O PODER JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS...
Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | DireitoO PODER JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: Uma análise substancialista em prol da eficácia dos direitos sociais frente à reserva do possível
Tendo em vista que as políticas públicas são o meio de efetivação dos direitos sociais, é dever do Estado, com fito ao controle social, promover o alcance ao maior número de pessoas dos direitos do art. 6º da Carta Maior. Em não havendo um ato estatal nesse sentido ou, havendo, sendo de forma inconveniente, inoportuna ou ilegítima, cabe o controle judicial, para se fazer cumprir o texto constitucional e a lei.
Impende ressaltar, desde já, que não se defende no presente trabalho uma concentração de poderes ilimitados ao Poder Judiciário, num verdadeiro ativismo judicial, pelo contrário, se defende as prerrogativas dadas ao Judiciário como poder que viabiliza a realização dos ditames constitucionais, uma vez que, nos dizeres de Clèmerson Merlin Clève (2000, p. 33), a Constituição de 1988 não é um mero documento de lembretes e de conselhos:
[...] a compreensão da Constituição como norma, aliás, norma dotada de superior hierarquia, a aceitação de que tudo que nela reside constitui norma jurídica, não havendo lugar para lembretes, avisos, conselhos ou regras morais e, por fim, a percepção de que o cidadão tem acesso à Constituição, razão pela qual o legislativo não é o seu único intérprete, são indispensáveis para a satisfação da superior autoridade constitucional.
Além da importância da atuação do Poder Judiciário no que se refere às políticas públicas, há um diferencial nesse controle, que é a coercibilidade das decisões judiciais. É nessa linha de pensamento que Habermas (2003, p. 299-300) alega que não teria sentido a existência do controle judicial da constitucionalidade dos atos do Executivo e Legislativo se o Judiciário não possuísse meios coercitivos de realização das suas decisões:
Não obstante, a lógica da divisão dos poderes não pode ser ferida pela prática de um tribunal que não possui os meios de coerção para impor suas decisões contra uma recusa do parlamento e do governo. A concorrência do tribunal constitucional com o legislador legitimado democraticamente pode agravar-se no âmbito do controle abstrato de normas. E, para saber se uma lei decidida pelo parlamento é conforme à constituição, ou ao menos, não contradiz a configuração coerente do sistema dos direitos, esta questão é submetida a um reexame judicial.
No entanto, muitas vezes pode haver atuação do Judiciário devido a determinada omissão do Estado em garantir algum direito fundamental social que se justifica pela falta de recursos. Isso se dá pelo que se entende por mínimo existencial e reserva do possível, os quais são de grande valia para o trabalho.
O mínimo existencial, de forma bem resumida, é a base, o alicerce, o mínimo que uma pessoa precisa para viver dignamente como ser humano (HESS, 2011, p. 265). Em outros termos, é dar eficácia ao Título II da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais. É nesse sentido que o mínimo existencial está intimamente ligado à ideia de justiça social, pois é uma forma de garantir existência de uma sociedade possuidora dos seus direitos mínimos com dignidade, como, por exemplo, dos direitos expostos no art. 6º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Assim, as políticas públicas, promovendo o mínimo existencial, ou o Poder Judiciário através do seu poder coercitivo, automaticamente se está efetivando a justiça social, com pessoas no gozo de seu direito à saúde, ao lazer, à educação, dentre outros.
Nota-se que o mínimo existencial possui o condão de atribuir ao indivíduo direito subjetivo contra o Poder Público (TAMER, 2005, p. 216). Na mesma linha de pensamento, Ingo Sarlet (2005, p. 112) afirma que o mínimo existencial demanda prestações mínimas do Estado, uma vez que há um “núcleo essencial mínimo judicialmente exigível dos direitos a prestações” (grifou-se). Não há mínimo existencial sem atuação do Estado. A sociedade firmou um contrato social em que anseia por políticas públicas eficientes provindas do Leviatã, tendo o Estado o dever de cumprir com sua obrigação, que é promover a todos os seus direitos fundamentais sociais.
Importante a leitura de Clèmerson Merlin Clève (2003, p. 27), que coaduna com o entendimento que o mínimo existencial é indispensável para o ser humano possuir sua condição de humanidade:
O conceito do mínimo existencial, do mínimo necessário e indispensável, do mínimo último, aponta para uma obrigação mínima do poder público, desde logo sindicável, tudo para evitar que o ser humano perca sua condição de humanidade, possibilidade sempre presente quando o cidadão, por falta de emprego, de saúde, de previdência, de educação, de lazer, de assistência, vê confiscados seus desejos, vê combalida sua vontade, vê destruída sua autonomia [...].
A ligação entre o mínimo existencial e o Poder Judiciário está justamente na definição daquele, pois havendo uma lesão ou ameaça a lesão de determinado direito que deveria ser assegurado pelo Estado e este se omite ou possui ato ilegal ou fora de qualquer razoabilidade que não assegure determinado direito, pode o Poder Judiciário intervir na Administração Pública de forma que se determine um ato adequado que vise à eficácia do mínimo existencial.
Ocorre que no site do IBGE, analisando o índice demográfico, percebe-se que a cada segundo cresce a população brasileira, aumentando consequentemente a obrigação das políticas públicas em tutelar direitos fundamentais, e esse crescimento nem sempre é proporcional aos recursos públicos disponíveis no orçamento. O cumprimento dos direitos fundamentais sociais possui um custo (NILSON, 2007, p. 30), e alto.
É nesse contexto que nasce a reserva do possível, que nada mais é que o fenômeno que limita a efetivação dos direitos fundamentais prestacionais, como os direitos sociais, uma vez que só há promoção de um direito social se houver fundo orçamentário para isso. E surge assim mais uma problemática, tendo em vista que os recursos são limitados.
A reserva do possível, como bem observa Aline Riegel Nilson (2007, p. 31), tem como pressuposto que os bens disponíveis são escassos, implicando na impossibilidade de satisfazer todas as necessidades humanas de forma que o Estado tenha que realizar escolhas determinando para quais fins e em qual extensão serão destinados os recursos públicos.
É nessa via que Marcos Maselli Gouvêa (2003, p. 20) se pronuncia:
É nos países pobres que a questão da alocação de recursos traduz-se, efetivamente, numa escolha dramática, em que deliberar a realização de uma determinada despesa, contemplando certo projeto, importa reduzir ou suprimir os recursos necessários para outra atividade. Estas escolhas dramáticas, envolvendo uma deliberação de prioridades que, em princípio, não comportaria critério objetivo, deveriam incumbir às autoridades eleitas. (grifos do autor).
Em linhas gerais, quando o Estado se depara com um direito fundamental amparado pelo mínimo existencial, procede a uma análise da reserva orçamentária disponível, fazendo que o Estado realize somente o que está dentro de sua capacidade econômica. É por isso que o papel fiscalizatório, o controle legislativo nos atos administrativos descritos no capítulo anterior, o controle social, o controle judicial e o controle dos próprios órgãos da administração são importantes, pois evitam arbitrariedades administrativas e os atos ímprobos que afetam diretamente o erário. Havendo fundo, há, pelo menos em tese, maior fonte para promoção dos direitos sociais.
Como atenta Fernando Borges Mânica (2011, p. 11), a teoria da reserva do possível “não se refere direta e unicamente à existência de recursos materiais suficientes para a concretização do direito social, mas à razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação”. Nota-se, portanto, que, no Brasil, essa teoria é limitada no sentido apenas do critério financeiro, servindo como limite à efetivação de direitos fundamentais sociais. É nesse contexto que se pode afirmar que a reserva do possível muito já impediu qualquer avanço na eficácia dos direitos sociais (BARCELLOS, 2002, apud MÂNICA, 2011, p. 12).
Dessa forma, as decisões judiciais têm exigido não só a mera alegação de inexistência de recursos, mas também a comprovação de ausência de recursos, denominada exaustão orçamentária. Como se percebe no seguinte julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
[...] Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais (BRASIL, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04, g. n., grifo nosso)
O que se defende com essas exposições teóricas é que pode haver uma omissão do Poder Público em efetivar determinado direito social pelo motivo de inexistência de recursos financeiros. Assim, não tutelado o mínimo existencial, há direitos sociais violados e, havendo essa violação, há plena possibilidade de se provocar o Poder Judiciário para se manifestar sobre a omissão de políticas públicas.
Dessa forma, ainda que o Poder Judiciário decida a favor dos direitos sociais, como estes serão efetivados se não existir recursos para tanto? Pois bem, acredita-se que isso não poderá impedir a eficácia dos direitos fundamentais essenciais para garantir à pessoa humana uma vida digna.
É lícito supor, como concorda Aline Riegel Nilson (2007, p. 33), que a reserva do possível não pode ser considerada condição para a própria existência do direito, uma vez que a reserva do possível é uma condição de realidade que influencia diretamente a efetividade das normas jurídicas, possibilitando assim uma obrigação aos Poderes Públicos para realização de prestações dos direitos sociais.
O Judiciário e a inexecução de políticas públicas
Tendo em vista que as decisões do Poder Executivo no tocante às políticas públicas são presumidamente condizentes com a vontade da população, a atuação diferente do esperado parece ser passível de controle dos demais poderes, com fim de promover o Estado Democrático de Direito. Não havendo políticas públicas eficazes ou nem havendo, estaria de certa forma violando o “contrato” feito entre a sociedade e o Estado, assim como contra a democracia.
É nesse contexto que os juízes, por serem escolhidos através de concurso público e assim não terem, em tese, partidarismo ideológico, foram tidos por muito tempo como os verdadeiros “promotores da justiça”, uma vez que não teriam compromisso com o povo, mas com a lei, seguindo um dos princípios maiores da jurisdição, que é a imparcialidade.
Diante disso, há duas correntes que merecem ser abordadas. A primeira é a corrente procedimentalista, encabeçada por Habermas (2003, p. 299-300), o qual defende que a atuação do Judiciário frente aos atos emanados dos demais poderes causa prejuízo à democracia, uma vez que não há democracia na legitimidade dada aos magistrados.
Parece, portanto, que esta corrente não é eficaz no contexto “sociojurídico” do Brasil, uma vez que isso daria uma liberdade quase que absoluta à Administração Pública, possibilitando medidas ilegais, arbitrárias, irrazoáveis e ímprobas. Como diz Aline Riegel Nilson (2007, p. 38), “não é crível imaginar-se que as deliberações oriundas do jogo democrático sejam suficientes para o alcance da almejada justiça social, com a efetiva concretização dos direitos fundamentais para todas as camadas da sociedade”. E arremata:
Afinal, num país em que, lamentavelmente, é considerável o contingente de pessoas que não têm acesso à educação e à cultura, parece um tanto quanto despropositado pensar-se que a população estaria preparada para tomar decisões que, de fato, atendessem a interesses públicos. Com isso, cresce o risco de que os “consensos”, em verdade, respaldem a consagração de interesses escusos daqueles cuja missão seria representar a vontade do povo. (NILSON, 2007, p. 38)
De outro giro, a corrente substancialista defende que o papel precípuo da Constituição não se limita a garantir a lisura do processo democrático. Em outras palavras, uma vez que a Constituição Federal consagra direitos fundamentais sociais com normas de cunho axiológico-material que retratam os valores supremos eleitos pela sociedade, não basta ao Poder Judiciário assegurar que os cidadãos exerçam a democracia, mas concretizar o conteúdo material da Carta Maior (NILSON, 2007, p. 39).Nessa inteligência, Andreas Krell (2002, p. 55) salienta:
As questões ligadas ao cumprimento das tarefas sociais como a formulação das respectivas políticas, no Estado Social de Direito não estão relegadas somente ao governo e à administração, mas têm o seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais; a sua observação pelo Poder Executivo pode e deve ser controlada pelo Poder Judiciário.
No entanto, esse controle judicial não é desmedido, o que seria clara violação à separação de poderes, possuindo limites, que se dá com a observância, por exemplo, do princípio da inércia da jurisdição, ficando definido que só pode atuar o Poder Judiciário quando este for provocado por algum cidadão ou algum órgão competente visando à efetivação de determinado direito social (BARBOSA; KOTINDA, 2014, p. 111). O Poder Judiciário não pode assim, a título de exemplo, abrir um processo determinando a construção de um hospital ou, constatando um serviço público inadequado, instaurar um processo e julgar. Isso seria possível no âmbito administrativo, o Judiciário, no entanto, só atua quando provocado por alguma pessoa ou órgão (Ministério Público, Defensoria Pública) legitimado para tanto.
Importante saber que, ainda que o Judiciário seja legítimo para controlar a execução das políticas públicas, esse poder não possui legitimidade em controlar o processo de formulação de políticas públicas. Ou seja, ainda que o Poder Judiciário possa analisar as decisões tomadas pela Administração Pública no tocante às políticas públicas, não é a ele permitido definir quais políticas públicas devem ser formuladas, uma vez que “tal escolha, por sua natureza política, está sujeita ao crivo de representação popular” (NILSON, 2007, p. 42).
Sobre isso, vale a análise da fala de Eduardo Appio (2005, p. 118-119):
O processo de formulação de políticas públicas está diretamente relacionado com a prioridade que se deve conferir a programas sociais e econômicos, ou seja, a opção entre construir uma estrada ou um hospital, entre criar linhas de funcionamento em bancos públicos ou programas de subsídio e fomento às empresas locais. Bem por isto, este processo tradicionalmente está relacionado à representação popular, uma vez que os custos de obras e serviços são compartilhados por toda a sociedade na forma de cobrança de impostos, e não seria adequado retirar do cidadão sua capacidade de participação. Já o processo de execução ou aplicação de políticas públicas se mostra absolutamente distinto, na medida em que decorrem de decisões tomadas por agentes públicos eleitos diretamente pelo voto universal e obrigatório. A intervenção judicial, através das ações coletivas, surge como um importante instrumento de preservação da supremacia do texto constitucional, especialmente no que tange à densificação de princípios constitucionais de textura aberta (...). Trata-se, por conseguinte, de interferir na maneira como uma política pública prevista na lei ou na Constituição vem sendo executada, de molde a garantir a observância destes limites por parte da Administração Pública. Neste caso, a intervenção judicial pode se dar com o intuito de anular a forma como uma política pública vem sendo executada ou mesmo, através de uma aplicação construtiva, compatibilizar seu conteúdo com a Constituição. (grifo nosso)
Sobre esse posicionamento, importante ficar claro que, quanto à formulação e execução de políticas públicas, o controle do Judiciário acaba lançando uma nova perspectiva sobre os institutos representativos, uma vez que membros do Judiciário restringem parte da discricionariedade dos representantes escolhidos através de um processo eleitoral popular (KOTINDA, 2014, p. 115).
Não é a toa que a própria Constituição Federal confere ao Judiciário a guarda da Constituição. A verdade é que o legislador constituinte incumbiu à jurisdição a tarefa de “guardiã dos valores materiais positivados na Constituição” e, nessa visão, o Judiciário seria uma alternativa para o resgate das promessas da modernidade, tais como igualdade, justiça social e garantia dos direitos humanos fundamentais.
É por isso que é tão importante a atuação do Judiciário no âmbito das políticas públicas, não podendo o princípio da separação dos poderes ser um obstáculo às reivindicações de cunho social, visto que a tutela conferida aos direitos fundamentais pelo Estado Democrático de Direito torna estritamente necessária uma releitura de tal princípio, a permitir um sistema eficaz de “freios e contrapesos”.
Em outros termos, o “Poder Judiciário torna-se, assim, co-responsável pela atuação dos demais poderes estatais, tendo a importante missão de orientá-los a cumprir as disposições constitucionais da forma mais ampla possível e, assim, promover uma mudança social” (DRUMMOND, p. 19). Ou seja, não parece interessante que a melhor atuação judicial seja deixar de averiguar determinada política pública para a concretização dos direitos sociais, sob pena de compactuar com a eventual afronta ao que prevê a Constituição Cidadã.
O Projeto de Lei nº 8.058/2014
Devido a crescente valorização dos direitos fundamentais sociais e relativização da separação dos poderes com a consequente intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 8.058/14, de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que tem por fim a instituição do processo especial para controle e intervenção em políticas públicas pelo Judiciário.
Ainda que a atuação deste Poder seja essencial para assegurar a efetivação de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de 1988, tal atividade tem sido exercida sem um fundamental legal com critérios mínimos para orientar a conduta dos magistrados, uma vez que suas decisões repercutem em toda a sociedade. Dessa forma, o projeto de lei visa limitar qualquer subjetivismo judicial na tomada de decisões que determinam a implementação de determinada política pública, tanto que o art. 2º do projeto[1] positiva, dentre outros, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, garantia do mínimo existencial (GRINOVER; LUCON; WATANABE, 2015).
Sendo assim:
[...] é preciso esclarecer que o Projeto de Lei não atribui qualquer competência ao Judiciário que a Constituição já não o tenha feito. É, aliás, da própria Constituição Federal, no artigo 5, parágrafo 1º — de acordo com o qual, as normas que estatuem direitos fundamentais têm aplicação imediata —, que decorre a legitimidade do Judiciário para atuar nos casos em que a inércia dos outros poderes estatais impede a satisfação de determinado direito fundamental. Trata-se simplesmente do exercício do controle da constitucionalidade, pelo qual o Judiciário é chamado – sempre a posteriori – para verificar se a ausência de uma política pública ou se a política pública criada e implementada pelo Legislativo ou pelo Executivo fere os direitos fundamentais ou não é adequada. (GRINOVER; LUCON; WATANABE, 2015)
Parece, portanto, louvável o referido projeto, uma vez que estabelece parâmetros aos magistrados que se deparam com a necessidade de julgar causas que possuem teor de implementação de determinada política pública.
O art. 6º do projeto de lei[2] estabelece como uma das primeiras providências a ser tomada pelo juiz antes de qualquer decisão a notificação da autoridade responsável pela efetivação da devida política pública pleiteada para que sejam apresentadas informações detalhadas, dentre outras, sobre a existência de recursos financeiros previstos em seu orçamento para a implementação dessa política, sobre a previsão de recursos financeiros a sua implementação ou correção, e, ainda, em caso de insuficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas. Com isso, a “formação do convencimento judicial, assim, se dará de maneira mais adequada, sem se descolar da realidade que envolve a implementação de uma política pública” (GRINOVER; LUCON; WATANABE, 2015).
Tendo em vista que as políticas públicas visam à eficácia dos direitos fundamentais sociais e estes, por sua vez, são direitos coletivos, o art. 10 do projeto[3] prevê a possibilidade do magistrado, para melhor formação do seu convencimento, designar a realização de audiências públicas, convocando representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados. Dessa forma, o magistrado terá maior conhecimento para dimensionar os impactos de sua decisão, uma vez que ouvirá os sujeitos que terão seus direitos abarcados pelo pronunciamento judicial.
Resssalte-se que o projeto dá maior efetividade não só à decisão judicial como também aos direitos fundamentais. O art. 20[4] do projeto possibilita ao juiz, por exemplo, que, de ofício ou a requerimento das partes, altere a decisão na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do que as determinadas em sua decisão. Ou seja, o Judiciário proferindo determinada decisão e fazendo a Administração Pública melhor do que o julgado, pode o magistrado alterar seu decisum.
Além disso, o art. 18 do projeto de lei[5] possibilita a determinação ao ente público responsável que apresente um planejamento necessário à implementação da política pública em questão, o qual será objeto de debate entre o juiz, o ente público e os demais representantes da sociedade civil, assim como a determinação ao Poder Público que inclua verbas no orçamento do ano em curso ou do ano futuro, com a obrigação de que elas sejam efetivamente aplicadas na implementação ou correção da política pública requerida. Isto é, poderá o Poder Judiciário determinar ao Poder Público que se planeje mais no sentido a dar eficácia à determinada política pública, servindo como prevenção de futuros casos semelhantes de inércia do Estado em promover os direitos fundamentais sociais.
Paralelo a todo o exposto, Lênio Streck e Martonio Mont’Alverne (2015) tecem críticas ao projeto no sentido de que, aprovado, o Judiciário deixaria de ser somente Judiciário, uma vez que o Executivo e Legislativo tenderiam a desaparecer diante da competência da atuação judicial; e que houve uma espécie de regulamentação do ativismo judicial com o devido projeto e não um combate como deveria ter sido.
Ocorre que o projeto de lei não atribui qualquer competência ao Poder Judiciário além do que a própria Constituição já concedeu tanto pela leitura do seu art. 5º, inciso XXXV quanto do art. 5º, §1º[6] (BRASIL, 1988), uma vez que os direitos fundamentais sociais possuem aplicação imediata e não pode nenhuma lei impedir a apreciação pelo Poder Judiciário de alguma lesão ou ameaça a lesão a determinado direito. O projeto, por sua vez, trata apenas de um controle da constitucionalidade, em que o Judiciário é chamado (a posteriori) para verificar ausência de determinada política pública ou se, aplicada, fere direitos fundamentais ou não é adequada (GRINOVER, LUCON, WATANABE, 2015).
Por fim, nunca foi tarefa do Legislativo combater o ativismo, mas sim “estabelecer parâmetros de conduta aos magistrados”.
[1] “Art. 2º. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário rege-se pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais: I – proporcionalidade; II – razoabilidade; III – garantia do mínimo existencial; IV – justiça social; V – atendimento ao bem comum; VI – universalidade das políticas públicas; VII – equilíbrio orçamentário.” (TEIXEIRA, 2014)
[2] “Art. 6º. Estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá e notificará o órgão do Ministério Público e a autoridade responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoalmente e no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas que deverão contemplar os seguintes dados da política pública objeto do pedido, os quais constarão do mandado: I – o planejamento e a execução existentes; II – os recursos financeiros previstos no orçamento para sua implementação; III – a previsão de recursos necessários a sua implementação ou correção; IV– em caso de insuficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas; IV – o cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido.” (TEIXEIRA, 2014)
[3] “Art. 10. Caso tenha por esclarecidas as questões suscitadas na fase preliminar, o juiz poderá designar audiências públicas, convocando representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados.” (TEIXEIRA, 2014)
[4] “Art. 20. O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do que as determinadas na decisão, ou se esta se revelar inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente.” (TEIXEIRA, 2014)
[5] “Art. 18. Se for o caso, na decisão o juiz poderá determinar, independentemente de pedido do autor, o cumprimento de obrigações de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente, em: I – determinar ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória a apresentação do planejamento necessário à implementação ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o respectivo cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil. II – determinar ao Poder Público que inclua créditos adicionais especiais no orçamento do ano em curso ou determinada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente as verbas na implementação ou correção da política pública requerida.” (TEIXEIRA, 2014)
[6] “Art. 5º, [...], § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 1988).