O Poder Judiciário e a Judicialização das Políticas Públicas
Por Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho | 10/12/2008 | Direito
O Poder Judiciário e a Judicialização das Políticas Públicas
Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho (Advogado, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos – IBEJ. Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Introdução
Com o advento da Constituição Federal Republicana de 1988, os Poderes constituídos, Judiciário e Legislativo, fortaleceram-se sobremaneira - inclusive em seu ofício de fiscalizar o Poder Executivo, que até então era absoluto, sob o comando de marechais e generais.
Entretanto, não obstante o fortalecimento do Judiciário e do Legislativo, fato é que o Executivo continua sendo um Poder extremamente forte, muito embora, hoje, contido pelo ordenamento constitucional vigente, que regula e limita interferências legítimas de um poder constituído sobre outro, com o escopo de evitar arbitrariedades, desmandos e contendas institucionais.
É inegável que hodiernamente o Poder Judiciário tem um papel mais relevante e ativo no seio da sociedade, assim como o Ministério Público, órgão autônomo e independente, essencial à função jurisdicional do Estado.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, especificamente durante o período ditatorial, o Judiciário e o Legislativo não tinham bases fortes – apenas o Executivo detinha poderes especiais. Um exemplo disso é o crudelíssimo Ato Institucional n.º 05, de 13 de dezembro de 1968, que reforçou os poderes discricionários do regime militar, permitindo que o Presidente da República, chefe do Executivo Federal, adotasse medidas sem limitações previstas no ordenamento magno da época, excluindo de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados em conformidade com o AI-5 e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos (art. 11).
Atualmente, sem qualquer afronta ao mecanismo de freios e contrapesos ("checks and balances") e à independência dos poderes constituídos (art. 2º, CF/88), o comando constitucional concede ao Poder Judiciário competência para obrigar o Executivo, quando inerte ou omisso, a tomar determinadas medidas em favor dos indivíduos necessitados de amparo estatal.
Nessa linha, alguns estudiosos sustentam que o Judiciário tem a obrigação de garantir os direitos sociais assegurados constitucionalmente, refutando os obstáculos que impedem o desenvolvimento das políticas públicas. Outros, no entanto, entendem que compete tão-somente aos governantes pôr em prática as políticas públicas e sociais, uma vez que os magistrados não estariam aptos a enfrentar a judicialização da política.
Enfim, à qual Poder constituído compete a efetivação dos direitos sociais? O que falta para a implementação adequada de políticas públicas? O ativismo judicial seria um mal necessário?
Cá pra nós, perguntas difíceis. Porém, embora o tema seja controvertido e de difícil resolução, um ponto é certo: se em harmonia, conforme assenta o art. 2º da CF/88, os Poderes constituídos não se entendem, imagine você se porventura o Executivo ou o Legislativo resolve confrontar-se com o Poder Judiciário em virtude da ingerência deste no âmbito das políticas públicas. Seria um caos: um engessamento generalizado em prejuízo do povo brasileiro.
Adiante, algumas questões importantes pertinentes à judicialização das políticas públicas e à concretização dos direitos sociais.
Os direitos sociais na Constituição Federal
Os direitos sociais, espécie do gênero direitos fundamentais, têm previsão nos artigos 6º ao 11 da Carta Magna de 88 (arts. 6º ao 11), muito embora não se esgotem nesses dispositivos constitucionais que integram o Título II, que trata, em específico, dos "Direitos e Garantias Fundamentais".
Considerados "liberdades positivas" pela doutrina pátria, os direitos sociais visam a uma melhoria das condições de existência, por meio de prestações positivas do Estado - que tem o dever de assegurar a criação de alguns serviços, como o de educação, saúde e segurança.
Lamentavelmente, em sua maioria, tais direitos vêm enumerados em normas constitucionais não auto-aplicáveis – exigindo, em razão disso, um comportamento positivo do legislador infraconstitucional (um fazer do Estado), objetivando a regulamentação dos serviços e das políticas públicas.
Contudo, não obstante essa exigência em relação à ação estatal, não raras vezes o Poder Público deixa de adotar medidas necessárias à concretização dos direitos sociais.
A saúde (arts. 6º e 196 da CF/88), por exemplo, é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Cabe ao Poder Público, portanto, reduzir o risco de enfermidades e de outros agravos. Todavia, isso não vem ocorrendo. O Estado tem se omitido nessa questão, abstendo-se de cumprir a obrigação de uma prestação que a Constituição lhe impôs.
Em razão dessa inércia governamental, milhares de pessoas têm recorrido à Justiça quando necessitam de um medicamento ou procedimento que não conseguem obter no Sistema Único de Saúde (SUS) - sistema este financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, como também por outras fontes.
Registre-se, segundo o Ministro Celso de Mello, "o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República". O Poder Público deve "garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar" (AI 457.544, 02.03.2004).
Judicialização da política
De cinco anos pra cá, a judicialização da saúde fortaleceu-se no Brasil, muito embora ainda haja muita opinião contrária à participação do Judiciário na política.
Há quem diga que grande parte dos magistrados não considera relevante o impacto orçamentário de uma decisão judicial que determina o fornecimento de medicamentos a pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Pergunto:
Tal desconsideração não é tão preocupante quanto à omissão do Executivo acerca da implementação dos direitos sociais?
Indaga-se isso porque em alguns Estados-membros mais de 800 (oitocentos) mandados judiciais são expedidos mensalmente com pedidos de medicamentos.
Será que esse auxílio jurisdicional não é prejudicial aos cofres públicos?
Particularmente, creio que não, mas é preciso evitar exageros insustentáveis no campo da efetivação dos direitos sociais.
Nesse ponto, é importante lembrar da famosa cláusula "reserva do possível". Sabe-se que em havendo provas robustas quanto à inexistência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as normas constitucionais sociais, o Poder Público exime-se do cumprimento de algumas obrigações.
Obviamente, essa justificativa não pode ser usada de forma imprudente pelo Poder Público. Qualquer tentativa visando à criação de obstáculos ilegítimos e arbitrários deve ser punida na seara competente.
Frise-se, alguns defendem que a crise institucional do Estado brasileiro já foi instaurada e que o ativismo judicial contribuiu para tanto. Porém, esquecem-se que os juízes só atuam nessa questão porque o Legislativo e o Executivo não conseguem dar resposta às pretensões da sociedade.
Não se pode olvidar que estamos lidando com os denominados "direitos fundamentais", os quais são indispensáveis à pessoa humana. No caso dos direitos sociais (educação, saúde, moradia, lazer etc.) exige-se uma conduta positiva do legislador infraconstitucional, visando à regulamentação dos serviços e das políticas públicas.
Sendo assim, se os Municípios, por exemplo, não providenciam creches e pré-escolas para crianças menores de 05 anos (art. 208, IV, CF/88), nada mais resta aos prejudicados a não ser recorrerem ao Judiciário, a fim de que sejam concretizados seus direitos constitucionais.
Situação idêntica à de muitos transplantados hipossuficientes, que necessitam de medicamentos imprescindíveis à sua recuperação pós-transplante, no entanto, muitas vezes, não têm a guarida do Poder Público.
Nessas circunstâncias, em que se faz necessária a prestação positiva do Poder Público, o Estado-juiz traz para si a obrigação de fornecer subsídios para a garantia de diversos direitos reconhecidos e assegurados pela Constituição vigente.
Resta saber se o ativismo judicial é ou não um fenômeno deletério à separação dos Poderes (cláusula pétrea, inclusive) e à imparcialidade dos magistrados.
Particularmente, vejo a judicialização dos direitos sociais como um fator positivo. Creio que a intromissão do Judiciário, em regra, não afronta a imparcialidade dos membros da magistratura, tampouco fere o princípio da separação dos poderes, de índole constitucional.
Contudo, é forçoso salientar que nem tudo neste País são "flores". É lamentável a conduta de muitos magistrados, que no exercício de seu laborioso e nobilíssimo ofício, reputam os direitos fundamentais como absolutos, preterindo, em razão disso, o contraditório e a ampla defesa. A partir de então, tornam-se agentes parciais, não-cumpridores de princípios e regras básicas do Direito contemporâneo.
Não há dúvida que juízos de conveniência e de oportunidade não se coadunam com o exercício de prestações sociais, mas isso não significa dizer que devamos avalizar condutas afobadas e imprudentes tomadas por alguns membros da magistratura num determinado caso concreto.
É preciso entender que o Judiciário não é o "Salvador da Pátria". Não compete às autoridades judiciárias a tarefa de suprir todas as carências sociais existentes no território brasileiro, custe o que custar. No afã de pôr cobro a todos os problemas sociais, a política poderá ser usurpada, instalando-se, por conseqüência, uma verdadeira crise institucional no País.
Pergunto:
A quem compete administrar o Estado?
Ao Judiciário?
É óbvio que não! Ademais, justiça não se faz com parcialidade.
A judicialização da política deve existir, porém de forma limitada e comedida.
Não podemos permitir que um regime ditatorial crie novamente raízes no País, mesmo em se tratando do Judiciário e não das Forças Armadas.
Uma "ditadura da toga" seria um retrocesso!
O lado bom da coisa...
Sejamos justos.
De fato, o Judiciário tem invadido o âmbito da política, mas não podemos esquecer que na maioria das vezes amparando-se no ordenamento constitucional.
E cá pra nós, como sabiamente assenta o renomado constitucionalista Luís Roberto Barroso, "antes o Judiciário que as Forças Armadas".
Basta apenas que o Direito seja dito sem excesso de judicialização, de forma adequada, necessária e razoável.
Logicamente, melhor seria se os órgãos competentes efetivamente implementassem as denominadas políticas públicas, sem que houvesse a necessidade do Judiciário imiscuir-se na questão. Infelizmente, a inércia estatal é notória e contínua, o que obriga inúmeras pessoas procurarem a tutela jurisdicional, visando à concretização de seus direitos constitucionais.
Sendo assim, resta-nos apenas aplaudir os sensatos e prudentes magistrados brasileiros (a grande maioria, aliás), que ante o engessamento e a inércia do Executivo, intrepidamente têm tornado efetivos os direitos sociais, objetivando, acima de tudo, fazer JUSTIÇA dentro de um devido processo legal, sem preterição da razoabilidade e de regras e princípios de índole constitucional.
Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho (Advogado, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos – IBEJ. Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Introdução
Com o advento da Constituição Federal Republicana de 1988, os Poderes constituídos, Judiciário e Legislativo, fortaleceram-se sobremaneira - inclusive em seu ofício de fiscalizar o Poder Executivo, que até então era absoluto, sob o comando de marechais e generais.
Entretanto, não obstante o fortalecimento do Judiciário e do Legislativo, fato é que o Executivo continua sendo um Poder extremamente forte, muito embora, hoje, contido pelo ordenamento constitucional vigente, que regula e limita interferências legítimas de um poder constituído sobre outro, com o escopo de evitar arbitrariedades, desmandos e contendas institucionais.
É inegável que hodiernamente o Poder Judiciário tem um papel mais relevante e ativo no seio da sociedade, assim como o Ministério Público, órgão autônomo e independente, essencial à função jurisdicional do Estado.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, especificamente durante o período ditatorial, o Judiciário e o Legislativo não tinham bases fortes – apenas o Executivo detinha poderes especiais. Um exemplo disso é o crudelíssimo Ato Institucional n.º 05, de 13 de dezembro de 1968, que reforçou os poderes discricionários do regime militar, permitindo que o Presidente da República, chefe do Executivo Federal, adotasse medidas sem limitações previstas no ordenamento magno da época, excluindo de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados em conformidade com o AI-5 e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos (art. 11).
Atualmente, sem qualquer afronta ao mecanismo de freios e contrapesos ("checks and balances") e à independência dos poderes constituídos (art. 2º, CF/88), o comando constitucional concede ao Poder Judiciário competência para obrigar o Executivo, quando inerte ou omisso, a tomar determinadas medidas em favor dos indivíduos necessitados de amparo estatal.
Nessa linha, alguns estudiosos sustentam que o Judiciário tem a obrigação de garantir os direitos sociais assegurados constitucionalmente, refutando os obstáculos que impedem o desenvolvimento das políticas públicas. Outros, no entanto, entendem que compete tão-somente aos governantes pôr em prática as políticas públicas e sociais, uma vez que os magistrados não estariam aptos a enfrentar a judicialização da política.
Enfim, à qual Poder constituído compete a efetivação dos direitos sociais? O que falta para a implementação adequada de políticas públicas? O ativismo judicial seria um mal necessário?
Cá pra nós, perguntas difíceis. Porém, embora o tema seja controvertido e de difícil resolução, um ponto é certo: se em harmonia, conforme assenta o art. 2º da CF/88, os Poderes constituídos não se entendem, imagine você se porventura o Executivo ou o Legislativo resolve confrontar-se com o Poder Judiciário em virtude da ingerência deste no âmbito das políticas públicas. Seria um caos: um engessamento generalizado em prejuízo do povo brasileiro.
Adiante, algumas questões importantes pertinentes à judicialização das políticas públicas e à concretização dos direitos sociais.
Os direitos sociais na Constituição Federal
Os direitos sociais, espécie do gênero direitos fundamentais, têm previsão nos artigos 6º ao 11 da Carta Magna de 88 (arts. 6º ao 11), muito embora não se esgotem nesses dispositivos constitucionais que integram o Título II, que trata, em específico, dos "Direitos e Garantias Fundamentais".
Considerados "liberdades positivas" pela doutrina pátria, os direitos sociais visam a uma melhoria das condições de existência, por meio de prestações positivas do Estado - que tem o dever de assegurar a criação de alguns serviços, como o de educação, saúde e segurança.
Lamentavelmente, em sua maioria, tais direitos vêm enumerados em normas constitucionais não auto-aplicáveis – exigindo, em razão disso, um comportamento positivo do legislador infraconstitucional (um fazer do Estado), objetivando a regulamentação dos serviços e das políticas públicas.
Contudo, não obstante essa exigência em relação à ação estatal, não raras vezes o Poder Público deixa de adotar medidas necessárias à concretização dos direitos sociais.
A saúde (arts. 6º e 196 da CF/88), por exemplo, é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Cabe ao Poder Público, portanto, reduzir o risco de enfermidades e de outros agravos. Todavia, isso não vem ocorrendo. O Estado tem se omitido nessa questão, abstendo-se de cumprir a obrigação de uma prestação que a Constituição lhe impôs.
Em razão dessa inércia governamental, milhares de pessoas têm recorrido à Justiça quando necessitam de um medicamento ou procedimento que não conseguem obter no Sistema Único de Saúde (SUS) - sistema este financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, como também por outras fontes.
Registre-se, segundo o Ministro Celso de Mello, "o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República". O Poder Público deve "garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar" (AI 457.544, 02.03.2004).
Judicialização da política
De cinco anos pra cá, a judicialização da saúde fortaleceu-se no Brasil, muito embora ainda haja muita opinião contrária à participação do Judiciário na política.
Há quem diga que grande parte dos magistrados não considera relevante o impacto orçamentário de uma decisão judicial que determina o fornecimento de medicamentos a pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Pergunto:
Tal desconsideração não é tão preocupante quanto à omissão do Executivo acerca da implementação dos direitos sociais?
Indaga-se isso porque em alguns Estados-membros mais de 800 (oitocentos) mandados judiciais são expedidos mensalmente com pedidos de medicamentos.
Será que esse auxílio jurisdicional não é prejudicial aos cofres públicos?
Particularmente, creio que não, mas é preciso evitar exageros insustentáveis no campo da efetivação dos direitos sociais.
Nesse ponto, é importante lembrar da famosa cláusula "reserva do possível". Sabe-se que em havendo provas robustas quanto à inexistência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as normas constitucionais sociais, o Poder Público exime-se do cumprimento de algumas obrigações.
Obviamente, essa justificativa não pode ser usada de forma imprudente pelo Poder Público. Qualquer tentativa visando à criação de obstáculos ilegítimos e arbitrários deve ser punida na seara competente.
Frise-se, alguns defendem que a crise institucional do Estado brasileiro já foi instaurada e que o ativismo judicial contribuiu para tanto. Porém, esquecem-se que os juízes só atuam nessa questão porque o Legislativo e o Executivo não conseguem dar resposta às pretensões da sociedade.
Não se pode olvidar que estamos lidando com os denominados "direitos fundamentais", os quais são indispensáveis à pessoa humana. No caso dos direitos sociais (educação, saúde, moradia, lazer etc.) exige-se uma conduta positiva do legislador infraconstitucional, visando à regulamentação dos serviços e das políticas públicas.
Sendo assim, se os Municípios, por exemplo, não providenciam creches e pré-escolas para crianças menores de 05 anos (art. 208, IV, CF/88), nada mais resta aos prejudicados a não ser recorrerem ao Judiciário, a fim de que sejam concretizados seus direitos constitucionais.
Situação idêntica à de muitos transplantados hipossuficientes, que necessitam de medicamentos imprescindíveis à sua recuperação pós-transplante, no entanto, muitas vezes, não têm a guarida do Poder Público.
Nessas circunstâncias, em que se faz necessária a prestação positiva do Poder Público, o Estado-juiz traz para si a obrigação de fornecer subsídios para a garantia de diversos direitos reconhecidos e assegurados pela Constituição vigente.
Resta saber se o ativismo judicial é ou não um fenômeno deletério à separação dos Poderes (cláusula pétrea, inclusive) e à imparcialidade dos magistrados.
Particularmente, vejo a judicialização dos direitos sociais como um fator positivo. Creio que a intromissão do Judiciário, em regra, não afronta a imparcialidade dos membros da magistratura, tampouco fere o princípio da separação dos poderes, de índole constitucional.
Contudo, é forçoso salientar que nem tudo neste País são "flores". É lamentável a conduta de muitos magistrados, que no exercício de seu laborioso e nobilíssimo ofício, reputam os direitos fundamentais como absolutos, preterindo, em razão disso, o contraditório e a ampla defesa. A partir de então, tornam-se agentes parciais, não-cumpridores de princípios e regras básicas do Direito contemporâneo.
Não há dúvida que juízos de conveniência e de oportunidade não se coadunam com o exercício de prestações sociais, mas isso não significa dizer que devamos avalizar condutas afobadas e imprudentes tomadas por alguns membros da magistratura num determinado caso concreto.
É preciso entender que o Judiciário não é o "Salvador da Pátria". Não compete às autoridades judiciárias a tarefa de suprir todas as carências sociais existentes no território brasileiro, custe o que custar. No afã de pôr cobro a todos os problemas sociais, a política poderá ser usurpada, instalando-se, por conseqüência, uma verdadeira crise institucional no País.
Pergunto:
A quem compete administrar o Estado?
Ao Judiciário?
É óbvio que não! Ademais, justiça não se faz com parcialidade.
A judicialização da política deve existir, porém de forma limitada e comedida.
Não podemos permitir que um regime ditatorial crie novamente raízes no País, mesmo em se tratando do Judiciário e não das Forças Armadas.
Uma "ditadura da toga" seria um retrocesso!
O lado bom da coisa...
Sejamos justos.
De fato, o Judiciário tem invadido o âmbito da política, mas não podemos esquecer que na maioria das vezes amparando-se no ordenamento constitucional.
E cá pra nós, como sabiamente assenta o renomado constitucionalista Luís Roberto Barroso, "antes o Judiciário que as Forças Armadas".
Basta apenas que o Direito seja dito sem excesso de judicialização, de forma adequada, necessária e razoável.
Logicamente, melhor seria se os órgãos competentes efetivamente implementassem as denominadas políticas públicas, sem que houvesse a necessidade do Judiciário imiscuir-se na questão. Infelizmente, a inércia estatal é notória e contínua, o que obriga inúmeras pessoas procurarem a tutela jurisdicional, visando à concretização de seus direitos constitucionais.
Sendo assim, resta-nos apenas aplaudir os sensatos e prudentes magistrados brasileiros (a grande maioria, aliás), que ante o engessamento e a inércia do Executivo, intrepidamente têm tornado efetivos os direitos sociais, objetivando, acima de tudo, fazer JUSTIÇA dentro de um devido processo legal, sem preterição da razoabilidade e de regras e princípios de índole constitucional.