O pensamento político de John Rawls

Por Rabim Saize Chiria | 15/01/2018 | Filosofia

RABIM SAIZE CHIRIA
Saizemmm@gmail.com
Licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane; Moçambique

 

O PENSAMENTO POLÍTICO DE JOHN RAWLS

 

1.Introdução

Rawls dedicou toda sua vida na elaboração de uma teoria da justiça, esse é tema central do seu pensamento. Uma teoria da justiça que seja capaz de conjugar aquilo que nós podemos chamar de principais valores do mundo moderno. Valores esses, aparentemente inconciliáveis quando tratados sobre o prisma das ideologias dominantes do século XX. Que valores são esses? São a liberdade e a igualdade. No entanto, as grandes ideologias do século XX tornaram esses dois valores, como valores que colidem, que conflituam, valores com uma dificuldade de serem conjugados.

O grande mérito de Rawls foi a tentativa de construir uma teoria da justiça que seja ao mesmo tempo, cuidadosa com o valor da liberdade como o valor supremo da vida humana, e com o valor da igualdade como o valor fundamental na convivência entre os membros de uma comunidade política. John Rawls é um autor que não abdica quaisquer desses princípios da liberdade e da igualdade, sobretudo quando ele tenta responder o grande desafio da Filosofia política.

O grande desafio da filosofia politica é de responder uma questão aparentemente simples, mas complexa e difícil de ser respondida, visto que não admite respostas simples. Neste caso, a pergunta é: “ o que é uma sociedade justa”?

Ora, Rawls, a vida dele toda académica foi dedicada a construir uma teoria da justiça que pudesse conjugar esses dois valores supremos, como sendo a melhor e amais abrangente resposta da grande questão sobre o que é efectivamente uma sociedade justa. O pensamento de Rawls não se opera no vazio histórico, pois, o seu pensamento se constitui a partir das grandes teorias que se fazem antes dele.

 

2.Teoria da justiça como equidade


A teoria da justiça como equidade é a teoria apropriada para responder a questão sobre o que é uma sociedade justa. Neste âmbito, encontramos três pressupostos básicos: sendo o primeiro pressuposto é justamente a escassez moderada dos recursos. De acordo com Rawls, a totalidade dos recursos a ser distribuído é menor do que a demanda, pois, há um conflito permanente entre os bens disponíveis que são escassos, e desejo ilimitado de posse na parte dos indivíduos, ou seja, a natureza não está aí para nos prover recursos infinitamente, embora nós sejamos indivíduos cujos desejos são infinitos.

Esse é o pressuposto básico da teoria de Rawls. Portanto, nós para pensarmos numa sociedade justa, devemos partir não e nem dum clima de abundância total, e tão pouco num clima de escassez absoluta, mas duma escassez moderada de recursos, de tal modo que, o que se trata de distribuir são bens que, de certa maneira, todos contribuíram na vida em sociedade, e que temos pensar na justa repartição desses bens, sabendo de antemão que esses bens devem ser cuidados, zelados, porque a final das contas, não têm uma indisponibilidade absoluta, pois, eles não estão disponíveis nem para todos ao mesmo tempo e nem para todos em todos os tempos.

Ademais, a nossa sensibilidade aumenta, ela se aguça à medida que nós percebemos a importância fundamental do facto de que a geração futura a vida deles nesse planeta depende também das escolhas que fazemos hoje na vida e em sociedade. Rawls pensa na ideia da justiça de que há um conflito permanente entre os bens disponíveis e o desejo ilimitado por parte daqueles que vão-se apoderar desses bens.

O segundo pressuposto da justiça como equidade é o reconhecimento do facto de pluralismo, ou seja, da existência de um desacordo profundo, irredutível e intransponível entre concepções de bens defendidos por um determinado grupo de indivíduos numa sociedade moderna. As sociedades modernas são caracterizadas por pluralismo das formas de vida, portanto, nós não vivemos mais numa sociedade, na qual conjugamos uma única doutrina do bem absoluto compartilhado por todos; isto para Rawls é um dado fundamental, porque isto marca uma ruptura com os sistemas de valores tradicionais.

Ora, a filosofia política clássica tinha como ideia fundamental a identificação do bem supremo. Pois para os clássicos, o bem supremo seria melhor para a organização da forma política e para que conduzisse a vida humana. Isto é mais ou menos compartilhado por todos autores clássicos – Platão (427-347), pelos Estóicos, pelos Epicuristas, pelo Aristóteles (384-322), pelos Medievais, sobretudo pelo Santo Agostinho (354-430), Santo Tomais de Aquino (1225-1274). Dum modo geral, a política clássica é pensada segundo uma concepção de bem que norteia a vida dos indivíduos que pode ser identificada como um bem supremo.

No entanto, longe de a política ser uma tentativa de estabelecer o reino de um bem supremo na consciência comum dos indivíduos, os teóricos modernos partem de um pressuposto diferente. Pois, segundo os quais, esse bem supremo não é compartilhado pelos indivíduos, ao contrario, as concepções do que seja o bem excelente da vida humana são objectos de profunda divergência entre os indivíduos. Entretanto, o problema é de saber quais são os princípios de justiças que podem regular a coexistência de membros, cujos pensamentos, doutrinas, concepções divergem uns dos outros.

Ora, a visão dos modernos é de que o fim de toda associação política é de conservação dos direitos naturais. Por seu turno, a declaração da independência americana usa palavras próximas para defender as mesmas ideias: “ defendemos como auto-evidentes, as verdades de que todos os homens são criados iguais e dotados por seu criador certos direitos que são inalienáveis. Dentre esses estão: a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

E para a segurar esses direitos, os governantes são instituídos entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados. No entanto, sempre que a forma de governo torne destrutivo desses fins, é do direito do povo de a altera-la, ou de aboli-la. Partindo desse pressuposto, pode-se inferir que, o poder político deriva do consentimento dos cidadãos, e a função primordial é a segurar direitos que não são outorgados pelo rei, mas direitos que cada indivíduo nasce com eles, direitos que lhe pertence de modo inalienável.

Portanto, o problema central da Filosofia política moderna é da legitimidade do poder político. Uma vez corrompendo-se esse destino fundamental do que seja o bom governo; logo esse governo perde a sua legitimidade. Aliás, no período moderno, o poder político não é mais imaginado como um poder emanado de um direito divino, pois, é imaginado como aquilo que congrega e agrega os indivíduos em torto duma concepção unívoca do bem.

Um dos aprendizados mais dolorosos, e mais difíceis que os seres humanos fazem ao longo de um processo de modernização de uma sociedade é justamente o processo de uma convivência de tolerância, pois há uma divergência profunda de algo que talvez seja mais essencial do que a política, mas que precisa da política para sobreviver. Que algo de essencial é esse? É o sentido último da vida humana.

Os clássicos salientavam que a ética e apolítica tratava exactamente desse problema fundamental: “ qual é o sentido último da vida humana, qual é o fim último das nossas acções? Qual é o modo mais excelente da vida humana? E qual é melhor colectividade senão aquela que preserva, que inculta nos seus cidadãos as virtudes que tornam o homem excelente”.

Ora, no mundo moderno esse tema das virtudes, progressivamente cai em desuso, sobretudo na medida, em que os membros da sociedade moderna vão conviver com aquilo que Rawls chama de “ o facto de pluralismo.” De acordo com Rawls, não se faz uma Filosofia política séria no nosso século, se não partirmos desse facto fundamental. Neste contexto, a tendência nossa tende a divergir do que a convergir na medida, em que, em sociedade como essas, o uso livre da razão humana, o uso livre do pensamento e a capacidade dos indivíduos de poder expressar suas concepções de modo livre tende naturalmente a criar modos, e estilos de vida cada vez mais diversificada.

No entanto, como estabelecer princípios de justiça no meio onde há divergência de opiniões e conflitos entre pessoas? De acordo com Rawls, para fazer uma filosofia política séria deve-se partir desse pressuposto fundamental: o primeiro é a escassez moderada dos recursos, e o segundo é o reconhecimento do facto de pluralismo.

O terceiro pressuposto da justiça como equidade é o reconhecimento de que todos os membros da sociedade são indivíduos racionais e razoáveis, ou seja, indivíduos capazes de formular uma concepção de bem, e de desenvolver um senso de justiça. A racionalidade e razoabilidade constituem duas capacidades ou poderes morais intrínsecos aos indivíduos.

O que é ser racional segundo Rawls? Ser racional é ser capaz de escolher fins, escolher metas e dotar-se dos meios mais eficazes para atingi-los. No entanto, isto seria aquilo que se chama de racionalidade meios fins. Todos nós escolhemos fins, e somos capazes de buscar meios para isso. E o indivíduo na medida em que vai-se desenvolvendo, ele é capaz de transformar, de modificar, de repensar quais são aqueles bens que ele antes tinha como essenciais e hoje, ele as coloca como provisórios. Ao lado dessa capacidade cada indivíduo sabe respeitar os termos equitativos da cooperação social. Pois, o facto de que eu eleja os meus fins, não dá o direito de pensar que na realização dos meus fins, eu terei que imaginar que os fins dos outros não podem ser realizados, ou os fins dos outros como obstáculos aos meus.

Portanto, de acordo com Rawms, o problema da convivência em sociedade não é da eliminação dos fins de cada um, e sim da capacidade de conjugar o livre arbítrio de cada um dentro duma lei universal da liberdade em que todos possam compartilhar em comum. No entanto, ao lado da racionalidade todo indivíduo humano é capaz de exercitar um outro poder que Rawls chama de razoabilidade.
 O que é a razoabilidade? A racionalidade é a nossa capacidade de perceber que certos fins podem não ser os melhores. Exemplo: é racional que todos os indivíduos possam acreditar em certas concepções religiosas, mas não é razoável que certas concepções religiosas admitam sacrifícios da vida humana só porque faz parte do seu credo. O que a vida social nos impõe é que as nossas acções sejam em conformidade com as normas, neste sentido, qualquer cidadão pode utilizar uma simples razão estratégica e instrumental, e ser um bom membro da cooperação social, porém, isso não o torna um indivíduo razoável capaz de estabelecer para si e para os outros, os critérios da justiça.

Baseado nesses pressupostos – escassez moderada dos recursos, o facto de pluralismo, e as capacidades morais de cada individuo é que Rawls afirma que não é possível encontrar os princípios capazes de ordenar a estrutura básica de uma sociedade, a não ser quando os procuramos no quadro duma situação altamente específica, o que chama de posição original submetida a condições restritivas, o que se chama de véu de ignorância, de modo que os indivíduos não possuam informações sobre a situação particular e as características pessoais que serão suas na sociedade para a qual elaboram os princípios da justiça.

Ora, uma apresentação geral da teoria de Rawls deve levar encontra três elementos fundamentais duma concepção política da justiça: objecto/estrutura básica da sociedade, método/ posição original, conteúdo da concepção política da justiça. No entanto uma concepção política da justiça tem como objecto a estrutura básica da sociedade, e o seu método é a posição original.

Desde o primeiro parágrafo a parece a tese de Rawls, a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade o é para os sistemas de pensamentos. Uma teoria por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira. Da mesma forma as leis as instituições se não forem eficazes devem ser reformadas ou abolidas.

Rawls, no lugar de contrato social, ele imagina uma situação da posição original que seria uma situação, onde os participantes decidem os princípios de organização das instituições básicas de uma sociedade sobre o véu da ignorância, ou seja, eles são colocados nessa posição sem conhecer suas posições na vida real – a originalidade de Rawls é a famosa posição original. Os indivíduos desconhecem os seus atributos físicos e psicológicos, desconhecem também se serão homens ou mulheres.

Exemplo: não conhecem também suas condições económicas, ou seja, desconhecem a classe social na qual irão nascer e desconhecem também o nível de educação, pois, segundo Rawls é fundamental que esses indivíduos ignorem as suas situações de bens e seus projectos de vida; isto quer dizer que eles ignoram se são católicos ou protestantes, se vão acreditar num Deus ou não, ignoram se o seu projecto de vida contém um projecto familiar, com filhos ou sem filhos. Em suma, ignoram tudo que determina a representação que nós próprios fazemos da nossa identidade.