O pequeno caderno verde - V

Por Raimundo Nonato RODRIGUES | 02/05/2016 | Literatura

V

Aniversario do grande compositor e cantor alagoana Djavan - 67 anos. Um dos bons interprete da boa safra da musica nacional. Admiro muito seu trabalho musical, muito peculiar. Criou seu próprio estilo especial de compor suas belas canções. Começando essa manhã de quinta-feira prestando homenagem a este grande e lendo inesquecível mestre poeta Nauro Machado em "As Esferas Lineares" - ensaios sobre quatro grandes escritores maranhenses: Bandeira Tribuzzi, Erasmo Dias (preciso lê-lo), Nascimento Moraes e o paraibano José Chagas. Meu amigo Cabeludo passou buzinando, faz uns dias que não compareço a sua loja no mercado, estou em débito. Vou comer o pão que o tempo endureceu, que guardei ontem, a crise bateu em cheio. O congelador as moscas, o arroz acabando, minha cunhada sem cigarros e eu sem esperança - a morena jovem vai pra o serviço.Os estudantes de volta as aulas nas escolas publicas. Eta, ferro! - não é que comi o pão ontem mesmo. A minha memória cada dia se dilui, esqueço as coisas com facilidade. Na minha consciência, tinha guardado o pão, estava convicto.mas agora que a fome bateu forte, que procurei, cadê? Então lembrei-me vagamente que o devorei. Oh! Santa pobreza - sem laranja depois das refeições. O tempo se fechando ameaçando chover, .e agora Raimundo? E condicionar o estômago para o jejum forçada, que Deus tenha piedade. Alah-u-Akbar! Vivendo em total estado de desespero, beira da fome. Seu Cardozo, o merceeiro da esquina fecha o portão da garagem.

        - Beabá!Beabé! - pregoa o vendedor de cuscuz com a caixa de isopor pendurado no ombro, o cheiro forte de um desodorante inunda o ambiente da oficina.

  Aleluia! Aleluia! - sair da lisura, um senhor encomendara uma peça. Cobrei-lhe vinte e cinco reais, adiantou-me dez sem que eu lhe pedisse. Contrariando as minhas normas, vou usar um dos pedaços de cano que Seu Juca trouxe e deixou aqui para usa-lo como pé de uma churrasqueira.A situação faz o ladrão.. Muchas gracias, mi bueno Dios! Allah-u-Akbar! - dividirei o dinheiro com a minha cunhada. A magrinha branca com o rosto fino, o nariz afilado. Dieu c'est bon, très bon! De volta com sal e  Dean atravessando o estado do Texas, rumo ao México num velho ford 37, caindo aos pedaços. tenho tantos sonhos, além de conhecer a São Petersburgo de Dostoiévski, a Paris de Balzac e Miller, a Londres de Dickens, a Lisboa de Saramago,o Rio de Janeiro de Lima Barreto, fazer uma peregrinação a São Tiago de Compostela, passar um Kumb Mela em Alahabad na Índia, banhar-me no rio Ganges e lógico refazer o mesmo roteiro de "Vinhas da Ira" de Oklahoma a Califórnia pela route 66 e de Kerouac de Nova York ao México ou São Francisco - um turismo literário alternativo.. A barriga, o estômago ronca sem nada para digerir. Segura poeta e bebe agua para engana-lo. Lembrando-me do triste fim do Dr. Jivago nas ruas de Moscou e a bela Lara.

 Sou obrigado a me mudar de lugar, a chuva intensificou=se abruptamente, o barulho dos pingos nas calçadas e das enxurradas descendo sobre o asfalto e nas sarjetas. Um ônibus em alta velocidade jogou agua aqui dentro.Mais uma boa noticia, a professora da rua 25 quer que eu olhe um portão para reforma-lo.Arrasto  cadeira para mais longe da goteira que desce pelo buraco da lâmpada. Lembrei-me de Claybon, o pedreiro filosofo que perguntou ao circunspecto Pastor qual era o som da chuva. O pastor incrédulo e surpreso com a peculiar indagação apenas balanço a cabeça para os lados negativamente. Aproveitei para limpar e ensacar os lixos amontoados no fundo da oficina, arrumando aos poucos dando um novo visual. A agua dos respingos invade o salão. Eu, aos cinquenta e cinco anos,banhado na cadeira de macarrão,olhando a chuva e pensando no passado. Tranquilo sem contas a pagar (somente cabeludo e a Cemar), morando e trabalhando aqui nessa Vila, sonhando com dias melhores,mesmo sabendo que nunca virão. Mas vale apenas sonhar, entorpecem a alma e extingui os sofrimentos momentâneos. Viajo nas letras, nas trilhas literárias dos meus queridos mestres que me levam a lugares e a situações agradáveis,fazendo-me esquecer as mazelas a mim imposta pelo imperioso destino. A chuva cai barulhenta, espalhando a dor e a preocupação em nossas timoratas mentes.O frio apetece o calor das angustias que nos absolve as entranhas. Com Kerouac contemplo o México, com Dostoiévski comprimido flano a beira do NIéva em busca de soluções improváveis.Sou rude e grosseiro, que nada sou sensível como uma manteiga numa frigideira aquecida. O radinho fanho pede pilha:

  - Dez e meia - Anuncia a locutora Val Monteiro na Universidade FM, despendido-se dos ouvintes - Volto amanhã as seis, um bom dia!

Trade - deus é bom! Placidios, o mesmo que devia-me dez reais há muito tempo, veio-me buscar e fomos medir uma grade na casa de uma senhora aposentada, uma ex-funcionária publica, vinha dele que mora sozinha. Fechamos o negocio. Foi comigo compramos ferros e assim vai. Deu-me cem reais de adiantamento.Paguei Comandante La Sierra, a filha do finado Bispo e ainda bebi três latas de cervejas. Comprei laranjas, dei vinte e cinco reais para minha cunhada.Alah-u-Akbar! Muchas gracias, meu bom Deus!. Não almocei dormi inebriado pelas cervejas. Mas agora fui a farra, comi dois sandubas de mortadela com café com leite.Mas sempre preocupado será que o serviço da Senhora do Resende não vai dar problema. O chuvisco obrigou-me a retirar-me do terraço e buscar abrigo no meu humilde aposento. saudade de Dom Quixote e de Pancho. Um friagem gostosa. Vakirino era o paraíso de Dr. Jivago. O céu nublado como nos invernos russos. A minha realidade é outra,  não atravessei o Brasil, nem mesmo o meu estado,apenas a minha amada cidade que trilho há mais de cinquenta anos e o meu ninho, o Bairro do Desterro.

  Volto para o terraço, uma garoa bem fininha invisível, imperceptível a olho nu cai abusadamente,o ventinho frio. Um clima ameno. Uma vontade louca de  ingerir uma 'dip', mas vou me controlar, já gastei a cota do dia - tive direito a um grogue moderado, eu merecia. Amanhã concentrarei-me no trabalho, dou graças a Deus. Uma quarta-feira abençoada. Uma tranquila tarde de janeiro,onde os sonhos misturam-se a alegria .Pena que eu não tenha ninguém para chamar de  meu amor ou vice-versa. Meu radinho destila o puro regae roots. Um vento sutil e fresco balança os galhos do arbusto perto da parede. A pequena Ludmila chega nos braços da mãe, abrigada por uma sobrinha. Porque não me sentir abençoado, como gostaria que todos compartilhasse comigo esses breves momentos de felicidade expontanea. Uma dorzinha chata de cabeça e a vontade de viçar, me obrigara a ir a farmácia comprar uma"dip" - aproveitei para pesar-me - não passo dos 66 quilos e umas gramas. Chuvisca de vez enquanto,um friozinho vem no vento. E o meu amado filho, como estará nessa clima depressivo naquela casa, enfrentando a solidão e a depressão.pauvre enfant!

 Uma temperatura de 24 graus - frio para nós. Enfim o néctar da 'Dip" amortecendo o meu cérebro.