O PLANO DO ENUNCIADO NO NÍVEL ATORIAL EM “O GARIMPEIRO"

Por Ellen Santos Leal | 07/01/2015 | Literatura

O PLANO DO ENUNCIADO NO NÍVEL ATORIAL EM “O GARIMPEIRO” *

 

Karine Nascimento de Oliveira**

                                                                              Ellen Santos Leal

RESUMO

Este artigo pretende analisar as personagens Lúcia e Elias do romance O garimpeiro de autoria de Bernardo Guimarães (1825-1884) através do aspecto, a saber: sob o plano do enunciado no nível atorial, onde analisaremos as personagens, Lúcia e Elias, enquanto ator e actante.

PALAVRAS-CHAVE: Análise – Personagens - Narratividade – Nível atorial.

 

INTRODUÇÃO

O romance O Garimpeiro é uma obra do autor Bernardo Guimarães (1825-1884), um dos romances que deu origem ao regionalismo na literatura brasileira. Em O Garimpeiro, Bernardo Guimarães conta uma história de amor e aventura nos sertões de Minas Gerais do século passado.

Mas para analisarmos as personagens da obra O Garimpeiro, faremos um pequeno estudo sobre a narratividade e os personagens da obra enquanto ator e actante.

Mas ao falarmos de narração, Gancho (2006), nos esclarece que não existe narrativa sem um narrador, pois os mesmos são estruturadores da história.

Entendemos por narrativa, todo discurso que os apresenta a história imaginária como se fosse real, constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço determinados. D´ONOFRIO (1995, p.53)

Sendo assim vale dizer que o conceito de narrativa não abrange apenas a um gênero textual, mas também a outras formas literárias.

Vale ressaltar aqui que existe certa distância entre narrador e o autor da narrativa.

Ainda segundo D´onofrio (1995, p. 57), a estrutura da comunicação humana é composta pelas seguintes pessoas: comunicador – mensagem e o receptor. Daí, é que surgem as outras formas do pronunciamento e de expressão artística. Assim, o narrador tem como objetivo comunicar sua mensagem, mesmo que ele precise se transformar e se adequar a realidade.

Mas segundo Gancho(2006): Toda narrativa se estrutura sobre cinco elementos sem os quais ela não existe. Sem os fatos não há história, e quem vive os fatos são as personagens, num determinado tempo e lugar.

Mas ao analisarmos o personagem enquanto ator e actante, o autor D’Onofrio especifica-o da seguinte maneira: O ator corresponde ao que chamamos de personagem, um ser humano ou atropomorfizado, com atributos que pode ser identificada em uma narrativa ocorrência.

Conforme elucida D´onofrio (1995, p.88), a estrutura das personagens se diferem em: variáveis e invariáveis. Os elementos variáveis são específicos dos contos populares. Já as invariáveis de uma forma especial o romance.

Dessa forma, na narrativa, a relação sintática do discurso é que o sujeito opõe-se ao objeto, afirma D´onofrio. Por outro lado, temos o foco semântico, o qual o direcionamento sintático indica o querer, a motivação que leva o sujeito à procura do objeto. Contudo, ambos acabam precisando da ajuda de um actante adjuvante. Sendo esse, o fornecedor do poder para alcançar o objetivo.

A dimensão para compreensão das personagens dependerá das possibilidades descritas no livro, o autor é quem permitirá em suas diversas formas de apresentá-las. Sendo assim, “os elementos que um romancista escolhe para apresentar a personagem física e espiritualmente, são por forças indicativas” (CANDIDO, 2004, 78).

O Garimpeiro chama a atenção por apresentar uma narrativa de fácil compreensão, linear, mostra os comportamentos das personagens, em especial o de Elias por explorar a insatisfação da personagem em não poder se casar com Lúcia, e ela pela paciência em esperar seu amado, e em obedecer ao desejo de seu pai. Sendo estes os que mais nos interessa neste artigo.

Para escrever este artigo utilizamos como suporte teórico dois estudiosos da literatura brasileira. O primeiro, Salvatore D´onofrio, Teoria do texto 1. Prolegomenos e teoria da narrativa (1995) e o segundo, Gancho, Como analisar narrativas (2006).  A personagem de ficção (2004). Os dois trabalhos falam sobre a teoria do texto literário. E, sobretudo, a própria obra de Bernardo Guimarães, O Garimpeiro (1903).

A Personagem na Narrativa Literária

Para Cândido (2004, p. 55), as personagens são seres fictícios. Todavia, a formulação literária é recalcada, justamente sobre o dilema da verossimilhança. E, portanto, provavelmente, as personagens de um romance tenham aproximação com alguém no mundo real, mas isso não quer dizer que por este caso, alguém ouse afirmar que o real seja o fictício. Então, ainda que este remeta àquele, apenas o fictício foi criado como objeto para narrativa em questão.

Sobre a questão personagem, existem duas classificações mencionadas por Cândido (2004), são: as “personagens de costumes” e as “personagens de natureza”. As personagens de costumes elas podem ser compreendidas pelo leitor superficial ou inicial. Enquanto que, as “personagens de natureza” requer mais minunciosidade na observação, pois será preciso analisar o mundo psicoemocional ou como afirma Antônio Candido, “mergulhar nos recessos do coração”.

Para Candido (2006), as personagens só existem quando participam do enredo, ou seja, quando fala ou age. Se ele nada faz, não interfere no enredo pode-se não ser considerado personagem.

 Analise das personagens Lucia e Elias

Em O garimpeiro, Bernardo Guimarães conta uma história de dois jovens apaixonados, que se passa nos sertões de Minas Gerais do século passado. O autor relata a trajetória do jovem Elias, para conseguir casar com sua amada Lúcia.

Segundo D’onofrio (1995, p. 89), Os atores são elementos variáveis, em número ilimitado, que povoam as obras literárias e se encontram na estrutura de manifestação enquanto que actante é uma classe de atores que exerce funções idênticas.

“[...] Vmcê não deve perder um lance de fortuna, que vem mesmo agora a talho de foice, por amor de um velho camarada, que já não é tão criança que não possa sair sozinho [...]”.(GUIMARÃES.1993 P.41). O texto acima é proferido por Simão em favor de Elias, quando este decide se mudar para Sincorá em busca da tão sonhada fortuna. Neste excerto podemos observar a da atuação do ator enquanto personagem secundária. Embora a participação de Simão tenha sido pouca inda sim contribui para o desfecho da narrativa.

Outro exemplo importante é a personagem Lúcia que aparece no romance como personagem primária. Sua participação se concentra em posição de objeto em toda narrativa. Na posição de atriz ela não apenas deseja o amor de Elias, mas é muito mais por ele desejada. E com isso aguarda que Elias supere os obstáculos para concretizar o amor. Daí a razão de ser atriz e não actante. 

“teu pai tem dado a entender claramente que não me quer mais em tua casa. Devo deixa-te e amanhã mesmo estarei longe de ti; este golpe feri-me cruelmente, mas não me desalenta. Sou pobre, e é esta razão por que teu pai me despreza. Mas devia lembrar-se que sou moço, e, louvado Deus! Tenho robustez e inteligência, e sei trabalhar, e amanhã posso ser rico. Adeus, Lucia; não percas a  esperança, e ama-me sempre, que para tudo há remédio. Eu vou trabalhar para me tornar digno de ti aos olhos de teu pai. O teu amor me alenta  e me enche  de coragem e de confiança em minha estrada. Ah! Possas tu nunca faltar-me com ele! Eu parto com o coração ralado de angustia e de saudade. Terás noticias minha... dentro em dois anos estarei de volta ou... Adeus.” (GUIMARÃES. 1993 P. 33)

Pode-se observar no excerto acima que Elias percebe que sua pobreza era a razão pela qual o Major não aceitava o casamento com Lúcia. Por conta de sua condição financeira, ele mentaliza a transformação e vai em busca de melhorar sua situação. Embora essa busca fosse necessária, servia de pretexto para alcançar o casamento com Lucia.

Conforme D’onofrio (1995) o desejo expresso por Elias na carta destinada a Lúcia evidencia atitudes de actante, isso fica explicito por duas razões a primeira porque ele tem Lúcia como objeto de desejo e a segunda porque a narrativa gira em torno do desejo dele.

  [...] Diga-me, a senhora me tem amor? . . .

Lúcia hesitou um instante, fitou os olhos no chão, e murmurou

Timidamente:

-­­­­­­­­­­­­­­­­­ Muito! . . .

- Anjo! - exclamou Elias caindo a seus pés e procurando derramar em palavras de ternura o prazer que lhe transportava a alma; mas não pôde dizer mais nada. Quando o coração está cheio de felicidade, a vida toda se concentra ali, a cabeça fica erma de idéias, e a língua fica paralisada.  Mas Lúcia imediatamente o tirou daquele embaraço, dizendo-lhe com ar inquieto.

- Está satisfeito o seu desejo [...].(GUIMARÃES. 1993 P. 30 grifo nosso)

No excerto acima pode-se observar que o amor de Elias por Lúcia era correspondido, pois ela também o amava, só não podia  concretizá-lo. Ao ouvir a expressão de afirmação do amor de Lúcia, Elias demonstra algumas expressões de delírios por exemplo “a cabeça fica erma de idéias, e a língua fica paralisada”(idem). Em razão disso encontrou forças para não desistir dela.

Mas Elias teve seu actante ajudante o qual se empenha para conseguir o tão desejado diamante para que seu amigo pudesse assim realizar seu desejo de casar com a filha do Major.

—Tenha paciência, meu patrão – respondeu o camarada. – De-nos ainda um pequeno serviço amanha...ali, ali mais embaixo, patrão, e eu que não me chame Simão, se a coisa ali não pintar. Tenha fé e reze a Nossa Senhora, e vera se amanha ou depois o diamante graúdo não vem alumiar no fundo da bateia.

—Histórias! Meu Simão; todos os dias me dizes isso e o resultado é sempre o que estamos vendo. (GUIMARÃES 1993. p.35).

Percebemos no fragmento acima a vontade do velho Simão amigo de Elias em achar o tão sonhado diamante para que a felicidade de seu amigo fosse assim completo, Elias não acreditava que encontraria diamante naquele lugar, pois eles já haviam procurado há alguns dias e não tinham obtido sucesso.

Enquanto o ajudante de Elias o incentivava a não desistir o pai de Lúcia procurava sempre afastá-la desse amor, sempre a forçava de uma maneira sutil a casar com o jovem que possuía uma condição financeira melhor.

—Minha filha – começou o Major, abaixando cautelosamente a voz, e quase ao ouvido de Lúcia – o que vou dizer-te, quisera poder ocultar-te para sempre; não quereria por nada deste mundo tornar-te mais aflita e triste do que te vejo há certo tempo. [...]

 —Deveras, meu pai?... pois explique-se, que de minha parte estou pronta a todo e qualquer sacrifício. [...]

— A que, meu pai?...

 — A casar com o Senhor Leonel. [...]

— Mas – continuou ela mudando de tom – que tem meu casamento com sua quebra, meu pai?

[...].

— Tranqüilize-se, meu pai – disse ela com tom firme e resoluto, enxugando a ultima lagrima que lhe brotava dos olhos; aceito o marido que me quer dar, já que assim é preciso para felicidade sua e de minha irmã.

Eis o obstáculo que o pai de Lúcia impõe ao seu amor a condição financeira, pois seu pai o Major visava sempre uma boa posição, e procurava ao seu vê um rapaz rico que pudesse salvar o financeiro de sua família, e não se importando com o sentimento de sua filha.

Mas o sujeito não desiste de seu objeto de valor, mesmo encontrando dificuldades. D’Onofrio (1995), diz quer a função do “herói” muitas vezes possui apenas o querer, faltando-lhe o saber e o poder, como o poder é oferecido pelo actante secundário ajudante este tem a incumbência de auxiliar.

—Uma lavra!... tu deliras, meu pobre Simão!... onde está ela?...

—Eu já lhe conto... ah! se Vmcê. Não aparecesse a tempo!...

Vmcê. está duvidando?... aqui está o que lhe há de fazer acabar de crer... é o diamante, que eu já tinha tirado... isto é seu...

Mas quando tudo parecia estar perdido para Elias, o seu amigo Simão surge para lhe “doar” a tão sonhada felicidade, mesmo não aparecendo no decorrer da narrativa surge no final como para assim completar sua missão e desejo de vê seu amigo casando-se com sua tão sonhada amada Lúcia.

—Ah!... exclamou o Major como acordando de um sonho, não é preciso que ninguém me diga; já o adivinhei!... é o senhor mesmo... mas será possível?

—Sim, senhor Major; o senhor disse; sou eu mesmo. O que acha nisso estranho?

—Nada... O que somente me maravilha e não posso conceber é que o senhor, que ainda ontem era pobre como eu me vejo agora, pudesse de um dia para outro adquirir fortuna...

[...]

—Que belo e generoso procedimento! Exclamou o Major, já sinto-me orgulhoso em ter por genro.

O tão sonhado desejo que reinara no coração de Elias foi por fim concretizado, com a ajuda de seu velho amigo que contribuiu para isso, nos é clara sua vitória sobre o obstáculo imposto.

O Major comovido no íntimo do coração pelo generoso procedimento e pelas nobres palavras do mancebo, lançou-se em seus braços.

—Sejam felizes, exclamou com lágrimas nos olhos, sejam felizes, meus filhos!... o céu abençoe o vosso amor.

D’ONOFRIO (1995), nos diz que de acordo com as funções actancias, exercido pelo ator este é investido de uma temática, possui uma missão a exercer. Sendo qualificado no começo da narrativa ou recebê-la gradativamente.

Considerações Finais

Esta foi uma leitura da obra de Bernardo Guimarães (1825-1884), O Garimpeiro um dos romances que originou o regionalismo na literatura brasileira, Apesar de tudo, o livro traz uma narrativa breve e movimentada que conduz ao leitor a um desfecho feliz. 

No entanto, a leitura da referida obra, certamente, abrirá espaço para outras discussões dentro do plano do enunciado no nível atorial por isso, estamos certos de que a proposta deste artigo contribuiu para uma nova visão dos estudos dos textos literários.

Fica, portanto, a importância de se estudar o romance, sob os planos teoricamente estabelecidos pela literatura, considerando as partes, pois elas são capazes de desconstruir uma opinião sobre determinada obra que esteja rigidamente fundamentada pelos livros didáticos. Assim, o cenário regionalista e os comportamentos dos personagens nos fazem compreende-lo de uma outra maneira.

   

 

                                                                

  

REFERÊNCIAS

D´ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 1. Prolegomenos e teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1995, p. 9-125.

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GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. 9ª ed. São Paulo: Ática 2006, p. 9-26.

GUIMARÃES, Bernardo. O Garimpeiro. 11ª ed. São Paulo: Ática 1993.



* Artigo apresentado à profª. Adilma Nunes Rocha, do componente curricular: Estudos Teóricos do Texto Literário, do curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XXI, Ipiaú, como requisito para complementação de nota.

** Acadêmicas do Curso de Letras Vernáculas, III Semestre, vespertino.

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