O PODER DE INTERPRETAÇÃO E DECISÃO DO JUIZ A PARTIR DO PRINCÍPIO DA INTEGRIDADE DE RONALD DWORKIN

Por tirciane chuvas aragão albuquerque | 18/06/2016 | Direito

O PODER DE INTERPRETAÇÃO E DECISÃO DO JUIZ A PARTIR DO PRINCÍPIO DA INTEGRIDADE DE RONALD DWORKIN[1]

Tirciane Chuvas[2]

Sumário: 1. Introdução; 2. Conceitos Importantes; 3. Casos Difíceis; 4. A integridade no Direito; 5. Considerações Finais

 

RESUMO

O princípio da supremacia da lei, influenciado pelo Estado Liberal, considerava a atividade de fazer leis como algo perfeito e acabado. Ao juiz, quando deparado a um caso concreto, cabia puramente a aplicação desta lei, interpretando-a em seu sentido literal. Contudo, hordienamente, o magistrado deve conceder à lei aplicável ao caso concreto uma interpretação de forma a melhor tutelar os direitos fundamentais. Se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava sua sentença a partir da norma geral, agora ele constrói a sua decisão jurídica a partir de sua interpretação. Nesse mister, Ronald Dworkin integra princípios, políticas e regras a uma teoria da decisão jurídica, tornando-a mais clara e passível de entendimento. Com a análise dessa teoria, tentaremos compreender a atuação dos juízes e a busca da melhor solução para os casos. Para compreender esses pontos de partida, vamos abordar a interpretação construtiva e o que Dworkin conceituou como integridade: uma virtude política ao lado da equidade, da justiça e do devido processo legal, e sua aplicação ao Direito. Assim, analisaremos o princípio da integridade desenvolvido por Dworkin como teoria da interpretação construtiva do Direito, e procuraremos entender os conceitos fundamentais deste filósofo como princípios, regras, políticas, Juiz Hércules e hard cases. Por fim, investigaremos o método de resolução de casos difíceis de Hércules e descreveremos as repercussões do princípio da integridade no Direito.

PALAVRAS-CHAVE

Dworkin - Integridade - Interpretação - Juiz - Direito

 

“Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”.

Sócrates

 

 

  1. INTRODUÇÃO

Ronald Dworkin defende uma teoria da interpretação que auxilia os magistrados a encontrar uma resposta correta mesmo para os casos complexos, e o objeto de estudo deste artigo é a teoria desenvolvida pelo filósofo sobre a resolução dos casos difíceis. Dworkin acredita que os juízes, ao resolverem os hard cases, devem utilizar padrões determinados para que a previsibilidade e a justiça da resposta sejam alcançadas. Para isso, refuta a teoria da discricionariedade, proposta pelo positivismo jurídico, na tentativa de encontrar algo que vincule o juiz a uma resposta correta.

O presente artigo pretende analisar inicialmente a distinção feita por Dworkin entre princípios, políticas e regras. Segundo o autor estudado, conhecendo as peculiaridades de cada um desses padrões, a tarefa de integrá-los em uma teoria da decisão jurídica torna-se mais clara e passível de entendimento. A seguir, tenta explicar o que Dworkin entende por casos difíceis, a tese dos direitos e o modo de trabalho do juiz Hércules perante esses casos; como desenvolve a tese dos direitos e a busca da melhor solução; e a interpretação construtiva e o que Dworkin conceituou como integridade, tida como uma virtude política ao lado da equidade, da justiça e do devido processo legal, e que divide-se em dois princípios: um princípio legislativo e um princípio jurisdicional. Por fim, aborda a integridade aplicada ao Direito e de que maneira a teoria dos direitos que Dworkin desenvolveu culmina com o princípio da integridade como uma tese da interpretação construtiva dos direitos.

  1. CONCEITOS IMPORTANTES

Dworkin cria uma teoria do Direito que contém uma teoria da legislação e uma teoria da decisão judicial. Nesse artigo privilegiaremos a teoria da decisão judicial, a qual, segundo o autor, precisa estabelecer padrões que os juízes devem seguir para decidir os casos jurídicos difíceis. A primeira distinção elaborada por ele versa sobre os direitos políticos, que podem ser direitos preferenciais (prevalecem contra decisões tomadas pela sociedade); e direitos institucionais mais específicos “que podem ser identificados como uma espécie particular de um direito político, isto é, um direito institucional a uma decisão de um tribunal na sua função judicante”[3] (DWORKIN, 2002, XV). Nesse sentido, Dworkin esboça uma teoria conceitual alternativa, que traça a possibilidade de que os indivíduos tenham direito a uma decisão judicial favorável, independente de uma decisão anterior favorável ou regra jurídica expressa aplicável a seu caso. Essa hipótese é possível com a distinção entre argumentos de princípio e argumentos de política[4] (DWORKIN, 2002).

Dworkin objetiva analisar casos difíceis, onde, mesmo os juízes mais criteriosos, podem divergir[5] (DWORKIN, 2002). Todavia, mesmo nesses casos, para Dworkin, o juiz não tem o direito de criar novos direitos, mas sim descobrir quais são eles em conformidade com o ordenamento jurídico[6] (COUTINHO, 2003).

Toda sua obra perpassa a necessidade de trabalhar em conjunto uma concepção de Estado e o papel do Direito. Em Uma Questão de Princípio[7] (2000, IX), afirma que a prática política brasileira reconhece dois tipos diferentes de argumentos que buscam justificar uma decisão política. Esses argumentos são: a) argumentos de política, os quais traçam um programa, um objetivo voltado para a coletividade; e b) argumentos de princípio, que traçam direitos individuais, particulares, inobstante o interesse da coletividade. Nesta obra, ele defende uma concepção do Estado de Direito que chama de “centrada nos direitos”, a qual pressupõe que os cidadãos têm direitos e deveres morais entre si e direitos políticos perante o Estado[8] (2000, p. 7). Os argumentos morais são importantes na fase legislativa, porém, no judiciário, valem os argumentos de princípio e não mais os argumentos de política[9] (BAHIA, 2005, p. 11).

Para entender a diversidade de argumentos é necessário vislumbrar o peso que a diferença entre eles tem nas decisões, mesmo que tratados por outros nomes ou de outras formas pelas diversas teorias jurídicas. Nos casos difíceis, a concepção positivista do Direito que o percebe apenas como um modelo de regras, ignorando outros padrões como políticas e princípios, é insuficiente[10] (DWORKIN, 2002). Política é um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria da comunidade[11] (2002, p. 36). Esses argumentos de política justificam decisões políticas, que fomentam algum objetivo coletivo[12] (2002, p. 129). Princípio, de maneira genérica, é todo padrão que não é regra, e pode ser entendido como um padrão que deve ser observado por ser uma exigência da justiça ou eqüidade. Sua repercussão não será, necessariamente, uma melhoria social[13] (2002, p. 36). Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo[14] (2002, p. 129-130). “No caso dos subsídios, poderíamos dizer que os direitos conferidos são gerados por uma política e qualificados por princípios; no caso contra a discriminação, são gerados por princípios e qualificados por políticas”[15] (DWORKIN, 2002, p. 130).

Dworkin distingue princípios, no sentido genérico, das regras. Analisa o caso “Riggs contra Palmer”, onde em 1889 um tribunal de Nova Iorque decidiu que um herdeiro nomeado no testamento de seu avô não teria direito à herança, pois ele assassinou seu avô com esse objetivo. O tribunal levou em conta que as leis e os contratos podem ser limitados por máximas gerais e fundamentais do direito costumeiro, como a que dispõe que “ninguém será permitido lucrar com sua própria fraude, beneficiar-se com seus próprios atos ilícitos (...)”[16] (2002, p. 37). O tribunal não aplicou uma regra, aplicou princípios. A distinção entre ambos é de natureza lógica. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Ou uma regra é válida, e a sua resposta deve ser aceita, ou não é válida, e sua resposta em nada contribuirá (DWORKIN, 2002, p. 39)[17]. Mas não é assim que funcionam os princípios jurídicos. O exemplo utilizado por Dworkin é o do princípio “Nenhum homem pode beneficiar-se de seus próprios delitos”.

A distinção entre princípios e regras feitas por Dworkin é capaz de ajudar a resolver o problema da discricionariedade em sentido forte da doutrina positivista. A escolha entre uma ou outra abordagem afeta a resposta aos casos difíceis. Se escolhermos a primeira orientação, aceitaremos que o juiz está aplicando direitos e obrigações jurídicas preexistentes ao caso apresentado. Se adotarmos a segunda orientação, reconheceremos que em algumas decisões a parte sucumbente foi privada de seus bens por um ato discricionário do juiz (DWORKIN, 2002, p. 49)[18]. Neste ponto, a argumentação do filósofo supera a argumentação do positivismo jurídico, uma vez que não aceita a discricionariedade do poder do juiz e encontra uma fundamentação legítima para as decisões tomadas nos casos difíceis.

  1. CASOS DIFÍCEIS

 

Para o positivismo jurídico, diante dos casos difíceis, os juízes possuem poder discricionário para decidir. Casos difíceis são aqueles que não podem ser decididos apenas com base em regras, ou porque essas não são claras, ou porque não foram escritas. Quando o juiz decide um caso difícil, ele legisla novos direitos jurídicos, e os aplica retroativamente. Por isso, essa teoria da decisão é totalmente inadequada, uma vez que causa insegurança jurídica e, provavelmente, gera decisões injustas[19] (DWORKIN, 2002, p. 128). Dworkin afirma que uma teoria geral sobre a validade da lei é sempre interpretativa, e é o modo como se deve interpretá-la que deve ser justificado.

Um caso será difícil quando um juiz, em sua análise preliminar, não encontrar uma interpretação que se sobreponha a outra, entre duas ou mais interpretações de uma lei ou de um julgado[20] (DWORKIN, 2003, p. 306). Uma lei só será considerada obscura quando existirem bons argumentos para mais de uma interpretação em confronto[21] (DWORKIN, 2003, p. 421). Em vista desse posicionamento, tornou-se necessário desenvolver uma nova teoria da decisão, uma vez que se deve garantir a uma das partes o direito de uma resposta favorável mesmo que não haja um precedente estrito ou uma lei específica. O juiz não deve, de forma alguma, criar novos direitos que valham retroativamente[22] (DWORKIN, 2002, p. 128). Para que se descubram quais direitos a parte tem, é necessário que se conheçam os princípios políticos que inspiraram a Constituição. Esses princípios auxiliam a leitura da Constituição, limitando seu conteúdo e auxiliando nos casos difíceis. Mesmo as decisões dos tribunais que são consideradas decisões políticas importantes podem ser lidas como decisões tomadas com base em princípios, uma vez que as decisões de princípios são aquelas baseadas nos direitos que as pessoas têm a partir da Constituição[23] (DWORKIN, 2000, p.101; 2002, p. 133).

Segundo a teoria dos direitos, desenvolvida no livro Levando os Direitos a Sério, aplicada pelo juiz filósofo Hércules, existe um caminho para se chegar a uma resposta correta nos casos difíceis. Hércules é um juiz que aceita as leis, e acredita que os juízes têm o dever geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores. Hércules precisa descobrir a intenção da lei – ponte entre a justificação política da idéia geral de que as leis criam direitos e aqueles casos difíceis que interrogam sobre que direitos foram criados por uma lei específica. Assim, em primeiro lugar, estudará a Constituição, procurando entender as regras que ela contém, as interpretações judiciais anteriores, e a filosofia política que embasa os direitos ali dispostos[24] (DWORKIN, 2002, p. 165-168). Depois procurará a interpretação que vincula de modo mais satisfatório o disposto pelo legislativo a partir das leis promulgadas e suas responsabilidade como juiz[25] (DWORKIN, 2002, p. 169). Hércules também utilizará uma teoria política para interpretar a lei, para descobrir o seu fim[26] (DWORKIN, 2002, p. 168-171). O terceiro passo é a análise dos precedentes, no caso de o problema a ele submetido não ser regulado por nenhuma. Ao analisar os precedentes, Hércules levará em conta os argumentos de princípio que o embasaram:

Mas, uma vez que Hércules será levado a aceitar a tese dos direitos, sua interpretação das decisões judiciais será diferente de sua interpretação das leis em um aspecto importante. Quando interpreta as leis, ele atribui à linguagem jurídica, como vimos, argumentos de princípio ou de política que fornecem a melhor justificação dessa linguagem à luz das responsabilidades do poder legislativo. Sua argumentação continua sendo um argumento de princípio. Ele usa a política para determinar que direitos já foram criados pelo Legislativo. Mas, quando interpreta as decisões judiciais, atribuirá à linguagem relevante apenas argumentos de princípio, pois a tese dos direitos sustenta que somente tais argumentos correspondem à responsabilidade do tribunal em que foram promulgadas[27] (DWORKIN, 2002, p.173).

Ao estudar os precedentes, Hércules terá que distinguir sua força gravitacional nas decisões posteriores. A força gravitacional de um precedente, segundo Dworkin, repousa na eqüidade, e os casos semelhantes devem ser tratados do mesmo modo[28] (DWORKIN, 2002, p. 176). Para definir a força gravitacional de um precedente, Hércules só levará em consideração os argumentos de princípio que justificam esse precedente. Ainda como desdobramento dos seus estudos sobre os precedentes, Hércules construirá uma cadeia de princípios que fundamentam o direito costumeiro, a partir das justificações dadas nas decisões pretéritas[29] (DWORKIN, 2002, p. 181). Esses princípios devem ser capazes de justificar de maneira coerente porque determinadas decisões foram tomadas[30] (DWORKIN, 2002, p. 182). O primeiro passo dessa tarefa hercúlea será especificar a teoria constitucional que já utilizou quando se perguntou sobre quais responsabilidades o sistema político lança sobre o legislador[31] (DWORKIN, 2002, p. 183). Mesmo seguindo todo esse caminho, Hércules sabe da possibilidade de encontrar decisões incoerentes. Por isso precisa também de uma teoria sobre os erros. Ele construirá a primeira parte de sua teoria dos erros por meio de dois conjuntos de distinções. Distinguirá autoridade específica, que é o poder de uma lei ou precedente, ou decisão executiva, de produzir exatamente os efeitos nela dispostos (por exemplo, uma lei que obrigue companhias aéreas a indenizar seus passageiros por atrasos de vôo); das conseqüências institucionais, que definem o seu poder gravitacional (com base no postulado anterior, exigir que as companhias de ônibus indenizem seus passageiros por atraso). A segunda distinção trata de erros enraizados, que apesar da perda do poder gravitacional, os efeitos específicos continuam, e os erros passíveis de correção, cuja perda do poder gravitacional gera a perda da autoridade específica[32] (2002, p. 189-190). O nível constitucional de sua teoria irá determinar quais são os erros enraizados. A segunda parte da sua teoria deve demonstrar que é melhor que ela exista do que o não reconhecimento dos erros, ou o reconhecimento dos erros de uma forma diferente[33] (2002, p.190). Hércules utilizará duas ordens de argumentos para demonstrar que uma determinada corrente jurisprudencial está errada. Valer-se-á de argumentos históricos ou de uma percepção geral da comunidade, para mostrar que um determinado princípio que já foi historicamente importante, hoje não é mais, não exerce força suficiente para gerar uma decisão jurídica. Também utilizará argumentos de moralidade política, demonstrando que tal decisão ou princípio fere a eqüidade, é injusto[34] (DWORKIN, 2002, p. 191). É preciso afirmar que Hércules não possui um método para os casos difíceis e outro para os casos fáceis. Seu método é aplicável a qualquer caso, todavia, nos casos fáceis, as respostas são evidentes, e por isso não se tem a certeza de estar-se aplicando um método para resolvê-los[35] (DWORKIN, 2003, p. 423).

  1. A INTEGRIDADE NO DIREITO

Para Dworkin, a interpretação do Direito se dá pela reconstrução deste a partir das próprias práticas da sociedade personificada. Para isso, divide o processo de interpretação construtiva em três partes: uma pré-interpretativa, onde são identificadas regras e padrões já utilizados; uma etapa interpretativa, onde busca-se uma justificação geral para as regras e padrões identificados na etapa pré-interpretativa; e uma etapa pós-interpretativa, onde ajusta a prática identificada na etapa pré-interpretativa com a justificação da etapa interpretativa[36] (DWORKIN, 2003, p. 81-82). As interpretações dadas ao Direito são mutáveis e o que em uma época é considerada uma interpretação radical, em outro momento é aceito[37] (DWORKIN, 2003, p. 109-112). Assim, uma nova discussão sobre o direito existente pode ser revolucionária. O objetivo é discutir de que maneira pode-se guiar e restringir o poder de coerção do Direito através de uma teoria interpretativa que trabalhe com uma comunidade de princípios[38] (DWORKIN, 2003, p. 116). Para isso, defenderá a existência de uma virtude política não tradicional. Ao lado da justiça e devido processo legal, Dworkin colocará uma terceira virtude, a qual denomina integridade[39] (DWORKIN, 2003, p. 199-201), que refere-se ao compromisso de que o governo aja de modo coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos, afim de estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e equidade[40] (DWORKIN, 2003, p. 201-202). Segundo Dworkin[41] (2003, p. 203), será mais fácil entender a interpretação construtiva do Direito, se se aceitar a integridade como uma virtude política, uma vez que as exigências da mesma se dividem em integridade na legislação (que solicita aos legisladores que produzam leis coerentes com os princípios) e a integridade no julgamento (que solicita aos que julgam o façam também de forma coerente com os princípios).

O princípio da integridade no direito é um desdobramento do método de Hércules. Em O Império do Direito, Dworkin elabora de maneira mais completa sua tese dos direitos. Sua visão do direito como integridade aborda as afirmações jurídicas como opiniões interpretativas. Para que seja válido o esforço de interpretar o direito como integridade, os juízes devem, nos limites do possível, identificar os direitos e deveres como se tivessem sido criados por um único autor, a comunidade personificada. Essa exigência é necessária uma vez que entende-se que as proposições jurídicas são válidas quando derivam dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal, oferecendo a melhor interpretação do direito[42] (DWORKIN, 2003, p. 271-272).

Dworkin não ignora que a autoria do direito como integridade é múltipla, tanto que prevê seu desenvolvimento como o de um romance em cadeia, onde cada intérprete, ao escrever o próximo capítulo, deve encontrar o melhor desenvolvimento da história[43] (DWORKIN, 2003, p. 274-276). Dworkin[44] (2003, p. 316) também não imagina que todos os juízes tornem-se Hércules. Para ele, a utilidade de Hércules decorre do fato dele ser mais reflexivo e auto-consciente do que qualquer juiz. Além disso, Hércules não conta com a limitação de prazo para tomar decisões e age como se tivesse toda sua carreira para se dedicar a uma decisão. O caminho feito por Hércules para encontrar a melhor resposta a um problema jurídico difícil é, em linhas gerais, o seguinte: 1) encontrar uma teoria coerente sobre os direitos em conflito, tal que um membro do legislativo ou do executivo, com a mesma teoria, pudesse chegar a maioria dos resultados que as decisões anteriores dos tribunais relatam; 2) selecionar diversas hipóteses que possam corresponder à melhor interpretação do histórico das decisões anteriores; caso elas se contradigam é necessário encontrar uma correta; 3) encontrar a hipótese correta, a partir do pensamento de que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça e equidade e o devido processo legal adjetivo, e que esses princípios devem ser aplicados de forma a garantir a aplicação justa e eqüitativa do direito. 4) eliminar toda hipótese que seja incompatível com a prática jurídica de um ponto de vista geral; 5) colocar a interpretação à prova, perguntando se essa interpretação é coerente o bastante para justificar as estruturas e decisões políticas anteriores de sua comunidade[45] (DWORKIN, 2003, p. 288-294). Neste momento Dworkin justifica o nome de Hércules, uma vez que nenhum juiz real poderia aproximar-se da tarefa que a ele foi confiada.

Hércules interpreta não só o texto da lei, mas também sua vida, o processo que se inicia antes que ela se transforme em lei e se estende para além desse momento. Para interpretação da Constituição um outro método é necessário, tendo em vista que a Constituição é um tipo especial de norma. Ao tratar de normas constitucionais, Hércules acredita, assim como em outros casos, que “sob o regime do direito como integridade, os problemas constitucionais polêmicos pedem uma interpretação, não uma emenda”[46] (DWORKIN, 2003, p. 442). Qualquer interpretação competente da Constituição como um todo deve reconhecer que alguns direitos constitucionais se destinam a impedir que as maiorias sigam suas próprias convicções quanto ao que a justiça requer. O julgamento interpretativo de Hércules exigirá o envolvimento das virtudes políticas e a averiguação de compatibilidade delas com os mandamentos constitucionais[47] (DWORKIN, 2003, p. 442-450).

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo tentou esclarecer acerca da teoria de Ronald Dworkin sobre a resolução dos casos difíceis. Para isso, definiu alguns conceitos básicos para o autor como os conceitos de regras, princípios, políticas, integridade e hard cases, e descreveu a teoria da decisão construtiva do Juiz Hércules desenvolvendo as suas idéias sobre a teoria dos direitos. Tentou-se ainda analisar o valor político batizado por Dworkin de integridade e suas repercussões no campo das decisões políticas, bem como seus reflexos no entendimento do Direito como um conjunto coerente de normas. Assim, conclui-se que a teoria de Ronald Dworkin, com a complexidade de seus métodos, a dedicação e o tempo de Hércules, é importante pelo valor que sua “hermenêutica política” agrega às discussões aqui suscitadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

  1. BAHIA, Alexandre G. M. F. Ingeborg Maus e o Judiciário como Superego da Sociedade. In: Revista CEJ, Brasília, n. 30, jul/set 2005. p. 10-12.
  1. COUTINHO, Kalyani R. M. A proposta de Ronald Dworkin na interpretação judicial dos hard cases. avocato.com.br. Brasília, n. 0006, nov. 2003. Disponível em:<http://www.avocato.com.br/doutrina/ed0006.2003.icn0001.htm>. Acesso em: 5 mai 2010.
  1. DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. (Trad.) Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
  1. ______ . Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
  1. ______ . O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte,2003.

 

[1] Trabalho apresentada à professora Luiza Oliveira, para obtenção da segunda nota da disciplina Introdução ao Estudo do Direito II.

[2] Acadêmica do 2º período noturno do Curso de Direito da UNDB (Karina_lamar@hotmail.com)

[3] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[4] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[5] Ibidem.

[6] COUTINHO, Kalyani R. M. A proposta de Ronald Dworkin na interpretação judicial dos hard cases. avocato.com.br. Brasília, n. 0006, nov. 2003. Disponível em:<http://www.avocato.com.br/doutrina/ed0006.2003.icn0001.htm>. Acesso em: 5 mai 2010.

8 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. (Trad.) Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

9 Ibidem

 

[9] BAHIA, Alexandre G. M. F. Ingeborg Maus e o Judiciário como Superego da Sociedade. In: Revista CEJ, Brasília, n. 30, jul/set 2005. p. 10-12.

[10] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[11]Ibidem.

[12]Ibidem.

[13]DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[14]Ibidem.

[15] Ibidem

[16] Ibidem.

[17]Ibidem.

[18]Ibidem.

[19] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[20] DWORKIN. O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte,2003.

[21] Ibidem.

[22] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[23] Ibidem.

[24] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[25] Ibidem.

[26] Ibidem.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem.

[29] Ibidem.

[30] Ibidem.

[31] Ibidem.

[32] DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[33] Ibidem.

[34] Ibidem.

[35] DWORKIN. O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte,2003.

[36] DWORKIN. O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte,2003.

[37] Ibidem.

[38] Ibidem.

[39] Ibidem.

[40] Ibidem.

[41] Ibidem.

[42] Ibidem.

[43] Ibidem.

[44] DWORKIN. O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte,2003.

[45] Ibidem.

[46]Ibidem.

[47] Ibidem.

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