos negros com faixa etária compreendendo entre 18 e 52 anos de idade, que se dividem em:
Estudantes de ensino médio; 18
Ensino normal; 9
Estudantes de ensino supletivo; 5
Pessoas que terminaram o ensino médio á alguns anos. 3
A procura pelo pré-vestibular aumentou devido ao desejo de inserção ao nível superior que segundo a autora SILVA, 2009:
"(...) a competitividade, acirrada pelo crescente número de concluintes do ensino médio (...) tornou quase obrigatória a passagem para um cursinho, com a finalidade de receberem informações e também apoio afetivo, no sentido de garantir autoconfiança para enfrentar a arena dos exames vestibulares. Provas estas em que devem mostrar competências necessárias para ultrapassar o vestíbulo (daí os vestibulares) dos estabelecimentos de ensino superior e, assim, ingressar em um novo universo de estudos e conhecimentos.
A seleção para o vestibular é utilizada como ferramenta para escolher quem poderá adentrar o ensino superior, uma vez que o exame valoriza a acumulação de conhecimento (que muitas das vezes, ao longo do tempo são dispensáveis devido à particularidade de cada curso), ainda nesse aspecto a trajetória social do aluno é parte fundamental, pois nas camadas pobres é comum o não-incentivo ao ensino superior (como é composta em sua maioria por afro-descendentes, o trabalho braçal é mais valorizado que o trabalho intelectual) derivando-se menos tempo e qualidade no ensino. Em SANTOS (2005) podemos analisar a ótica perversa dos exames de seleção impostos aos alunos:
"O vestibular não mede a qualidade das escolas, mas sim as condições dos alunos em acumular conhecimentos que vão muito além do trabalho realizado na escola e envolvem condições materiais, econômicas e sociais... a auto-estima e a confiança (aviltadas pelo racismo), o tempo de envolvimento com a preparação (nas classes populares a necessidade de trabalhar limita este tempo), o suporte emocional em caso de fracasso são aspectos que interferem nas condições de aprendizagem e definem a preparação e as possibilidades de um candidato ao vestibular.
Conseqüentemente a chance de inserção na Universidade, para os pré-vestibulandos, é considerado como um "investimento em sua formação", entretanto este investimento deverá ter um retorno que será a inserção e permanência no mercado de trabalho, corroborando com o processo da formação sendo utilizada para mercantilização do ensino onde todo o foco volta-se para atender ao mercado, portanto, tendo início à "... transição da sociedade industrial para a chamada sociedade do conhecimento, observar-se uma importante mudança na relação entre educação e formação" e o mundo do trabalho, onde todos devem se adaptar as suas imposições (ainda que inconscientemente) SILVA, 2009.
Os egressos no pré inicialmente não possuíam visão crítica sobre os dilemas da sociedade moderna, suas perspectivas se retinham em apenas cursar a graduação simplesmente, não atentavam para as barreiras de preconceito e racismo que porventura poderiam sofrer, os mesmos acreditavam que "na Universidade não haveria este tipo de comportamento preconceituoso" possuindo uma visão totalmente romântica sobre o assunto e muitos não se reconheciam como afro-descendentes.
Embora, os alunos acreditassem que o sistema de cotas poderia ser uma espécie de "atalho" para o ingresso na graduação, facilitando sua entrada e não compreendendo no sentido de ser uma ação afirmativa voltada para os afro-descendentes, os professores do pré?vestibular incentivavam os alunos a tentarem suas graduações através do sistema de cotas, pois muitos também foram beneficiados por tal sistema, alcançando o objetivo de como negros ingressarem no Ensino Superior.
O Enem e o ProUni também eram vistos como "facilitadores" pois os alunos consideravam o processo seletivo do Enem "mais fácil" do que as provas das Universidades Públicas. Compreendiam uma maior possibilidade de egresso através das bolsas do ProUni, deixando de fazer outras exames, focando somente no Enem com o intuito de que "em pouco tempo estariam prontos para o mercado de trabalho", devido as constantes greves nas Universidades Públicas, consideravam também que mesmo se não obtivessem as bolsas,tentariam ingressar nas Instituições Privadas pois as consideravam "mais fáceis" (outro motivo seria a localização das Universidades públicas) suas localizações são distantes, não favorecem aos moradores da Baixada Fluminense, enquanto as Instituições privadas aproveitam-se desta "espaço" para "mercantilizar"o ensino superior .
CONCLUSÃO
Ao longo destes quase 5 anos de existência , o PVCU contribuiu para a formação de 40 alunos, muitos ingressando em Universidades Públicas, ganhando bolsas integrais/parciais pelo ProUni, voltando ao projeto para atuarem como voluntários e contribuírem na formação de tantos outros que desejam realizar o sonho de cursarem o ensino superior. Este lugar não é apenas um espaço de reprodução de conteúdos, mas um espaço de reflexão, discussão, aprendizado, troca de experiências e fortalecimento de idéias, um espaço de afirmação da negritude e percepção da mesma.
Atualmente não estou mais como colaboradora do projeto, mas acredito que contribuí na formação de muitos (assim como contribuem ainda na minha formação como docente), lançando a semente da luta para que o "não-lugar" se torne espaço de todos, na busca pelos ideais, na realização dos objetivos e na transformação dos sujeitos em indivíduos críticos-reflexivos e da não-aceitação do "discurso maior" excludente e racista que permeia o cotidiano dos alunos oriundos da Baixada Fluminense que desejam cursar o Ensino Superior.
O relato acima é apenas uma pequena amostra do cotidiano e do aprendizado que obtive durante o tempo em que atuei neste lugar, em meio a tantas dificuldades, veio à superação, o crescimento, as vitórias coletivas e individuais, a motivação para continuar provém dos testemunhos dos que foram ajudados a não desistir dos sonhos e continuar o caminho. Dos conflitos, das dificuldades e limitações, dos dilemas, dos desafios pedagógicos, nasce o novo, o INOVADOR.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 5.ed. Campinas, SP,1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários á prática educativa. 2ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SILVA, Petronilha B.G. Os processos de Ensino-Aprendizagem nos CPVCs: Um retrato estatístico. In: ANDRADE, Rosa. M. Aprovados: Cursinho pré-vestibular e população Negra. São Paulo, 2002.
___________ Aprendizagem e Ensino das Africanidades Brasileiras. 2005
Versão em pdf disponível em :
<http://recantodasletras.uol.com.br/trabalhosacademicos/427994> Acessado em:08 de Julho de 2010
SILVA, Tatiane. A. Formação Contínua de Professores e sua Mercantilização no Magistério. Duque de Caxias, 2009. 56 f. Monografia (Graduação em Pedagogia Licenciatura Plena) ? Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Educação da Baixada Fluminense: Duque de Caxias, 2009.
SANTOS, Renato. E. Pré-Vestibulares Populares: Dilemas Políticos e desafios Pedagógicos. In: CARVALHO. B.C.J,FILHO,A.H,COSTA,P.R.Cursos Pré-Vestibulares Comunitários:Espaços de Mediações Pedagógicas .Ed.PUC.Rio,2005.