O pensamento político de Rousseau

Por Rabim Saize Chiria | 02/01/2018 | Filosofia

RABIM SAIZE CHIRIA
Saizemmm@gmail.com
Licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane; Moçambique

 

O pensamento político de Rousseau

Rousseau é autor contratualista, porém, ele tem algumas diferenças em relação a Hobbes e Locke. O que tem de semelhante é o estado de natureza e de sociedade, mas Rousseau vai mais além, o seu objecto não é analisar o aspecto jurídico, ele analisa o que sustente esse aspecto jurídico. Na visão dele o que sustenta o aspecto jurídico do Estado é a esfera social. Rousseau trabalha com três momentos não com dois, como os outros. Rousseau fala do Estado de natureza, estado de sociedade, e momento do contrato social.

Segundo Rousseau o homem é bom por natureza, para Locke o homem é neutro, ou pelo menos tem tendência de ser bom, e para Hobbes, o homem é mau por natureza. Rousseau salienta que lá no estado de natureza o homem não é um ser sociável, para Hobbes, o homem no estado de natureza tem contacto com outros seres humanos e é por isso que surge a guerra de todos contra todos, no caso de Locke, também existe contacto de um indivíduo com outro, por isso ele fala do direito a propriedade privada e comércio entre pessoas.

De acordo com Rousseau, o homem lá no início da civilização não tinha contacto um com outro. Pois, quando começaram a surgir os grupos sociais espalhados pelo mundo, não havia contacto um com outro. No primeiro momento, sobretudo, no estado de natureza os indivíduos não tinham contacto um com outro, os indivíduos não sabiam quem eram os outros grupos, portanto, os indivíduos viviam bem. Viviam bem porque eles são bons por natureza, pois, tiravam tudo da natureza e não tinham contacto com as outras pessoas, eles não conheciam o que era uma propriedade privada.

Ora, esses grupos aos poucos começaram a aumentar e a se encontrarem. É justamente nesse momento, em que surge a propriedade privada. Rousseau cria a sua máxima famosa de que o homem é bom por natureza, a sociedade é que lhe corrompe. Isto significa que num dado momento um grupo social, sempre viveu isolado, sempre viveu sozinho.

Depois de ter contacto com outro grupo social, os homens começaram a criar o direito a propriedade privada e a corrupção, visto que o outro grupo social parou e imaginar, nós estávamos nesse território e tínhamos tudo o que precisávamos, agora está chegando o outro, agora temos que nos precaver. Isto para Rousseau é corrupção porque o ser humano começa a ir atrás daquilo que ele acha o que vai precisar, e daí o estado de natureza de Rousseau deixa de ser bom e passa a ser ruim.

Por que passa a ser ruim? Passa a ser ruim porque lá no estado de natureza vai surgir aquilo o que se chama de propriedade privada. Então, havendo essa demarcação do território surgem conflitos entre os homens, daí a necessidade do Estado.

Para Rousseau a passagem do estado de natureza para o estado de sociedade não é bom, porque o estado de sociedade tem por objectivo garantir a propriedade privada, por sua vez, a propriedade privada vai criar uma desigualdade, o estado de sociedade na lei garante a liberdade para todo mundo, mas na verdade as pessoas não são iguais em condições económicas.
Portanto, esse estado de sociedade é mau, porque o direito nesse estado defende a propriedade privada, e, consequentemente, no âmbito de uma eleição quem vai ter a oportunidade de ser eleito, sempre vai ser o rico. Por seu turno, o rico quando é eleito não vai acabar com essa desigualdade social, o rico vai perpetuar a desigualdade social. Isto gera uma outra consequência que é a ausência da liberdade material.

O estado de sociedade diz que as pessoas são livres, mas na verdade eles não são livres. Por exemplo: a pessoas quer viajar, ela só viajará até onde o dinheiro lhe permite. E não só, as pessoas não são livres de escolher o emprego que querem, pois, segundo Rousseau as pessoas vão atrás do emprego que está disponível para elas, ninguém vai atrás do emprego que quer.

E como isso não bastasse, as pessoas não vão poder eleger quem ele querem, apenas vão eleger quem está disponível, eles vão escolher dentre aquelas pessoas que são candidatos, então na concepção de Rousseau nesse estado de sociedade essa liberdade não passa duma falsa, a igualdade também é falsa. A liberdade é falsa porque o indivíduo não é ele que define, mas sim o outro. E a igualdade só existe na lei, na prática não, no ponto de vista material não existe nenhuma igualdade. É por isso que no estado de sociedade não existe liberdade nem igualdade.

Rousseau faz uma proposta de mudança do estado de sociedade para o contrato social. O contrato social é aquele momento em que os indivíduos vão sair do estado de sociedade e vão entrar no contrato social que é a proposta de um novo estado que seria uma situação boa. Rousseau vai salientar que as pessoas devem sair naquela situação alienada em que elas estão. Isto significa que o indivíduo deve ter em mente que lá no estado de sociedade ele não é livre.
Por mais que a lei diga que ele é livre, porém, ele não é livre, pois, ele não faz o que quer, ele faz aquilo que os outros definem para ele fazer, ele não escolhe emprego, ele escolhe dentre aquele emprego que o empregador disponibilizou, ele não vota a quem ele quer, mas sim vota dentre os candidatos disponíveis. Ele não vai onde ele quer, ele só vai onde o seu dinheiro permitir. Esse é o primeiro passo da transição para o contrato social.

O segundo passo é a implementação duma democracia directa que é aquela a situação em que o indivíduo participa na criação da lei a qual ele vai-se submeter. Rousseau olha para a democracia representativa que é aquela na qual o cidadão escolhe o seu representante. Olha e diz o seguinte: na democracia representativa quem cria lei? Claro, é o representante em nome do representado, por sua vez, o representado em relação a essa lei não faz nada além de obedece-la. Qual é a liberdade que o indivíduo tem? Claro, nenhuma! No caso de Locke quem cria lei é o representante, e essa lei é imposta sobre o indivíduo. E Rousseau questiona: que liberdade o indivíduo terá? Óbvio, nenhuma! Então, no ponto de vista de Rousseau a única forma de garantir a liberdade política é por meio da democracia directa, onde todos os homens, inclusive os pobres estariam em conjunto criando uma lei, a qual se submetem.

Portanto o conceito de liberdade para Rousseau é participar do processo que cria uma lei. Se o indivíduo participar do processo que cria uma lei, então, ele é livre. Se o representante cria uma lei de liberdade de expressão, se o indivíduo não participou na criação dessa lei, então não é livre, porque o criador da lei foi um só. Se o parlamento, ou seja, o legislativo criando uma lei garantindo a liberdade de expressão, o indivíduo não é livre porque o indivíduo não participou na criação dessa lei.

De acordo com Rousseau, se nesse sistema de democracia directa, todos os envolvidos criar uma lei implementando a censura por exemplo, nessa situação, mesmo com a censura os indivíduos seriam livres, o que importa para Rousseau é a participação do processo legislativo.

O terceiro passo é da vontade geral, no entanto, a vontade geral não é a vontade da maioria, vontade geral não é vontade de todos, mas sim fazer aquilo o que é certo. Segundo Rousseau, todos os indivíduos são bons por natureza, todos os indivíduos sabem o que é certo e o errado, independentemente do facto concreto ao qual estão vinculados. Ex: mentir é bom ou não? Alguns podem dizer que depende, mas para Rousseau está errado mentir, porque todo mundo sabe que independentemente do facto concreto mentir é errado.

Se a mentira é errada, qual serial a vontade geral? A vontade geral seria criar uma lei que puna a mentira. Ou seja, quando o indivíduo olha para o facto concreto é aí, onde surgem a corrupção dele. O homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe, porque o indivíduo deixa de olhar para os seus princípios e começa a olhar para o facto concreto.

Se eu pergunto, mentir é certo ou errado? Então o indivíduo diz: depende do facto concreto. Portanto, isto para Rousseau é corrupção, pois, o ser humano precisa de definir o certo e o errado sem olhar para o facto concreto. O outro exemplo, uma sociedade composta por 60 mil pessoas, resolvem implantar uma pena de morte, essa lei pode ser posta em prática segundo Rousseau? Claro que não! Por mais que alguém diga que é a vontade da maioria, ou de todo mundo, Rousseau vai dizer que não, matar não é certo, não pode haver pena de morte, a vontade geral é fazer o que é certo. Pois, todos sabem o que é certo, se todos sabem o que é certo, portanto, a lei vai ser o reflexo da vontade geral, consequentemente, toda lei vai ser justa.
 

Para Rousseau o legislador não é a pessoa que cria uma lei, mas sim aquela pessoa que tem o bom carácter, aquela pessoa boa que cabe a ela mostrar aos demais o que é a vontade geral. O legislador seria aquela pessoa que diria que a mentira não é certa, independentemente do facto concreto, o legislador vai ser aquela pessoa que vai dizer o seguinte: você quer criar uma pena de morte, saiba que, se você for acometer um crime sofrerá também uma pena de morte, o legislador vai ser o conselheiro ou a pessoas excepcional que mostra aos demais o que é a vontade geral, ele não vai manipular, mas sim vai abrir a mente das pessoas.
O outro ponto é da soberania. Rousseau salienta que o povo é soberano, porque o povo nesse processo do contrato social não vai transferir os seus direitos, o indivíduo vai permanecer com os seus direitos naturais, não há transferência e nem cessação dos direitos, porque o povo é soberano. E não só, aquilo que o povo quer deve ser transformado em lei, a ideia da soberania popular vem de Rousseau, a ideia de que compete ao povo definir os rumos do Estado vem de Rousseau.

Quando o indivíduo está criando a lei ele é soberano, quando se submete a uma lei, ele súdito, ele é a mesma pessoa, mas no momento em que ele vai criar a lei é soberano, e no momento em que vai cumprir é súdito, por sua vez, existem aqueles que vão executar a lei que são chamados de governos. A palavra governo não significa uma representação, mas sim o exercício duma função, pois soberano é o povo, porque todos tem a prerrogativa de definir uma lei, súditos são todos que se submetem a lei criada.

Portanto, a lei seria justa porque se fundamenta na vontade geral, com isso garante a liberdade e a igualdade económica, e se garante a liberdade e a igualdade económica, então a vontade geral é fazer o que é certo.