O povo brasileiro segundo o romance de João Ubaldo Ribeiro

Por leticia Malard | 14/02/2018 | Literatura

         Resumo

         A finalidade deste texto é, prioritariamente, fazer com que os não especialistas em Literatura conheçam o romance Viva o Povo Brasileiro, a partir de seus contextos e em seu todo, por se tratar de um dos dez melhores romances brasileiros do século XX, segundo pesquisas. Em apoio a esse objetivo, transcreveremos e comentaremos a representação de “povo brasileiro” no romance, para que se desvele qual povo merece viva / viver. A partir da epígrafe do livro, abordaremos a questão da pós-verdade, no real e na ficção. A título de curiosidade, incluímos um Anexo com a identificação de todas as personagens, pessoas e entidades que aparecem no livro.

         1. João Ubaldo Ribeiro

         Ubaldo nasceu em Itaparica-BA, em 1941. Morreu no Rio de Janeiro-RJ, em 2014. Era graduado em Direito, cursou mestrado em Administração Pública e Ciência Política, foi professor e jornalista, no Brasil e em outros países. Publicou dez romances, livros de contos, de crônicas e de literatura infantil e juvenil. Seus romances são: Setembro não tem sentido (1968), Sargento Getúlio (1971), Vila Real (1979), Viva o Povo Brasileiro (1984), O Sorriso do Lagarto (1989), O Feitiço da Ilha do Pavão (1997), A Casa dos Budas Ditosos, (1999), Miséria e Grandeza do Amor de Benedita (2000 – o primeiro livro virtual lançado no Brasil), Diário do Farol (2002) e O Albatroz Azul (2009).      

         2. O contexto político da publicação do romance

         Viva o Povo Brasileiro foi escrito e publicado durante o último governo da ditadura militar (1964-1985), o do general João Batista Figueiredo (1979-1985), e se chamaria “Alto lá, meu General!”. Foi traduzido em várias línguas. Para a inglesa, pelo próprio autor, com o título Invincible Memory.

         Em 1982 – ano provável do início da escrita – houve eleição direta para governador, e dez estados elegeram políticos da oposição, abrindo caminho à  campanha das eleições diretas para presidente da república.

         A democracia se instalou somente com a ascensão de José Sarney à presidência, substituindo o falecido Tancredo Neves, que tinha sido escolhido pelo Colégio Eleitoral em eleição indireta. Portanto, o romance foi escrito e publicado ainda na vigência da censura, que só acabou, de fato, com a Constituição em 1988.

         Certamente que Viva o Povo Brasileiro não agradou aos militares, pois nele já encontramos a tematização de assuntos inusitados na literatura publicada entre 1964 e 1985. Um exemplo: para driblar a censura e mesmo a autocensura, os escritores costumavam transportar fatos do presente para tempos passados, buscando uma homologia sub-reptícia entre os dois tempos. Assim, em vários momentos do romance, Ubaldo faz duras críticas ao militarismo, ao exército, mas relativas à Guerra do Paraguai, começada nos exatos 100 anos antes do Golpe de 64. A tônica da crítica é o exército não estar a serviço do povo pobre – uma contradição porque a absoluta maioria de seus membros pertence a ele – e sim na defesa dos poderosos da classe dominante. O heroísmo bélico é desmitificado na personagem Zé Popó, que defende os soldados paraguaios como iguais aos brasileiros: meninos esfarrapados, famintos, doentes e inexperientes, lutando por uma causa que não é a do povo. A bem da verdade, falando do militarismo na Guerra da Tríplice Aliança, o escritor fala dos militares golpistas a partir de 1964.

Artigo completo: