O PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E O FUNCIONAMENTO DE FARMÁCIAS 24H
Por HERÁCLITO NEY SUITER | 23/07/2009 | DireitoO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E O FUNCIONAMENTO DE FARMÁCIAS 24H
Artigo publicado em face da abertura de farmácias 24H em Gurupi uma polêmica que resultou na alteração do Código de Posturas do Município. (03/09)
* Heráclito Ney Suiter
Ao analisarmos a Lei de Posturas do Município de Gurupi – 1.086, de 31 de dezembro de 1.994, chegaremos a algumas observações importantes que merecem nossa atenção no tocante a proibição do horário de funcionamento de farmácias e drogarias. Principalmente para aquele leitor(a) que em algum dia, precisou passar pelo martírio de comprar um remédio na madrugada e acabou percebendo a triste realidade de que embora fosse um cidadão de um município de mais de 70 mil habitantes com dezenas de farmácia e drogarias não conseguiu cumprir com a simples tarefa de amenizar as dores e febres de um filho acamado, ou ter que passar a noite em claro suportando dores e enxaquecas.
O Estado é dotado de poder de polícia administrativa que deve ser exercida em todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a comunidade - os interesses da coletividade. Todos os publicistas são unânimes quanto ao posicionamento de que o poder de polícia do Estado deve se restringir em favor de um interesse público adequado com a finalidade e justificativa de que seja “relevante”, até porque sua própria limitação tem como marco o equilíbrio entre interesses sociais e/ou coletivos com interesses particulares; ademais, a substituição do absolutismo por um relativismo social é o sinal da evolução natural de uma sociedade moldada na justiça e no bem-estar social.
Quando há excessos desse poder discricionário, ou seja, quando surge uma inversão de suas finalidades nas extensões e nos limites, constituem-se o que se chama de abuso de poder; a eficácia do ato administrativo fica maculada, manchando a imagem da administração pública. Neste episódio – referente ao horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais - visando uma eficácia na aplicabilidade do poder regulador da ordem dos anseios dos munícipes, sabiamente o legislador pátrio estabeleceu no Inciso I do Artigo 30 de nossa Carta Constitucional, competência ao Município para legislar assuntos de interesses locais.
A Lei Federal 5.991 de 1.973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, em suas disposições finais e transitórias, mais pontualmente no artigo 56, prescreve o plantão das farmácias e drogarias para um atendimento ininterrupto à comunidade, sugestionando ainda em seu texto a utilização de um sistema de rodízio que deve ser normatizado pela administração pública municipal.
O Código de Posturas de Gurupi em seu artigo 130 permite o funcionamento em qualquer dia ou horário das farmácias e drogarias, desde que observados os direitos dos trabalhadores como determina a CLT, cumprindo os ditames das leis maiores. No entanto, logo em seguida, no artigo 131 da mesma Lei Municipal, em seu inciso 7º, impõe de forma equivocada a obrigatoriedade de observar rigorosamente a escala de plantões desses estabelecimentos sob risco de serem autuadas. Sintetizando: mesmo se a farmácia ou drogaria quiser funcionar 24 horas para atender a população, a mesma corre o risco de ser multada e inclusive ‘ter suas portas baixadas’.
Chamamos a atenção do amigo leitor para o conflito entre os artigos 130 e 131 do Códice Municipal, em particular para o artigo 131, inciso 7º, que finda em não atender aos anseios populares e mais, dando entender uma reserva de mercado, parecendo que emergiu para defesa de um determinado grupo de empresários. Relembramos que esta questão - plantão das farmácias de Gurupi - já esteve em pauta, a pouco tempo atrás o MP teve que intervir, uma vez que os proprietários de farmácias e drogarias de nossa cidade não faziam plantão alegando ‘inviabilidade econômica’, ignorando a relevância dos serviços prestados pelo segmento, demonstrando que, a conveniência de interesses econômicos de uma classe sobrepujava os interesses da coletividade.
O artigo 174 da Constituição nos aponta para o preceito de que o Estado, enquanto agente normativo e regulamentador da atividade econômica, deve exercer, na forma de lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento sendo que essa última prerrogativa, em regra, deve ser determinante apenas ao setor público, enquanto que para o setor privado deve apenas se limitar como um indicativo, sob o risco de incorrer no atropelamento da defesa do consumidor, da livre iniciativa e da concorrência. Reforço que a questão não é a discussão sobre a competência de legislar sobre a escala dos plantões e a determinação do horário de funcionamento das farmácias e drogarias, mas sim sobre a obrigatoriedade de só poder fazer plantão dentro da escala estabelecida, o que aí sim configura-se um grosseiro atropelamento de princípios, em particular o da razoabilidade.
Ademais, mesmo com a alegação de que o rodízio seria uma forma de proteger as empresas de pequeno porte dos detentores de maior capital econômico, ela não pode estar acima dos anseios da coletividade. Atualmente, em um mercado regido pelo sistema capitalista, balizado pela livre iniciativa e concorrência, quem não têm competência, não se estabelece, ou seja, todo proprietário desse ramo de negócio tem o conhecimento de se tratar de uma atividade especial em função do valor dos serviços prestados a coletividade. Outra alegação pouco convincente é a proteção a auto-medicação, não cola, todos sabemos que uma dipirona para amenizar uma febre noturna, comprar um termômetro, um chá, um sal-de-frutas ou um simples preservativo sem a prescrição médica, poderá ser um paliativo ou preventivo para conseqüências mais graves até a ida a um médico.
Com relação a limitação do funcionamento dos estabelecimentos desse seguimento em horário comercial de praxe e/ou dentro de uma escala entre eles, nossos tribunais superiores já pacificaram, de forma justa e perfeita (STJ - Pedro Acioli – 1ª Turma - RMS/886/SP – j. 21.10.91 – v. Aresto) que devido a importância desse ramo de atividade, nada obsta que possam fazer plantão a qualquer tempo, repetimos, desde que seguidas determinações legais como os direitos dos trabalhadores e principalmente contando com a presença de um responsável técnico, que neste caso seria o Farmacêutico registrado em seu respectivo Conselho Profissional - CRF.
Esperamos - e aqui me coloco como um pai de família que já teve que rodar horas a fio na madrugada para encontrar uma farmácia aberta - que as autoridades competentes providenciem a mudança urgente de alguns artigos das leis de nosso Município, que já conta com 14 anos de existência e, portanto fora das realidades de uma cidade com o porte de nossa Gurupi.
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